Obra seminal "A origem das espécies" continua atual

sábado, 28 de dezembro de 2013
"Não os encorajo, como o filósofo que se vale do martelo, a destruir enfim, por último e heróico esforço, as últimas superstições que repousariam ainda nas ciências e na democracia. É a definição mesma do monstro, da barbárie, dos ídolos, do martelo e da ruptura, que é preciso ser novamente retomada. Nunca houve bárbaros; nós nunca fomos modernos, nem mesmo em sonho - sobretudo em sonho!"  -  Bruno Latour  -  Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches 

Em 2013 o livro A Origem das Espécies, com o qual o cientista Charles Robert Darwin lançou a teoria da evolução, completou 154 anos. Publicado inicialmente em Londres, em novembro de 1859, com o nome Sobre a origem das espécies através da seleção natural, ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida, o trabalho de Darwin representa um marco importantíssimo na Ciência.
A idéia da evolução no mundo natural é relativamente recente. Até o século XVIII poucas pessoas admitiam a possibilidade de que podiam ocorrer mudanças na natureza. Todavia, com o desenvolvimento de ramos da ciência como a geologia e a paleontologia, os cientistas foram percebendo que o mundo havia mudado bastante durante as sucessivas eras. As rochas e os fósseis traziam informações de uma Terra diferente, povoada por animais e plantas que não mais existiam. Por que os seres vivos se transformavam ao longo do tempo? Haveria algum elo entre as espécies atuais e aquelas encontradas nos fósseis? (Ou seriam apenas animais que Deus não colocou na Arca de Noé, como diziam alguns religiosos da época?) O que faltava era desenvolver uma teoria que explicasse como estas alterações ocorriam.
Charles Darwin nasceu em 1809, na Inglaterra. Iniciou estudos de medicina, que depois abandonou, tentando uma carreira eclesiástica que também não terminou. Interessado no estudo da biologia, participou de uma viagem exploratória do navio MS Beagle, que durou de 1831 até 1836 e que lhe deu a oportunidade de estudar várias espécies de animais e plantas de todo o mundo. Ao voltar, tendo reunido muito material, Darwin pesquisou e aprimorou sua teoria durante mais de 20 anos, até que a tornou pública através livro A origem das espécies, em 1859. A “teoria da evolução”, como foi chamada, tornou-se uma das mais sólidas explicações de certos fatos em toda a história da Ciência, tendo sido comprovada por várias outras descobertas feitas por muitos outros cientistas, ao longo dos últimos 150 anos.  
A teoria de Darwin diz que nenhum indivíduo de uma mesma espécie – sejam formigas, aves, ratos ou humanos – é igual ao outro. Sempre haverá uma mínima diferença entre um indivíduo e outro; fato confirmado pela moderna genética. Estas diferenças – mínimas mutações genéticas transmitidas aos descendentes – podem se acentuar e transformar os sucessores em uma espécie diferente, desde que ao longo das gerações consigam sobreviver em seu meio ambiente (que também pode mudar) e aos competidores. Isolamento geográfico parece ter sido um dos mais importantes fatores na formação de novas espécies.
As mutações que provocam a gradual diferença entre indivíduos da mesma espécie são, entretanto, completamente aleatórias; não são provocadas por nenhuma lei ou força ou propósito. Este é a parte revolucionária e perigosa do pensamento de Darwin: as espécies transformam-se ou desaparecem sem que haja por trás deste processo qualquer objetivo, qualquer programa pré-definido. A conclusão pode parecer estranha, mas é assim mesmo que a evolução funciona. O “projeto inteligente” (intelligent design), concepção segundo a qual haveria uma intenção (divina) por trás da evolução, não tem fundamento na história da evolução.  Ainda com relação a isso, Darwin evitava usar a expressão “evolução”, que dá idéia de melhoria, preferindo usar o termo “transmutação”.
Hoje, passados mais de 150 anos do lançamento da Evolução das Espécies, ainda existem opositores da teoria. Para a Ciência, todavia, a teoria já está bastante comprovada. Sem ela não seriam possíveis os grandes avanços na biologia, genética, medicina, ecologia e várias outras ciências.
(Imagens: fotografias de Otto Umbehr)             

A crise da metafísica e o pensamento pós-moderno

sábado, 21 de dezembro de 2013
"Se desejamos tirar conclusões filosóficas a respeito de nossa existência, nosso significado e o significado do Universo, as conclusões devem ser baseadas em conhecimento empírico. Ter uma mente realmente aberta significa forçar nossa imaginação a se conformar com a evidência da realidade, e não o contrário, quer gostemos, quer não das consequências."  -  Lawrence M. Krauss  - Um universo que veio do nada 

A crise da metafísica estende-se por um período na história da filosofia; mais especificamente quando esta disciplina tem os seus princípios criticados e, de uma forma efetiva, colocados em questão. O processo, todavia, não ocorre em curto espaço de tempo e não é causado por um só pensador.
No final do período medieval a filosofia tomista, desenvolvida por Tomás de Aquino (1225-1274) e dominante desde o século XIII até o século XVI, perde sua hegemonia e passa a ser abalada (este o destino de qualquer escola filosófica) em seus diversos aspectos. Um dos primeiros pensadores críticos da filosofia da Baixa Idade Média foi o inglês Roger Bacon (1210-1294). Para este franciscano, são três as fontes do saber: a autoridade, a razão e a experiência. Em suas obras, sempre deu ênfase ao empirismo e à matemática, tendo sido o primeiro pensador ocidental a empregar a expressão “leis da natureza”. John Duns Scotus (1265-1308) foi um dos primeiros críticos especificamente do pensamento tomista. Segundo Scotus as verdades da fé não poderiam ser compreendidas pela razão. Por esse motivo, defendia uma separação entre a filosofia e a teologia. Sua ênfase nos aspectos volitivos da fé contribuem para que gradualmente a razão perca sua força para demonstrar aspectos da religião, isto é, da metafísica. Guilherme de Ockham (1285-1347), discípulo de Scotus, dá o passo seguinte nessa crítica, enfatizando que o conhecimento empírico é superior ao intelectual.
Vemos neste movimento o desenvolvimento do experimentalismo inglês, cujos mais importantes representantes atuavam na Universidade de Oxford. A experiência torna-se cada vez mais importante, abrindo caminho para o empirismo e o enfraquecimento dos diversos conceitos metafísicos. Idéias como "Deus" e "alma", não sendo sensíveis, não poderiam ser cognoscíveis. Da mesma forma que não são experienciáveis as noções de "substância", derivadas da filosofia aristotélica e incorporadas no tomismo.  
No século XV e XVI aumenta a disponibilidade de traduções de textos da Antiguidade grega e romana, popularizando entre a elite letrada autores clássicos da filosofia, como Platão e Aristóteles, e textos de escolas do período do helenístico. Pensadores das escolas atomista, epicurista, cética, cínica, cirenaica e filósofos romanos; todos desconhecidos durante a maior parte da Idade Média, tornaram-se acessíveis aos humanistas da Europa renascentista. Grande parte destas escolas não se ocupava da metafísica, dando mais atenção à ética, à lógica e à física.
Outro aspecto da gradual erosão da metafísica clássica é o surgimento da ciência teórica e do método experimental no século XVI e XVII, com Leonardo da Vinci (1452-1519); Galileu Galilei (1564-1642); Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650), entre seus principais teóricos. Descartes, filósofo francês, foi o introdutor da moderna filosofia (metafísica) e da moderna matemática aplicada aos experimentos científicos. Na Inglaterra, desde o final do século XIV, desenvolve-se uma corrente de pensamento com forte tendência empirista contrária à metafísica, estendendo-se de John Duns Scotus, Guilherme de Ockham, passando por Francis Bacon e Thomas Hobbes (1588-1679) até chegar a John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776).
A metafísica antiga e medieval, desenvolvida por Aristóteles e mantida em grande parte inalterada pelos pensadores da Idade Média, baseava-se no pressuposto de que a realidade existe em si mesma e assim se apresenta ao pensamento, à razão. No século XVII, Descartes reformulou as bases da moderna filosofia e com isso criou a moderna metafísica ou metafísica clássica. Esta estava baseada na ideia de que a mente humana ou razão poderia conhecer a realidade através de raciocínios ou conceitos, que representando as coisas, as transformam em objetos de conhecimento. Em suma, a mente com o uso da razão poderia conhecer a realidade.  Descartes em sua obra Discurso sobre o método, estabeleceu que a razão humana pode apreender a realidade, baseada no fato de que um ser infinito (Deus) garantia a realidade e sua inteligibilidade.
Hume, tendo como base a teoria do conhecimento, argumenta que o pensamento atua fazendo a associação de sensações, percepções e impressões, recebidas pelos sentidos e guardadas na memória. Assim, continua Hume, as idéias nada mais são do que hábitos mentais que operam baseados em associações de impressões semelhantes e sucessivas. A própria noção de causalidade é negada, não passando de um hábito repetido diversas vezes por nossa mente e levando-nos à crença de que há uma causalidade real. 
A crítica de Hume foi devastadora. Com ela perdem valor todos os conceitos da metafísica – Deus, alma, infinito, mundo, céu, perfeição, etc. – já que não passam de constructos mentais e não tendo nenhuma realidade objetiva. As idéias do pensador inglês demoraram algumas décadas para serem amplamente divulgadas entre outros filósofos europeus, mas desde então a metafísica como existia desde os gregos não era mais possível.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao ler o Tratado da Natureza humana de Hume, afirmou que este o havia “despertado do sono dogmático”, isto é, de sua crença inquestionável na metafísica clássica. Com isso dá início a uma crítica da razão teórica, ou seja, um estudo para determinar o que a razão pode ou não efetivamente conhecer. O filósofo realiza uma verdadeira “revolução copernicana” na filosofia, estabelecendo que não é a realidade que determina nossa maneira de pensar, como Hume argumenta, mas que é nossa maneira de pensar que determina a realidade. Através das formas a priori de sensibilidade (aquelas que existem antes da experiência) e dos conceitos a priori do entendimento, Kant demonstra que existem dois tipos de realidade: a) aquela que apreendemos através dos nossos “filtros” apriorísticos, os chamados fenômenos e b) a que é inapreensível à experiência e que Kant chama de noumeno. Sendo este noumeno ou “coisa-em-si o objeto da metafísica, então esta não é possível. Segundo escreve Marilena Chauí sobre este assunto:
A idéia metafísica de um Deus é a idéia de um ser que não pode nos aparecer sob forma de espaço e tempo; de um ser ao qual a categoria de causalidade não se aplica; de um ser que, nunca tendo sido dado a nós, é posto, entretanto, como fundamento e princípio de toda a realidade e de toda a verdade. Assim, a idéia metafísica de Deus escapa de todas as condições de possibilidade do conhecimento humano e, portanto, a metafísica usa ilegitimamente essa idéia para afirma que Deus existe e para dizer o que ele é. Kant emprega uma argumentação semelhante para dois outros objetos da metafísica: a existência da alma ou substância pensante e a discussão da finitude ou infinitude do mundo.” (Chauí, p. 200).  
A partir de Kant a metafísica deixa de ser realista (a realidade pode ser conhecida pelos sentidos) para se tornar idealista, ou seja, “a realidade estruturada pelas idéias produzidas pelo sujeito” (Chauí, p. 201). A escola idealista terá como seu maior representante o filósofo alemão Georg W.F. Hegel (1770-1831) e ao longo do século XIX terá como opositora a escola de pensamento materialista (Karl Marx, Ludwig Feuerbach, Friedrich Nietzsche, entre outros).

Um dos principais aspectos da pós-modernidade é a morte da ideologia ou de qualquer metanarrativa, seja religiosa (cristianismo e sua explicação da história humana) ou política (o marxismo que pretendia estabelecer uma sociedade comunista). Os acontecimentos históricos dos últimos 70 anos mostraram à humanidade que a crença em constructos quase metafísicos como “o progresso”, “a humanidade”, “a revolução”, só trouxeram mais sofrimento e destruição ao invés do “paraíso terrestre”. As Guerras, a evolução da tecnologia, e a falência das grandes ideologias políticas, são fatos que ajudaram a formar nossa visão de mundo pós-moderno.
Os pensadores em sua maioria se convenceram de que os sistemas políticos, religiosos e filosóficos não podem mais apresentar uma explicação da realidade nem indicar os caminhos que a humanidade deve seguir. Não se formulam mais sistemas filosóficos; o que sobrou foi a pluralidade de idéias, opiniões e pequenas narrativas, sob a égide do debate democrático. As verdades não existem mais, “só interpretações”, como escreveu Nietzsche.
O pensamento pós-moderno é herdeiro filosófico de Nietzsche e de Heidegger. De Nietzsche o pensamento pós-moderno herdou a crítica a todo tipo de idealismo; filosófico, ideológico e científico. A frase “Deus está morto” sintetiza a falência de todos os fundacionismos e a impossibilidade do pensamento metafísico. Heidegger, em parte herdeiro de Nietzsche, ainda aprofunda mais esta crítica, colocando-a como fato dado. Ernildo Stein filósofo, discípulo e tradutor da obra de Heidegger para o português fala em uma entrevista:
Talvez convenha dizer que Heidegger finalmente, sem nehuma inibição, libertou o ser humano como ser no mundo de qualquer amarra metafísica, deixando como tarefa sua, a instauração da verdade. Heidegger declara que não há verdades absolutas ou literalmente ‘não há verdades eternas’. A verdade só existe porque o ser humano opera com ela” (IHU On-Line, s/d).
E referindo-se especificamente à pós-modernidade:
“Assim como vivemos a chamada pós-modernidade e nela identificamos a fragmentação de toda a unidade entre a ciência, arte e religião, assim temos que reconhecer que, se ainda procuramos razões que não sejam razões da ciência, essas não são mais razões ou fundamentos metafísicos. O pós-metafísico é um mundo sem fundamentos absolutos.(IHU-On-line, s/d – negrito nosso)
Referência
A escolástica pós-tomista. Disponível em:
A superação da metafísica e o fim das verdades eternas. Disponível em:
Chauí, Marilena. Convite à filosofia – 13ª edição. São Paulo. Editora Ática: 2006, 424 p.  
(Imagens: fotografias de Franco Pinna)

Mudanças climáticas: o que nos espera

sábado, 14 de dezembro de 2013
"Quando pensamos no imenso caminho percorrido pela evolução desde talvez três bilhões de anos, na prodigiosa riqueza das estruturas que ela criou, na miraculosa eficiência das performances dos seres vivos, da bactéria ao homem, podemo-nos surpreender a duvidar de que tudo isso seja o produto de uma enorme teoria, tirando ao acaso números entre os quais uma seleção cega designou raros ganhadores."  -  Jacques Monod  -  O acaso e a necessidade

Há um fato que deverá afetar cada vez mais todas as atividades humanas: o fenômeno das mudanças climáticas. Estas alterações no clima, das quais já se fala desde o final dos anos 1980 e mais enfaticamente desde meados da década passada, terão influência principalmente sobre a economia. Apesar de não se saber ainda exatamente o quanto as emissões de gases provocadas por nossas atividades influenciam a temperatura da Terra e com isso o clima, já existe uma certeza muito grande de que nossa civilização tem sua parcela de culpa. O mais recente relatório preparado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em final de setembro, traz informações mais exatas e aprofundadas sobre como a humanidade está alterando o clima e com isso interferindo com os ecossistemas terrestres.
O blog da revista americana Scientific American apresenta um artigo que aborda alguns aspectos do novo relatório do IPCC. O texto, assinado pelo editor da revista, Mark Fischetti, diz resumidamente em sua introdução que ocorrerá um aumento global das temperaturas do planeta e uma elevação do nível dos oceanos. Estes são apenas os dois aspectos principais do que ocorrerá; apresentando mais detalhes, o autor chama a atenção para as demais consequências do fenômeno.
Temperatura. Caso ocorram esforços para reduzir drasticamente as emissões de CO² (dióxido de carbono, um dos principais gases causadores das mudanças climáticas) o aumento da temperatura da atmosfera terrestre poderá ser menor que 2º Celsius até 2100, comparados com medições realizadas entre 1986 e 2005. Caso os países continuem emitindo gases no ritmo atual, a temperatura média neste período poderá se elevar em até mais 4,8º C. A variação pode não parecer drástica, mas cientistas afirmam que já uma elevação média de mais 3º C poderá ter consequências catastróficas na agricultura, na disponibilidade de água e, no caso do Brasil, na geração de eletricidade.
Nível do mar. Neste cenário descrito acima, o nível do mar poderá aumentar entre 26 cm e 98 cm. Mesmo uma elevação intermediária de 50 cm já colocará em risco muitas ilhas e provocará danos consideráveis - além de deslocamento de populações para áreas mais altas - em dezenas de cidades em todo o mundo.
Furacões. Deverá aumentar a intensidade dos ciclones que anualmente assolam a região do Caribe, a América Central e região Sul dos Estados Unidos, além de fenômenos semelhantes em outras regiões do globo. Poderão se tornar mais constantes os ciclones no Atlântico Sul, afetando principalmente o litoral dos estados da região Sul, segundo cientistas.

As consequências destes acontecimentos ainda são incalculáveis já que imprevisíveis, apesar de prováveis. Os governos, as grandes empresas e outras instituições de importância já conhecem o problema e sabem que certos acontecimentos são inevitáveis. O que a humanidade pode fazer para diminuir o impacto dos fenômenos climáticos é prepara-se com obras de infraestrutura, além de desenvolver e aplicar tecnologias que provoquem menos emissões de gases poluentes. No caso do Brasil o país deveria reduzir mais ainda o desflorestamento da Amazônia e do Cerrado, diminuir as emissões provocadas pelo setor agropecuário, investir na matriz energética renovável e reduzir a poluição nas grandes cidades.
(Imagens: fotografias de Roman Vishniac)  

Black friday: o consumidor é vítima mais uma vez

sábado, 7 de dezembro de 2013
"Isso gera um quebra-cabeça extraordinário. No registro fóssil nada vemos, salvo micróbios, durante os primeiros 3,5 bilhões de anos da história da Terra. Então, de repente, no espaço de talvez 40 milhões de anos, aparecem todos os tipos de corpos: corpos de plantas, de fungos, de animais; corpos por todo lado."  -  Neil Shubin  -  A história de quando éramos peixes

O Brasil possui atualmente cerca de 100 milhões de consumidores de classe média – pelo menos é o que o governo anuncia e muitas agências de propaganda “chapa branca” repetem obedientemente. Este consumidor, no entanto, não pode ser comparado ao cidadão de classe média americano ou europeu, cujo poder aquisitivo, mesmo nas camadas mais baixas, é cerca de cinco vezes maior. Além do salário médio nos Estados Unidos e na Europa ser mais alto do que o brasileiro, lá o poder de compra do dinheiro é maior do que no Brasil.
Por aqui, além da alta carga tributária que incide sobre as mercadorias, o preço de fábrica do produto também é mais alto. Não é por outra razão que o Brasil é um dos mais lucrativos mercados para a indústria automobilística, a indústria de eletro-eletrônicos e bens de consumo em geral. Até serviços e produtos alimentícios são, muitas vezes, mais caros do que no exterior. O País é assim um dos mais promissores mercados para todo tipo de produto, já que reúne uma imensa massa de consumidores que, privados desse direito durante a maior parte de suas vidas, estão prontos a comprar qualquer novidade – mesmo a custa de sacrifícios. Por outro lado o governo, através de diversos artifícios fiscais, fez do consumo um dos pilares sobre os quais pretendeu apoiar o desenvolvimento. Pena que até agora tenha esquecido de que a produção e o consumo são atividades que não podem prescindir de cidadãos instruídos e de infraestrutura – estradas, portos, trens, saneamento, funcionários públicos treinados, menos burocracia e administradores públicos capazes e honestos.
Já que o governo quer apoiar o desenvolvimento econômico e social do país na duvidosa tese do consumismo, é preciso que pelo menos crie condições para que isto ocorra. Ou seja, o Estado deve fazer com que o comércio de produtos e serviços funcione de maneira correta, com justiça. No entanto, é neste aspecto que o sistema apresenta outro entrave, já que não é isto que acontece no Brasil. Além dos preços espoliativos e da baixa qualidade dos serviços (telefonia, internet, bancos, planos privados de saúde, transporte aéreo, eletricidade, entre outros) e produtos, os consumidores continuam com pouca proteção. Se o comerciante tem vários mecanismos para se proteger, o consumidor conta apenas com as agências governamentais; em grande parte manipuladas politicamente, cujos cargos servem de moeda de troca para quem está no governo. Basta lembrar a indolência das agências reguladoras em controlar e punir empresas e oligopólios que dominam a economia brasileira e não entregam pelo que foram pagos.  

Este tipo de situação atinge seu auge, mostrando claramente como funciona o comércio no Brasil, em datas como o “black friday”. Imitação tupiniquim de um grande evento de consumo que ocorre nos Estados Unidos, a “corrida às compras” por aqui se transformou em mais uma oportunidade de fazer o desprotegido consumidor de otário. A tática de aumentar os preços semanas antes, para depois baixá-los a título de liquidação, tão criticada em 2012, foi novamente prática corrente de grandes e pequenos comerciantes. A situação é tão vergonhosa para o comércio no Brasil, que foi até motivo de crítica e piada no exterior. Mas, pelo menos em uma coisa estamos inovando: somos o único país cujo comércio faz a promoção “Tudo pela metade do dobro”!   
(Imagens: fotografias de Ansel Adams)