Desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil

sábado, 7 de junho de 2014
"Foi dada a eles a escolha de se tornarem reis ou mensageiros de reis. Com a ingenuidade das crianças, todos escolheram ser mensageiros. Eis por que só existem mensageiros, que correm pelo mundo e, como não há mais reis, gritam uns para os outros mensagens que não têm mais sentido."  -  Franz Kafka  -  28 Desaforismos

Em um de seus textos, o antropólogo Otávio Velho (1924) aborda o processo da globalização e seu impacto no estudo da antropologia. Aspecto importante discutido no texto é a questão do pentecostalismo aliado à globalização. Velho coloca o crescimento das religiões pentecostais como um dos aspectos da cultura atual, junto com a globalização da economia, da cultura de massa e das comunicações.
A primeira igreja pentecostal estabelecida no Brasil foi a Congregação Cristã do Brasil, fundada em São Paulo em 1910. Em 1911 estabeleceu-se a Assembléia de Deus, começando sua atividade missionária nas regiões Norte e Nordeste. A Igreja do Evangelho Quadrangular começou suas pregações em 1951. Todas estas igrejas tiveram sua origem nos Estados Unidos, sendo que outras, como a igreja “O Brasil para Cristo” e “Deus é Amor” representam dissidências brasileiras destas igrejas antes mencionadas.
O grande crescimento dos movimentos pentecostais no Brasil está associado a alguns fatores econômicos e sócio-culturais, dentre os quais os principais são:
- A migração interna, provocada pela procura de melhores condições de vida por populações do Nordeste. Com o desenvolvimento da indústria e o crescimento das cidades no Sudeste, principalmente em São Paulo a partir da década de 1950, são criados muitos postos de trabalho na indústria e na construção civil. A população de migrantes, vinda de uma cultura agrária, ficou desenraizada de suas origens culturais. O contato com a igreja católica torna-se mais raro, já que nas grandes cidades a presença da igreja não era mais hegemônica. Todavia, os pastores pentecostais tinham grande mobilidade, estabelecendo centros de culto na periferia, região usualmente de população de origem migrante. Nestes centros de culto pentecostal os recém-chegados encontram um ambiente de convivência, uma comunidade, muitas vezes formada por outros migrantes.

- O desenvolvimento dos meios de comunicação também contribuiu para a difusão do pentecostalismo. A partir da década de 1940 o rádio torna-se mais acessível aos consumidores e muitas igrejas utilizam-se do veículo para transmitir suas mensagens. O mesmo acontece com a TV a partir da década de 1970 e 1980, quando o equipamento se torna um sonho de consumo para o grande público e as igrejas passam a comprar horários para transmitir suas mensagens em diversos canais.
- O apelo à manifestação espontânea na igreja pentecostal é maior do que na igreja católica tradicional. A participação dos fiéis, através de cantos, orações, testemunhos, “manifestações do Espírito Santo” e sermões, é diferente do culto católico onde a missa está centrada no oficiante e os fiéis tinham pouca participação.
- A posição política conservadora das igrejas pentecostais sempre foi vista com bons olhos pelos regimes militares. Durante o final da guerra fria, no governo Reagan, os Estados Unidos destinaram apoio financeiro a diversas igrejas pentecostais na América Latina. Este apoio tinha como base o fato de que os pentecostais eram nitidamente anticomunistas e pró capitalistas. A ala progressista da igreja católica, por outro lado, era crítica à política externa dos EUA, à ditadura militar e ao “capitalismo de rapina” instituído no país.
O movimento pentecostal também pode ser avaliado como um dos aspectos culturais da globalização – se admitirmos que a globalização seja um processo de longa duração histórica. Iniciou-se no século XIX, quando o capitalismo se desenvolvia rapidamente nos EUA causando várias mudanças na sociedade americana. Dos cultos tradicionais, como o presbiteriano e o batista, desenvolvem-se correntes dissidentes, formando outras igrejas. Na mesma época aparece o movimento adventista e o Testemunhas de Jeová. Toda esta efervescência religiosa ultrapassa as fronteiras americanas e atinge também os países da América Central e do Sul, entre os quais o Brasil.
Certos autores imputam o crescimento do pentecostalismo no Brasil também à maneira de atuar da igreja católica, pelo menos até os anos 1960. O teólogo protestante americano Richard Niebuhr (1894-1952), comenta aspectos dessa atuação da seguinte maneira: “A grande traição da Igreja (católica) como instituição consiste em que ao invés de constituir-se portadora e testemunha do Evangelho, ela se apresentou como “defensora” do Evangelho. Isto na prática se refletiu num esforço de domesticar o Evangelho, a serviço de determinada cultura e dos seus interesses arraigados.
Como resultado, ao invés de seguir o caminho da fé, a igreja se colocou na defesa de privilégios, que lhe garantiram a segurança na santificação do status quo, e a religião resultante dessa traição tornou-se a principal sustentação da ideologia das classes dominantes, da luta pela santificação dos objetos.” (Niebuhr, 1967, pág. 17). Terão sido estes alguns dos fatores – mais teológicos e culturais – que fizeram com que tantos abandonassem o catolicismo e abraçassem o pentecostalismo?
Bibliografia:
De Lima, Delcio Monteiro, Os demônios descem do norte, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1988, 154 págs.
Niebuhr, Richard, Cristo e Cultura, Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967, 294 págs.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)

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