João Guimarães Rosa

sábado, 7 de abril de 2018

(publicado originalmente na página da Academia Peruibense de Letras no Facebook)


Mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa nasceu em 1908 e morreu em 1967. Escritor, contista, poeta e novelista, desde muito cedo Guimarães Rosa começou a aprender línguas, tendo começado pelo francês aos seis anos. Foi essa prática, provavelmente, que fez com que mais tarde dominasse cinco idiomas. Iniciou seus estudos em Belo Horizonte, para onde foi morar na casa dos avós. Aos 16 anos, ajudado por um tio que era um rico fazendeiro, Rosa ingressou na Faculdade de Medicina. Em 1930 forma-se médico e no mesmo ano casa-se com sua primeira esposa. Muda-se para Itaúna, no interior do estado, onde clinica e tem contato com a população local. Durante esse período já inicia o contato com o "sertão", que tanto aparecerá como cenário de seus escritos.

Aprovado em um concurso no Itamarati, Rosa ingressa na carreira diplomática. Seu primeiro cargo no exterior é como adido no Consulado de Hamburgo, onde permanece de 1938 a 1942. Lá conhece sua segunda esposa, Aracy de Carvalho, também funcionária do Consulado brasileiro, que teve importante papel na emissão de vistos de imigração para judeus que estavam fugindo do regime nazista para o Brasil. Aracy salvou a vida de centenas de pessoas, tendo sido mais tarde homenageada pelo Estado de Israel. Depois de Hamburgo, onde também chegou a ser afetado pela guerra, Guimarães Rosa ainda atuou nas embaixadas brasileiras em Bogotá e Paris.

Em 1963, já tendo-se candidatado por uma vez, Rosa na segunda tentativa é eleito unanimemente membro da Academia Brasileira de Letras. Estranhamente, porém, Guimarães Rosa vai adiando sua posse. A partir dessa época, passa a se dedicar com mais afinco à literatura, fazendo palestras no Brasil e no exterior e participando de congressos. A exposição a um público mais amplo e internacional - Rosa deu diversas entrevistas e foi bastante traduzido na Alemanha, por exemplo - fez com que sua obra começasse a ser traduzida para várias línguas. Em 16 de novembro, depois de quatro anos de adiamento, Rosa finalmente toma posse na Academia. Como se tivesse pressentido algo, o escritor veio a falecer de ataque cardíaco três dias depois da posse, em sua residência no Rio de Janeiro. 

Rosa afirmou algumas vezes que o conhecimento de outros idiomas o havia ajudado a se familiarizar às expressões e maneiras de falar do interior do Brasil, o que o ajudou a compor os diálogos de livros, utilizando um vocabulário enriquecido por expressões linguísticas e neologismos. Seus relatos, baseados no regionalismo, têm o formato de um realismo mágico, que fizeram do escritor o pioneiro em um novo tipo de ficção na literatura brasileira. Seus romances incluem-se na corrente da ficção latino-americana, que nas décadas de 1960 e 1970 trouxe a público nomes como os de Gabriel Garcia Marques, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Alejo Carpentier, Júlio Cortázar e outros. As principais obras de Guimarães Rosa incluem: Magma (1936, poemas); Sagarana (1946, contos); Grande Serão Veredas (1956. romance); Primeiras Estórias (1962, contos); Tutaméia - Terceiras Histórias (1967, contos).

Sobre sua obra, em entrevista ao jornalista alemão Günter Lorenz, Rosa dizia: "...sou um contista de contos críticos. Meus romances e ciclos de romance são na realidade contos, nos quais se unem ficção poética e realidade." (Fonte: Templo Cultural Delfos - http://www.elfikurten.com.br/p/blog-page_20.html)

Acerca do "sertão", o grande pano de fundo de seus romances e contos, Rosa declarou na mesma entrevista: "...no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão, onde 'Inneres und Ausseres sind nicht mehr zu trennen' (o interno e o externo são inseparáveis), segundo o West-Östlicher Divan (série de ensaios de Goethe). No sertão o homem é o que ainda não encontrou um tu; por isso ali os anjos e  o diabo ainda manuseiam a língua." O sertanejo (...) "perdeu a inocência no dia da criação e não conheceu ainda a força que produz o pecado original." (Fonte: Templo Cultural Delfos - http://www.elfikurten.com.br/p/blog-page_20.html).

Da vasta obra do escritor, selecionamos alguns trechos significativos, publicados em O melhor de João Guimarães Rosa, (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira: 2016), :

"Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou um homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio." 
(A terceira margem do rio em "Primeiras estórias");

"E só então foi que ele soube de que jeito estava pegado à sua penitência, e entendeu que essa história de se navegar com religião, e de querer tirar sua alma da boca do demônio, era a mesma coisa que entrar num brejão, que, para a frente, para trás e para os lados, é sempre dificultoso e atola sempre mais." 
(A hora e a vez de Augusto Matraga em "Sagarana");

"Entendem os filósofos que nosso conflito essencial e drama talvez único seja mesmo o estar-no-mundo. Chico, o herói, não perquiria tanto. Deixava de interpretar as séries de símbolos que são esta outra vida de aquém-túmulo, tãopouco pretendendo ele próprio representar símbolo; menos, ainda, se exibir sob farsa. De sobra, afligia-o a corriqueira problemática cotidiana, a qual tentava, sempre que possível, converter em irrealidade. Isto, a pifar, virar e andar, de bar a bar." 
(Prefácio de "Nós, os temulentos" em "Tutameia")

(Imagem: fotografia de João Guimarães Rosa)

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