Mudanças climáticas e migrações

sábado, 14 de setembro de 2019

"O sentimento secreto de que nada restará de nós. De que tudo o que fizemos, pensamos, construímos, imaginamos, será cedo ou tarde levado pela 'vassoura do nada', como já dizia Rumi há nove séculos."   -   Jean-Claude Carrière   -   Fragilidade


Desde a mais remota pré-história, os humanos vivem em constantes deslocamentos, procurando alimento e melhores condições climáticas para viver. Nosso antepassado, o homo ergaster, que viveu entre 1,8 e 0,7 milhões de anos atrás, foi a primeira espécie de hominídeo a deixar o continente africano. Seu descendente direto, o homo erectus, lentamente foi ocupando a Ásia, até chegar em regiões afastadas como a China e a Indonésia. A segunda “saída da África”, como estas migrações são chamadas pela ciência, ocorreu há cerca de 70 mil anos, quando nossa espécie homo sapiens deixou solo africano em direção ao Oriente Médio, Ásia e Europa. Do sudoeste asiático chegaram à Austrália, por volta de 50 mil antes de nossa era (AEC). Em constante busca de alimentos, seguindo deslocamentos de suas presas e evitando regiões onde houvessem predadores carnívoros (tigres, leões, ursos), nossos antepassados avançaram à procura de climas amenos, onde a sobrevivência fosse promissora. 

O clima é um impulsionador na evolução de nossa espécie. Antropólogos e paleontólogos defendem a tese de que o surgimento da atividade agrícola se deu devido ao rareamento da caça, no final do último Período Glacial, há 10 mil anos. Com o aquecimento do clima, espécies como o boi almiscarado, o mamute, o cavalo selvagem e os bisões, estavam se deslocando para regiões setentrionais. Nesse período também foram extintos cerca de 40% dos mamíferos da chamada megafauna. Reduzida a oferta de caça, essas populações que já conheciam o processo de plantio, passaram a praticar a agricultura em larga escala. Assim, ao longo de alguns milênios, surgiram sociedades complexas, desenvolveu-se a tecnologia e surgiram os primeiros estados e religiões organizadas.

Ao longo da história as mudanças do clima tiveram forte influência nas atividades humanas, provocando migrações. Na China ocorreram deslocamentos populacionais ao longo dos últimos dois mil anos, provocados por períodos de secas e inundações. O mesmo foi constatado na região nordeste do Peru, ao longo dos últimos 10 milênios. Estas migrações estão associadas ao colapso de civilizações, provocadas pelas mudanças do clima. Assim ocorreu com a civilização maia (1000 a.C. – 900 d.C.), no México, a de Harappa (2.500 a.C.), no atual Paquistão, e a hitita (1.600 a.C.), na atual Turquia. 

Atualmente a alta densidade demográfica, a relativa facilidade de deslocamento e de comunicação, fazem com que as consequências das mudanças do clima – estiagens, enchentes, quebra de safras – tenham um impacto local e mundial. Exemplo disso é o aumento no número de imigrantes ilegais da América Central tentando entrar nos Estados Unidos. Pressionados pelas perdas nas agriculturas de seus países, provocadas pelo déficit de chuvas, dezenas de milhares de pessoas precisam emigrar de suas regiões de origem. A mesma situação ocorre em países do Oriente Médio e da África subsaariana.

A tendência, segundo especialistas, é que as migrações provocadas por impactos climáticos aumentem em todo o planeta, principalmente nos países pobres. Inundações, tempestades, secas prolongadas afetarão milhões de pessoas, em países sem suficientes recursos para fazer frente a estas catástrofes. A grande parte da população restará como único recurso emigrar para outras regiões ou países. Para milhões de pessoas um futuro de privações, sofrimentos e morte.    

(Imagens: fotografias de Roman Vishniac)

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