"Isso gera um quebra-cabeça extraordinário. No registro fóssil nada vemos, salvo micróbios, durante os primeiros 3,5 bilhões de anos da história da Terra. Então, de repente, no espaço de talvez 40 milhões de anos, aparecem todos os tipos de corpos: corpos de plantas, de fungos, de animais; corpos por todo lado." - Neil Shubin - A história de quando éramos peixes
O Brasil possui atualmente cerca de 100 milhões de
consumidores de classe média – pelo menos é o que o governo anuncia e muitas
agências de propaganda “chapa branca” repetem obedientemente. Este consumidor, no
entanto, não pode ser comparado ao cidadão de classe média americano ou europeu,
cujo poder aquisitivo, mesmo nas camadas mais baixas, é cerca de cinco vezes
maior. Além do salário médio nos Estados Unidos e na Europa ser mais alto do
que o brasileiro, lá o poder de compra do dinheiro é maior do que no Brasil.
Por aqui, além da alta carga tributária que incide sobre as
mercadorias, o preço de fábrica do produto também é mais alto. Não é por outra
razão que o Brasil é um dos mais lucrativos mercados para a indústria
automobilística, a indústria de eletro-eletrônicos e bens de consumo em geral.
Até serviços e produtos alimentícios são, muitas vezes, mais caros do que no
exterior. O País é assim um dos mais promissores mercados para todo tipo de
produto, já que reúne uma imensa massa de consumidores que, privados desse
direito durante a maior parte de suas vidas, estão prontos a comprar qualquer
novidade – mesmo a custa de sacrifícios. Por outro lado o governo, através de
diversos artifícios fiscais, fez do consumo um dos pilares sobre os quais pretendeu
apoiar o desenvolvimento. Pena que até agora tenha esquecido de que a produção
e o consumo são atividades que não podem prescindir de cidadãos instruídos e de
infraestrutura – estradas, portos, trens, saneamento, funcionários públicos
treinados, menos burocracia e administradores públicos capazes e honestos.
Já que o governo quer apoiar o desenvolvimento econômico e
social do país na duvidosa tese do consumismo, é preciso que pelo menos crie
condições para que isto ocorra. Ou seja, o Estado deve fazer com que o comércio
de produtos e serviços funcione de maneira correta, com justiça. No entanto, é
neste aspecto que o sistema apresenta outro entrave, já que não é isto que
acontece no Brasil. Além dos preços espoliativos e da baixa qualidade dos
serviços (telefonia, internet, bancos, planos privados de saúde, transporte
aéreo, eletricidade, entre outros) e produtos, os consumidores continuam com
pouca proteção. Se o comerciante tem vários mecanismos para se proteger, o
consumidor conta apenas com as agências governamentais; em grande parte
manipuladas politicamente, cujos cargos servem de moeda de troca para quem está
no governo. Basta lembrar a indolência das agências reguladoras em controlar e
punir empresas e oligopólios que dominam a economia brasileira e não entregam
pelo que foram pagos.
Este tipo de situação atinge seu auge, mostrando claramente
como funciona o comércio no Brasil, em datas como o “black friday”. Imitação
tupiniquim de um grande evento de consumo que ocorre nos Estados Unidos, a
“corrida às compras” por aqui se transformou em mais uma oportunidade de fazer
o desprotegido consumidor de otário. A tática de aumentar os preços semanas
antes, para depois baixá-los a título de liquidação, tão criticada em 2012, foi
novamente prática corrente de grandes e pequenos comerciantes. A situação é tão
vergonhosa para o comércio no Brasil, que foi até motivo de crítica e piada no
exterior. Mas, pelo menos em uma coisa estamos inovando: somos o único país cujo
comércio faz a promoção “Tudo pela metade do dobro”!
(Imagens: fotografias de Ansel Adams)
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