Livros, educação e sociedade

sábado, 27 de novembro de 2021

 
"Todos os erros e incompetências do Criador alcançam seu clímax no homem."    -   H. L. Mencken   -   citado por Evan Esar em Quips & Quotes 


O mercado editorial e livreiro no Brasil foi constantemente sujeito a crises. Nas últimas décadas houve uma redução no número de editoras – algumas adquiridas pelas maiores e outras que faliram. Com o aparecimento das grandes livrarias, as megastores, no começo dos anos 2000, as pequenas livrarias tenderam a desaparecer ou foram compradas pelas grandes redes, como a Saraiva, a Siciliano, Cultura e a FNAC, entre outras. Em 2008 a Siciliano foi adquirida pela Saraiva, que se tornou a maior rede de livrarias no Brasil. A FNAC, de origem francesa, veio ao país para expandir seus negócios globais. Chegou a ter 12 lojas em sete estados, mas em 2018 fechou sua última loja, encerrando suas atividades. Das grandes e tradicionais livrarias de atuação nacional, restam apenas a Cultura e a Saraiva, que reduziram seu número de lojas, demitiram funcionários e estão em processo de recuperação judicial.

A situação hoje, tanto no mercado editorial quanto no livreiro, é difícil. E isto tem várias razões, algumas históricas. No Brasil, o livro nunca chegou a ser realmente valorizado. Apesar de personagens da história cultural brasileira, como Castro Alves, Monteiro Lobato, Millôr Fernandes, Carlos Drummond de Andrade, entre outros, terem valorizado a leitura, o acesso aos livros sempre foi dificultoso. Pode-se elencar uma série de circunstâncias, como sendo as causas deste fato: o acesso ao ensino só foi efetivamente universalizado a partir da Constituição de 1988; escolas não incentivam suficientemente a prática da leitura; o custo do livro ainda continua sendo alto para a maior parte da população; há falta de biblioteca públicas e são poucos os eventos que promovam o livro. Segundo a última pesquisa da Câmara Brasileira do Livro, realizada em 2019, cerca de 44% da população brasileira não lê e 30% nunca adquiriu um livro. A atividade da leitura está em décimo lugar no rol das atividade de lazer dos brasileiros; atrás de assistir TV, ouvir música, navegar na internet e nas mídias sociais, etc. A média da leitura de livros no Brasil ainda continua em torno dos dois exemplares por ano, média muito baixa – nos Estados Unidos, por exemplo, se leem em média 12 livros por habitante/ano e na França 21.

A estes fatores, junte-se ainda os efeitos da crise econômica que afeta o país desde 2016, provocando queda dos salários e desemprego; e a crise da Covid, que entre 2020 e 2021 forçou o fechamento parcial ou total de grande parte do comércio, incluindo as livrarias, o que provocou queda de mais de 8,8% nas vendas de livros em 2020, comparado a 2019. Como em todo o setor do comércio, houve um aumento considerável nas vendas online, tanto de livros quanto de e-books. No entanto, estas vendas não compensaram as perdas médias que o setor vem acumulando há praticamente cinco anos.

Segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o volume de vendas de livros teve uma redução de 0,48% entre 2019 (R$ 1,75 bilhões) e 2020 (R$ 1,74 bilhões). Mesmo assim, segundos os dados do relatório da Associação Internacional dos Editores (International Publisher Association – IPA), o Brasil é classificado como o sétimo maior mercado editorial do planeta, em 2018. Com relação ao número de exemplares, o Brasil publicou em 2020 41,91 milhões de livros, enquanto que a Argentina publicou 8 milhões de exemplares, a Colômbia 43,7 milhões e o México 13,8 milhões. Segundo dados de publicações especializadas, o mercado editorial latino-americano e mundial teve uma queda média de 25% no volume de livros lançados durante o ano de 2021, devido à paralisação da economia causada pela Covid.

O site Global English Editing (https://geediting.com/world-reading-habits-2020/), voltado aos estudos sobre os hábitos de leitura, publicou em seu relatório World Reading Habits 2020 (Hábitos de Leitura do Mundo 2020) dados e informações sobre este setor. Na tabela “Que país lê mais”, por exemplo, são apresentados os seguintes número:

Horas utilizadas para leitura por pessoa por semana

Colocação                             País                                       Horas

1º                                           Índia                                      10:42

2º                                           Tailândia                                09:24

3º                                           China                                    08:00

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12º                                         Polônia                                  06:30

13º                                         Venezuela                             06:24

14º                                         África do Sul                         06:18

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20º                                         Canadá                                 05:48

21º                                         Alemanha                              05:42

22º                                         Estados Unidos                     05:42

 

No item “países que mais publicaram novos títulos" aparece:

 

   Países que mais publicam títulos novos anualmente

 

China                                    440.000

Estados Unidos                    304.912

Inglaterra                              184.000

Japão                                   139.078

Rússia                                  101.981

Alemanha                               90.600

Índia                                       90.000

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Brasil:        46.829 (2018 – inserção nossa)

 

Segundo o site Mural dos Livros (https://muraldoslivros.com/dados-sobre-a-leitura-no-brasil/) no artigo “Dados sobre a Leitura no Brasil e no Mundo”, consta que “levando em conta as percentagens referentes a vendas, os livros mais lidos no Brasil são os de não ficção, com 55,17%, seguidos pela ficção, com 24,93% e infanto-juvenil e educacional, que representam 19,89%.” Os livros eletrônicos, que nos Estados Unidos representam 20% do total das vendas, no Brasil perfazem apenas 4% das vendas, segundo dados de 2020 de outro relatório. 

Com relação à publicação de livros e ao tamanho do mercado editorial, o Brasil encontra-se em uma posição acima da média, em comparação com outros países. O tamanho da nossa população, o grau de industrialização e o valor que se deu ao ensino e à cultura nos últimos sessenta anos, contribuiu para que o país pudesse chegar a esse patamar – que todavia ainda não é suficiente em relação ao que podemos e devemos alcançar em termos de desenvolvimento. Considerando que o país detêm o 13º PIB mundial (já teve o 6º maior em 2010) entre 195 países, poderíamos ou deveríamos estar em uma posição melhor; seja quanto ao volume de publicações e, mais importante, quanto ao número de livros lidos ou horas investidas em leitura por habitante.

Estudo publicado no jornal The Guardian em 2018, informa que um novo estudo feito por pesquisadores da Universidade Nacional da Austrália e da Universidade de Nevada (Estados Unidos) revelou os países que tem o maior número de “ratos de biblioteca” (a expressão usada no texto em inglês é bookworms, vermes de livros). Com a pesquisa, os cientistas também descobriram que possuir em casa mais livros na fase de crescimento, mesmo que não lidos, melhora o rendimento educacional. De fato, adultos com grau universitário, que cresceram em meio a menos livros, têm nível de alfabetização equivalente ao de estudantes que deixaram a escola ao fim do ensino fundamental (Year 9 em inglês), mas que tinham muitos livros em casa, na juventude. O estudo, publicado posteriormente pela revista Social Science Research, comprovou que o número de livros que uma pessoa tinha à sua disposição em casa, em torno dos 16 anos, tinha uma influência direta positiva com o grau de alfabetização, numeramento e habilidades de informática nos anos de vida sequentes, independentemente da quantidade ou duração dos estudos terciários, ou com que frequência se lê quando adulto. O estudo descobriu que o australiano médio tem 148 livros em casa, mas a maior parte dos entrevistados apenas possuía 65. Os estonianos (cidadãos da Estônia), líderes na pesquisa, têm em média 218 livros, mas 35% dos pesquisados possuíam 350 ou mais. Mais detalhes sobre este assunto podem ser pesquisados em (https://www.theguardian.com/books/2018/oct/12/the-more-books-in-a-house-the-brighter-your-childs-future-study-finds).

No Brasil, o cultivo da leitura ocorre principalmente nas escolas e através da frequência de bibliotecas, já que a maior parcela dos brasileiros não dispõem de recursos para adquirir livros. Mas, o incentivo à leitura e à construção de bibliotecas e infotecas só ocorre no bojo de uma política preocupada com a melhoria da educação. Por isso, é necessário que o país volte a se preocupar com o ensino e a cultura de uma maneira séria. Os governos e todos aqueles envolvidos com a questão educacional, não devem se contentar com o nível de qualidade do ensino que existe atualmente na maioria das escolas. Se alguns casos pontuais podem ser considerados de qualidade mediana, é preciso melhorar muito mais. Nosso padrão de comparação para ensino – o benchmarking como falam os empresários – são os países que alcançaram um ótimo nível na educação, onde a escola pública é de tal qualidade, que compete em igualdade com o ensino privado.

O Brasil tem conhecimento e tradição educacional para tal empreitada. Basta lembrar de educadores como Anísio Teixeira (1900-1971), Darcy Ribeiro (1922-1997), Paulo Freire (1921-1997), Maria Nilde Mascellani (1931-1999), Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), Newton Sucupira (1920-2007) e muitos outros, que deixaram sua herança na história da educação do país, sem esquecer os profissionais das novas gerações que atuam no presente. Mas, para empreender tal redirecionamento é preciso que haja vontade. Que decidamos que a educação e a cultura são, definitivamente, junto com a saúde, a moradia e o trabalho, as metas prioritárias de uma sequência de governos, em todos os níveis; uma política de Estado. Os recursos para tal programa existem, mas é preciso que políticos definitivamente identificados com as causas populares legislem e governem para a maior parte da população.

Se o pais colocar em marcha este processo, as consequências positivas virão ao longo dos anos. Um país mais educado e culto sabe escolher melhor seus governantes, estabelecer seus objetivos como sociedade, desenvolver seus projetos, visando o bem-estar da sociedade toda, e não apenas de grupos que fazem prevalecer seus interesses. Como escreveu o pedagogo, filósofo e educador Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”


(Imagens: pinturas de Hans Baluschek) 

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