A questão do meme

sábado, 29 de julho de 2017

meme
(inglês meme, redução do grego mimema - atos, imitação, cópia)

Substantivo masculino
1. Imagem, informação ou ideia que se espalha rapidamente através da internet, correspondendo geralmente à reutilização ou alteração humorística ou satírica de uma imagem.
2. Ideia ou comportamento que passa de uma geração para outra, geralmente por imitação

"meme", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013,
(https://www.priberam.pt.dlpo/meme). Consulta em 2/7/2017

Meme é um termo criado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller "O Gene Egoísta" e é para a memória o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima. É considerado como uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros). No que diz respeito à sua funcionalidade, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida como unidade autônoma. O estudo dos modelos evolutivos de transferência de informação é conhecido como memética. (Wikipédia em consulta de 2/7/2017)


Se todos os nossos pensamentos são memes que herdamos ou recebemos socialmente, o que na realidade sobra como sendo pensamento efetivamente nosso?
Qual é o substrato em que se desenvolve o meme na mente humana? Como e por que ele se desenvolve na mente humana? Haverá memes que se atraem e outros que se repelem, como polos diferentes de um ímã?

É possível construir teorias culturais a partir de certos memes (religiões, práticas sociais, culturais em geral)?

E as emoções e os sentimentos, como é que estes interagem com o meme? Qual a diferença entre nossas elaborações mentais e o meme?

Convêm analisar os seguintes aspectos:
a) definir o que é meme;
b) Como atua o meme;
c) Como o meme interage com nossos pensamentos e como separá-lo deles?;
d) Qual a função evolutiva do meme?;

Em todo caso cabe analisar o que efetivamente é o meme, não esquecendo que o meme não existe por si; o meme foi criado em alguma mente. Sendo assim é produto de ideias que elaboraram o meme em determinado ambiente cultural.
(Imagens: pinturas de Camille Pissarro)

Efluentes domésticos e reuso de água no Brasil

sábado, 22 de julho de 2017
"O controle das coisas não é a supressão delas, mas seu uso de um modo sensato e adequado. E isso não penetrou na consciência de nossas autoridades." (Allan Watts referindo-se às drogas em Cultura da Contracultura)

O Brasil é um dos países da América Latina com o menor índice de tratamento de esgoto. Cerca de 55% dos efluentes domésticos são coletados, dos quais efetivamente 40% são tratados (dados de 2014). Os principais aspectos no baixo índice de coleta e tratamento de esgotos domésticos está relacionado aos seguintes principais fatores:

a) Aspectos históricos
O tratamento e a coleta de esgotos não fazem parte da história do Brasil. Durante o processo de colonização e até o início da industrialização, no final do século XIX, a maior parte das cidades populosas situava-se à beira mar ou rio (Belém, São Luiz, Recife, Salvador, Rio de Janeiro) e os esgotos eram descarregados diretamente nas águas, sem tratamento (o que em parte ainda ocorre atualmente). Com a industrialização e a movimentação de grandes contingentes populacionais para os grandes centros urbanos, que surgiu a real necessidade de implantar sistemas de tratamento de esgoto. As grande obras de saneamento só foram iniciadas durante os anos 1970, quando o governo militar deu início a projetos de longa duração (construção de rodovias, hidrelétricas e estações de tratamento de esgoto).

b) Aspectos político-administrativos
A tradição política e a administração pública no Brasil sempre teve objetivos imediatos; projetos de alto impacto  e de  curta duração, que pudessem ser implantados durante uma administração (quatro anos) municipal ou estadual. Projetos de longo prazo eram raros. Obras de saneamento geralmente requerem prazos mais longos. Por isso, geralmente quando se falava em saneamento, queria se dizer tratamento de água. É impossível abrir novos bairros ou loteamentos sem disponibilidade de água. No entanto, para o esgoto haviam as fossas céticas e a descarga dos efluentes em rios e no mar. Existe também o aspecto de que obras de saneamento, principalmente o tratamento de esgoto, têm custo elevado e não têm impacto político alto. Ficou famoso o bordão de gerações de políticos brasileiros: "Obra enterrada não traz votos!".


A Lei da Concessões (1995) permitiu que investidores privados pudessem atuar em serviços públicos (energia, saneamento, transporte), através do investimentos em projetos e posterior exploração dos serviços. A lei abriu uma série de oportunidades, mas aspectos legais ainda impedem que o setor se desenvolva plenamente.

c) Aspectos econômico-financeiros
Não haviam fontes constantes de financiamento para a construção de grandes obras. Os grandes projetos de saneamento nas regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre) tiveram início nos anos 1990, quando fundos internacionais - como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o alemão KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau) e o japonês JICA (Japan International Cooperation Agency) - estiveram disponíveis para, junto com a contrapartida nacional (fundos estaduais e federais), financiarem grandes obras de saneamento.

À mesma época, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a iniciativa privada - através de projetos BOT (build, operate & transfer) e PPP (parceria público-privada) - também passaram a investir em obras de saneamento. Cidades como Americana, Ribeirão Preto e Jundiaí, transferiram seus serviços de saneamento para o setor privado.  
  
Não existem fatores que impeçam o reuso de efluentes tratados no Brasil. Afora a legislação que estabelece determinados padrões de qualidade da água a ser reutilizada - equivalentes aos internacionais - não há impedimentos no reuso do líquido. O que ocorre é que até o momento são poucas as iniciativas para a reutilização de efluentes, principalmente em grande escala. Empresas privadas, dependendo de sua área de atuação já reutilizam seus efluentes no processo produtivo. No setor público o maior projeto nesta área no Brasil é o de reaproveitamento de efluentes na região de Capuava, na grande São Paulo. O projeto é uma parceria entre a SABESP (companhia estatal de saneamento do estado de São Paulo) e a construtora Odebrecht, reciclando 395 milhões de litros de efluentes domésticos por mês.

A reutilização de água para outros fins ainda é ideia recente no Brasil, já que os custos da água eram relativamente baixos. A indústria e a agricultura até há pouco nada pagavam pelo uso da água de rios e lagos - a lei de pagamento do uso da água é de 1997 e ainda está em fase de implantação pelos Comitês de Bacias Hidrográficas. As estiagens de 2000/2001 e 2014/2015 aumentaram a conscientização em relação à água e forçaram um maior número de empresas a implantarem medidas de reuso e uso eficiente de água/efluentes.

De acordo com especialistas, alguns fatores que influenciariam o desenvolvimento deste mercado, seriam:
- Não existem impedimento legais/técnicos para reuso de efluentes, afora normas referentes aos padrões de qualidade da água. O maior impedimento continua sendo a relativa facilidade de se obter água limpa a custo razoável, em comparação ao custo da água de reuso;
- O mercado demanda tecnologias que barateassem o custo de tratamento de água de reuso;
- Dependendo da destinação a ser dada a água de reuso, existe a prevenção em relação à origem do líquido. Um projeto recente da SABESP, utilizando água de reuso para consumo humano - cujo equivalente existe na Califórnia, nos EUA - teve que sofrer alterações, dada a resistência da população. Neste caso, uma campanha de divulgação e esclarecimento pudesse trazer mudança de mentalidade na opinião pública. (Cabe ressaltar que quase todos os rios e lagos cujas águas são usadas para tratamento e posterior consumo humano recebem cargas de efluentes domésticos sem tratamento - caso da represa Guarapiranga e do rio Piracicaba, por exemplo);
- Financiamento de projetos públicos e privados de reuso de água/efluentes, desde que tivessem relevância para divulgar o conceito;
- Incentivos fiscais e isenção de taxas para projetos.
(Imagens: pinturas de Peter Huntoon)

Horácio

sábado, 15 de julho de 2017

(Publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)

Quinto Horácio Flaco (em latim Quintus Horatius Flaccus), ou simplesmente Horácio (65 a.C. - 8 a.C.) foi poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. Filho de um escravo liberto que se tornou rico, Horácio teve uma educação primorosa, estudando em Roma e Atenas. Com a morte do pai perdeu a fortuna e começou a trabalhar como escriturário. A amizade com o poeta Virgílio (autor do poema épico sobre a fundação de Roma Eneida) fez com que conhecesse o rico Mecenas, cidadão romano protetor das artes e dos artistas. Além de escritor e poeta, Horácio também se envolveu na política de seu tempo, apoiando o imperador Augusto (63 a.C. - 14 d.C.). Foi seguidor da filosofia epicurista (do filósofo grego Epicuro - 341 a.C. - 270 a.C.) e muitas de suas obras refletem esta influência. Horácio foi autor de sátiras, odes, epístolas e epodos. Do poeta escolhemos a famosa Ode a Leucónoe, na qual o último verso tem a famosa expressão latina carpe diem, aproveita o dia:

Tu não perguntes ( é-nos proibido pelos deuses saber) que fim a mim, a ti,
os deuses deram, Leucónoe, nem ensaies cálculos babilónicos.
Como é melhor suportar o que quer que o futuro reserve,
quer Júpiter muitos invernos nos tenha concedido, quer um último,

este que agora o Tirreno mar quebranta ante os rochedos que se lhe opõem.
Sê sensata, decanta o vinho, e faz de uma longa esperança 
um breve momento. Enquanto falamos, já invejoso terá fugido o tempo:
colhe cada dia, confiando o menos possível no amanhã.

(Versão de Pedro Braga Falcão, publicado no blog Vício da poesia - 
https://viciodapoesia.com/2013/02/03/carpe-diem-odes-livro-1-11-dehoracio-no-500o-artigo-do-blog/)
(Imagem: pintura de De Chirico retratando o poeta Horácio)

Nos Estados Unidos empresas salvam Acordo do Clima

sábado, 8 de julho de 2017
"Já, abanando a cabeça, suspira mais frequentemente o lavrador de idade, ao ver que foi em vão todo o seu trabalho; e, ao comparar os tempos presentes  com os tempos passados, louva muitas vezes a sorte de seu pai."   -   Lucrécio   -   Da Natureza 

Durante a campanha presidencial, o depois eleito presidente Donald Trump já havia anunciado que tiraria os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris. Outra parte de sua estratégia era reduzir ou eliminar programas de redução de emissões de gases e de incremento no uso das energias renováveis, implantados no governo de Barack Obama. Negando a existência das mudanças climáticas e do aquecimento global, Trump canalizou a raiva de setores do eleitorado americano, provocada pelo aumento das desigualdades sociais nos últimos vinte anos.

Assuntos como o do uso das energias renováveis e da redução das emissões de carbono através da diminuição ou substituição do consumo de derivados de petróleo, tornaram-se na estratégia de Trump temas das agendas das elites. As mesmas elites políticas, econômicas e culturais, que colocaram parte da população americana - o potencial eleitorado do candidato - na situação de decadência social e econômica em que se encontram. Assim, não é surpresa que Trump em sua campanha eleitoral tenha dito de que a ideia das mudanças climáticas fora criada pela China, para prejudicar a economia americana.

Logo depois da posse, o agora presidente Trump coloca em prática medidas que vão contra toda a política de redução de emissões iniciada por Obama. Reduz recursos federais para projetos de incentivo ao uso do biogás, abre novas frentes para a exploração de petróleo e gás em áreas federais, corta pela metade o orçamento previsto para novos investimentos em eficiência energética e abre uma linha de incentivos para a combalida e ultrapassada indústria do carvão. Cumprindo sua promessa eleitoral, Trump oficializou a saída dos Estados Unidos do Acordo Climático Mundial. Tudo baseado no argumento de que a excessiva preocupação com o meio ambiente é um impedimento à atividade econômica e à geração de empregos. O mesmo discurso antiquado e enganoso - o objetivo real é manter o lucro de empresas poluentes - que foi e ainda é utilizado no Brasil, e que aqui está por trás de iniciativas como a diminuição das áreas de conservação florestal e da flexibilização do licenciamento ambiental.  

Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o ex-secretário de Energia do governo Obama, o físico e professor Ernest Moniz, afirmou que as empresas americanas serão as garantidoras do Acordo de Paris e não farão coro às iniciativas desastradas do governo Trump. "Os presidentes das grandes empresas pensam a longo prazo e sabem das oportunidades bilionárias da economia de baixo carbono". Cerca de mil grandes empresas americanas, segundo Moniz, já declararam que manterão suas metas de eficiência energética e redução de emissões. A tendência, portanto, é que mesmo sem o apoio do governo americano, os objetivos de redução continuarão sendo perseguidos pelas empresas.

Enquanto os Estados Unidos regridem em suas metas de redução, a China aumenta investimentos em tecnologias limpas e começa a ocupar o vácuo deixado pelos americanos, aliando-se às estratégia dos países europeus. O carvão já atingiu o seu pico de uso na China e cada vez mais o país direciona seus imensos investimentos em energia para tecnologias mais sustentáveis. A Índia parece que também planeja trilhar o mesmo caminho, apesar de ainda dispor de grande números de termelétricas a carvão.

O Brasil, por sua vez, permanece, como sempre, no discurso. Apesar de ter assinado o Acordo sobre o Clima, o governo pouco ou nada fez para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, ao contrário. Através de uma série de medidas o governo diminuiu áreas de proteção florestal e reduziu as verbas para o ministério do Meio Ambiente. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) avança lentamente e não está atendendo a um de seus principais objetivos: evitar o desmatamento. Por falar nisso, aumentou a derrubada da floresta na Amazônia e na Mata Atlântica ao longo dos últimos dezoito meses. Culpados por este aumento da destruição dos dois biomas são, segundo especialistas, as lacunas legais do novo Código Florestal e a falta de apoio aos órgãos controladores. A implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que devia ter ocorrido a partir de 2014 sendo postergada para 2018, também avança lentamente. A maior parte dos municípios sequer elaborou seu Plano de Gestão de Resíduos. Nenhuma cidade brasileira tem um sistema de controle de emissões veiculares implantado - o da cidade de São Paulo foi suspenso por acusações de corrupção nas licitações, como de praxe. Ainda quanto a isso, o ministério do Meio Ambiente planeja implantar um sistema de controle veicular federal, mas sabe-se lá quando isso ocorrerá efetivamente.

Não adianta, portanto, jogarmos pedras no telhado dos americanos, já que nosso telhado também é de vidro. Na realidade o Brasil está fazendo muito pouco para reduzir suas emissões. Na forma como o processo é conduzido, um governo está passando a responsabilidade de implantar medidas para o próximo, e assim vamos caminhando. Impera ainda aquela mentalidade do "no final, dá-se um jeito". 
(Imagens: pinturas de Alfred Sisley)

Gestão de resíduos e incineração

sábado, 1 de julho de 2017
"Afinal, as formigas estão entre os animais de pequeno porte mais predominantes no planeta. Na floresta amazônica, onde já foram feitas medições desse fenômeno, elas formam a terça parte do peso seco total dos insetos, e, com os cupins, mais do que a quarta parte do peso seco total de todos os animais, somando-se vertebrados e invertebrados."  -  Edward O. Wilson  -   A Criação  -  Como salvar a vida na Terra

Introdução
O Brasil é um dos maiores geradores mundiais de resíduos domésticos, industriais e hospitalares. Os 205 milhões de brasileiros (2015) aumentaram a geração de resíduos nos últimos dez anos, devido a políticas públicas que colocaram milhões de pessoas no mercado consumidor. Aumentaram os consumidores e a geração de resíduos em poucos anos, mas a infraestrutura de gestão permaneceu quase a mesma. Assim, diferentemente dos países desenvolvidos, a geração de resíduos no Brasil está aumentando, tanto em números absolutos quanto per capita, em percentuais muito acima aos do crescimento populacional.

O aumento da geração de resíduos urbanos faz crescerem as emissões de gases de efeito estufa (cerca de 5% do total das emissões do país), já que grande parte (cerca de 50%) do lixo é constituído por resíduos orgânicos, que é consumido por bactérias que emitem metano (CH4). Grande parte das cidades do país ainda não possui aterros sanitários, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde parte do lixo também não é coletado. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), marco legal do setor, teve sua implantação postergada por falta de recursos nos municípios. Desta forma, o setor de gestão de resíduos, incluindo os hospitalares e industriais, avança lentamente no momento. Além disso, existe a contribuição da crise econômica, que tem postergado a maior parte dos investimentos, tanto no setor público quanto no privado.  

Gestão de resíduos no Brasil
O Brasil gerou em 2014 cerca de 78,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, dos quais 90,6% foram coletados. Destes, 58,4% foram destinados a aterros sanitários e o restante depositado em aterros controlados e lixões¹. O lixo brasileiro é composto basicamente em 53% por material orgânico; 25% papel e papelão; 3% de plástico; 2% de metais; 2% de vidro e 15% por rejeitos.

Os municípios brasileiros são distribuídos da seguinte maneira em relação ao número de habitantes (2008):
Municípios pequenos    -    menos de 100 mil habitantes      -    5.299 municípios
Municípios médios        -    entre 100 mil e um milhão hab.   -       252 municípios
Municípios grandes       -    mais de um milhão de hab.         -        14 municípios ²

Destas cidades, 65% (3.600) têm alguma iniciativa de reciclagem; geralmente projetos pontuais de pequena abrangência. Cerca de 1.000 municípios dispõem de projetos de reciclagem de maior tamanho, incluindo bairros de uma mesma cidade (CEMPRE). Em relação ao volume, cerca de 8% do lixo brasileiro coletado é reciclado. Deste material reciclado 39% são compostos por papel/papelão; 16% por metais ferrosos; 15% vidro; 7% plástico firme; 2% embalagens longa vida; 1% alumínio e 8% de material diverso ³.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi o instrumento legal criado pelo Estado para encaminhar a solução para a gestão de resíduos no Brasil. A lei foi aprovada pelo Congresso em agosto de 2010 e deveria entrar em vigência em agosto de 2014. No entanto, a falta de recursos financeiros para obras públicas e de técnicos para elaborar os planos de gestão de resíduos dos municípios, fez com que o Congresso postergasse a implantação da lei para 2018. Mesmo assim, o setor privado já está firmando acordos setoriais com o Ministério do Meio Ambiente, implantando políticas de logística reversa. 

Até o final de 2015 os seguintes setores industriais deram início a projetos de reciclagem:
- Embalagens plásticas e óleos lubrificantes;
- Lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio, mercúrio e de luz mista;
- Embalagens em geral;
- Resíduos de medicamentos e suas embalagens;
- Pneus e câmaras;
- Embalagens de agrotóxicos e óleos lubrificantes usados e contaminados;
- Pilhas e baterias elétricas 4   

O Brasil gera 264,8 mil toneladas de resíduo hospitalar e clínico por ano. Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza pública (ABRELPE), apenas 14% das prefeituras informam tratar o lixo hospitalar de forma adequada. Nas cidades onde esta coleta acontece de forma correta, cerca de 85% dos resíduos são recolhidos por empresas privadas, contratadas pelos hospitais ou pela prefeituras, e lançados em aterros sanitários ou incinerados (44,5%) ¹. Uma parte considerável dos resíduos hospitalares é processada em autoclaves, muitas delas disponíveis nos próprios hospitais.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Tratamento, Recuperação e Disposição de Resíduos Especiais (ABETRE), são gerados 2,9 milhões de toneladas de resíduos sólidos perigosos por ano, mas só cerca de 500 mil toneladas, segundo a própria associação, são dispostas de modo correto. Do resíduo industrial 18% são incinerados, o restante é: a) armazenado nas instalações do próprio gerador; b) encaminhado a um aterro industrial para produtos perigoso; c) queimado através do coprocessamento, em fornos de fabricação de cimento.

Incineração e incineradores  
Ainda não existem unidades de incineração de lixo em funcionamento no Brasil. Apesar dos estudos e projetos em fase de análise, como no caso do município de Maringá (PR), os custos para implantação de tais unidades ainda são bastante proibitivos, mais ainda em épocas de crise econômica. Apesar de ser uma prática relativamente comum na Europa e Estados Unidos, no Brasil os impedimentos ainda são diversos, dentre os quais: a) falta de uma política de gestão de resíduos efetivamente implantada nos municípios; b) falta de dados sobre os volumes disponíveis para incineração; e c) relativo conflito da incineração com a PNRS.

Foi somente em 2017 que se começou a construção da primeira usina de geração de energia a partir do lixo no município de Barueri (SP), que deverá queimar lixo doméstico e gerar cerca de 18 MW. Mesmo assim, do processo ainda sobram cinzas, que precisam ser destinadas a um aterro sanitário. A incineração de lixo ainda é vista com suspeita, já que caso o sistema não utilize tecnologias avançadas (e por isso muito caras), não há garantia de que o processo não libere quantidades mínimas de furanos e dioxinas, substâncias altamente cancerígenas.

Outra barreira na implantação de tais projetos é a desconfiança de parte da população em relação à efetividade do controle dos órgãos ambientais, sobre o funcionamento de tais unidades de incineração. Além disso, há dificuldade na implantação de tais projetos nas prefeituras, já que ainda não existe um quadro legal bastante claro com relação às Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de gestão de resíduos. Se tais projetos só podem ser implantados com o aporte de tecnologia e financiamento do capital privado, é preciso que tais parcerias entre o setor público e o privado estejam bem fundamentadas. Ainda está na memória de muitos técnicos e administradores públicos a mal sucedida tentativa de se implantar a incineração dos resíduos domésticos em vários municípios no início dos anos 1990.

Os custos para instalação destes equipamentos são altos para a maior parte das cidades, além do fato de que estas comunidades não são capazes de gerar volume suficiente de material, destinado à incineração. Neste caso, segundo especialistas, a melhor solução é que vários municípios formem um consórcio – como acontece em muitos países da Europa – e direcionem os rejeitos de todos os municípios participantes da iniciativa para a unidade de queima. Mesmo assim, tais equipamentos, caso instalados, não podem ser colocados em regiões turísticas, áreas de proteção de mananciais, áreas florestais sob proteção e, principalmente, em regiões de vale ladeadas por montanhas. O ideal é que os incineradores sejam instalados em áreas já ocupadas por atividade industrial. 

Segundo alguns analistas, a tendência é que apenas pequenas parcelas do lixo urbano no Brasil sejam incineradas, já que em sua idealização a PNRS dá prioridade às iniciativas de recuperação e reciclagem de resíduos, apoiada em políticas de valorização dos “catadores” – indivíduos que tiram seu sustento da venda dos materiais recicláveis. Essa posição não é unânime no país e é provável que quando de sua implantação (2018) ainda surjam mudanças. A ideia é transformar os “catadores” em empresários ou cooperados, atuando no setor de resíduos, e não mantê-los na posição de elo mais fraco da cadeia.
A geração de energia a partir do metano de grandes aterros sanitários, já ocorre há pelo menos há dez anos. Trata-se da extração e queima do metano (CH4) por turbinas termelétricas. O potencial ainda é limitado, já que apenas seis regiões metropolitanas no Brasil têm volume de lixo suficiente para implantação de unidades de geração de energia. No momento o potencial é de 2,4 GW, com capacidade de geração de 14.400 GWh, o que representa 1,85% da matriz nacional 5

O aspecto mais importante na questão da incineração e eventual geração de energia a partir do lixo, segundo muitos especialistas, é não criar apenas uma necessidade tecnológica artificial (que sempre beneficia alguém), quando existem outras soluções mais econômicas e seguras disponíveis. Por experiências passadas sabemos que é preciso cuidado com repentinas "urgências" na implantação de novas tecnologias ambientais - principalmente na gestão de resíduos, envolvendo altos investimentos. Casos anteriores mostraram que sem estudos prévios, implantação de um projeto e comprometimento de todos os envolvidos, pode-se muitas vezes jogar muito dinheiro público no lixo.   
                                                                                  
Referências
(Imagens: Fotografias de Ugo Mulas)