Potencial e mediocridade

sábado, 2 de novembro de 2019
"Minha obra e a sua são extraordinariamente semelhantes, embora eu não faça a menor ideia sobre de que trata sua obra."   -   Woody Allen   -   Que loucura!



Todos nós na vida já encontramos pessoas com grandes aptidões, indivíduos que poderiam se tornar excepcionais em certas áreas, mas que com o tempo se renderam à mediocridade e não desenvolveram seu potencial.

Esta ideia de capacidades não exploradas se aplica tanto a seres humanos quanto a instituições; tudo aquilo que tem capacidade de fazer algo mais de si mesmo ao longo do tempo. Transformar seus aspectos positivos ainda pouco desenvolvidos em algo maior, mais elaborado, valendo-se de potencialidades que lhe são inerentes.

Trata-se, porém, de um processo consciente, no qual o indivíduo ou a instituição – um Estado, uma organização, uma empresa – estão na posição de poderem avaliar seu estado atual, identificar suas potencialidades e elaborar maneiras de como ampliar, desenvolver e/ou transformar a si mesmos ou a instituição – a qual, no final das contas, é um agrupamento de indivíduos com os mesmos objetivos em relação àquele assunto.

Podemos traçar um paralelo aproximado entre este processo de transformação psíquica e cultural pelo qual podem passar indivíduos e instituições (aqui incluindo todos os aspectos da cultura; como sistemas de crenças, leis e normas, ciência e tecnologia, etc.) e a evolução das espécies vivas, o neodarwinismo. Mas, bem claro: trata-se de uma comparação aproximada, já que as mudanças psíquicas (indivíduo) e culturais (instituições) ocorrem ao longo de um curto espaço de tempo e se manifestam na pessoa e na instituição. Ao passo que a evolução dos sistemas vivos se desenrola no decorrer de longos períodos de tempo e é quase que imperceptível no indivíduo – talvez, eventualmente, a nível molecular e genético.

São, portanto, as pessoas e as instituições que podem usufruir de suas potencialidades para desenvolverem suas aptidões (pessoas individuais) e aprimorarem sua atuação (instituições, Estados, empresas, processos, etc.)

Este curto preâmbulo pretende introduzir o tema das oportunidades de desenvolvimento perdidas pelo Brasil, pela maneira como vimos atuando em relação a diversas áreas. Para simplificar nossa abordagem, dividiremos estas áreas em três: a) o agronegócio; b) a questão ambiental e c) o uso extensivo de energias renováveis.

Sabemos há muito de que o Brasil é o país com a mais extensa área agricultável em todo o planeta. Rússia e Estados Unidos também dispõem de vastas planícies agricultáveis, mas estes países têm como limitação um inverso rigoroso, que impede totalmente a atividade agrícola. Além de área, desenvolvemos tecnologias específicas para o cultivo em regiões tropicais e adaptadas aos nossos solos e climas. Nossa agricultura é uma das mais produtivas em todo o mundo. Em apenas pouco mais de 30 anos, de grande importador de produtos agrícolas, o Brasil se tornou um dos maiores fornecedores mundiais de alimentos e insumos para outros setores ligados à atividade agrícola.

Na área ambiental, principalmente a partir de 1992 quando o Brasil organizou a histórica Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, no Rio de Janeiro, o país se tornou um dos maiores protagonistas planetários, quando o assunto são os temas ambientais. Dispomos de uma das mais ricas biodiversidades em nossos variados biomas, das mais extensas reservas de floresta tropical que abrigam milhares (ou milhões) de espécies de fungos, bactérias, plantas e animais ainda desconhecidos da ciência. Um valioso ativo de espécies e substâncias com potencial para a medicina, a tecnologia e para o próprio desenvolvimento do conhecimento.  

São poucos os países que possuem o potencial de desenvolvimento e uso de tecnologias para energias renováveis como o Brasil. Não é por outra razão que nosso parque eólico, por exemplo, foi um dos que mais cresceu nos últimos dez anos. Apesar de toda a crise econômica, o setor da energia do vento é um dos que mais se desenvolve a cada ano. Ventos e extensas áreas disponíveis para instalação de parques eólicos são fatores preponderantes neste desenvolvimento. Com um índice de insolação bastante alto em todo o país e preços de equipamentos cada vez mais econômicos, vemos que a energia fotovoltaica também começa a se desenvolver nos últimos cinco anos. Isto sem falar na energia hidrelétrica já instalada e ainda suprindo mais de 50% de toda a eletricidade consumida no país. Energia de biomassa e biogás também são setores de geração renovável que tendem a crescer ao longo dos próximos anos.

O ponto que defendemos é que todas estas atividades – agricultura, meio ambiente e geração de energias renováveis têm muitos pontos em comum e carecem de uma política com uma visão integradora. A floresta pode conviver com a agricultura e com a criação de gado, os resíduos da agricultura podem servir de insumos para a geração de energia renovável (biomassa). Há inúmeras possibilidades de integração – que seja dada a palavra aos especialistas –, que não abordaremos neste artigo por falta de suficiente conhecimento. No entanto, o que para todos que estudaram seriamente o assunto fica claro, mesmo para aqueles que não são especialistas, é que faltou e continua faltando aos governos brasileiros uma visão sistêmica. Uma perspectiva a partir da qual será possível identificar suas potencialidades, elaborar maneiras de como ampliar, desenvolver e/ou transformar o setor como um todo.

Nesta história toda o pior que pode acontecer ao Brasil é ter grandes aptidões e oportunidades, mas com o tempo se render à mediocridade, não desenvolvendo seu potencial como nação devidamente inserida no mundo, com atividades econômicas sustentáveis.

(Imagens: pinturas chinesas do século XIX)

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