Minha opinião

quarta-feira, 7 de agosto de 2024


 

Minha opinião 

 

O capitalismo está em crise? Por diversas vezes, ao longo dos últimos anos, lemos ou vimos declarações de que o capitalismo estaria em crise: “Bolsa despenca no Japão”; “Euro sofre queda”; “Economia americana em desaceleração”; “PIB da China deverá crescer menos”... A cada mês, a cada ano, são anunciadas novas ocorrências, que na análise de muitos economistas prenunciariam uma gradual degenerescência do sistema econômico capitalista. As crises, no entanto, são inerentes ao capitalismo e ocorrem desde seu início; crises dos bancos, de superprodução, financeiras, etc.

Por isso, a ideia da crise no capitalismo não é nova. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), filósofos alemães, empreenderam uma profunda análise do sistema econômico capitalista na obra “O Capital” (1867). Marx lançou o primeiro volume e Engels revisou e publicou os dois volumes restantes, depois da morte de Marx. Na avaliação feita no estudo, o capitalismo geraria seu próprio esfacelamento através da competição entre as empresas visando lucros crescentes, gerando falências de concorrentes, formação de monopólios, concentração de riqueza por um lado e desemprego e miséria por outro. A pesquisa feita pela obra, profunda e abrangente, tornou-se ainda mais atual – principalmente nos últimos 35 anos, dado o rumo que a economia mundial vem tomando.

As análises e as conclusões de Marx e Engels foram elaboradas no final do século XIX, na fase inicial do desenvolvimento do capitalismo industrial, quando o sistema ainda estava em seus primórdios. Nesta época, o carvão mineral usado como combustível para máquinas a vapor desde a década de 1820, ainda era o principal recurso energético dos equipamentos usados para acionar os processos industriais. O petróleo e a eletricidade, que no século XX substituiriam o carvão nas fábricas, estavam em fase de adaptação tecnológica às novas máquinas e outros usos. Na área da organização do processo de produção, a linha de produção em série, o chamado “processo de produção fordista” – introduzido na fábrica de automóveis de Henry Ford em Detroit, em 1913 – encontrava-se em implantação e durante as próximas décadas seria adotado por outros tipos de fábricas.  

Antes da 2ª Grande Guerra o capitalismo industrial tinha suas mais fortes atividades concentradas na Europa, Estados Unidos e Japão. Terminado o conflito, os oligopólios então existentes na economia mundial capitalista – indústria pesada, petrolífera, química e farmacêutica, automobilística, entre outros – expandiram suas atividades, procurando novos mercados consumidores e fornecedores. Desta forma, entre os anos 1950 e 1980, os chamados “Anos Dourados” da expansão econômica mundial, houve um rápido desenvolvimento da industrialização em várias regiões do globo, as quais até então haviam estado à margem (ou nas bordas) da economia capitalista, a economia de mercado.

Sudeste da Ásia, Índia, Coréia do Sul, Taiwan, México, América do Sul – notadamente o Brasil, Chile, Argentina e Colômbia – foram integrados ao processo produtivo da economia de mercado, sediando indústrias e tornando-se fornecedores de matérias primas, produtos agropecuários e manufaturados. A China, grande beneficiária deste processo de expansão da indústria capitalista, tornou-se o “motor” do capitalismo industrial a partir dos anos 1980, quando empresas estadunidenses, europeias e japonesas transferiram para lá parte de seus processos produtivos, devido às vantagens oferecidas pelo governo chinês (baixos custos de produção, infraestrutura logística, parceria financeira).

Tudo parecia estar indo bem e os vaticínios dos críticos do capitalismo haviam sido quase esquecidos. Em 1989 ocorre a queda do Muro de Berlim, símbolo do conflito entre o mundo capitalista, dominado pelos Estados Unidos, e o socialista, sob influência da União Soviética. Em dezembro de 1991, vem a dissolução da União Soviética e surge a Rússia, que abdica oficialmente do socialismo, dando fim à Guerra Fria, conflito ideológico, econômico e militar que havia durado 46 anos. Na época, o filósofo liberal estadunidenses, Francis Fukuyama, celebrava a vitória mundial da democracia liberal e da economia de mercado escrevendo em seu livro “O fim da história e o último homem” (1992): “A lógica interna da luta entre ideologias chegou ao seu fim e a universalização da democracia liberal ocidental como forma de governo humano é inevitável.”.

Algumas dificuldades no funcionamento do capitalismo, no entanto, já estavam presentes desde os anos 1970, bem antes da Queda do Muro. Já em 1970/1971 os Estados Unidos estavam endividados devido aos enormes gastos militares feitos com a Guerra do Vietnã (que só terminou em abril de 1975). Em 1973 ocorreu a Primeira Crise do Petróleo; aumento do preço do insumo decretado pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em represália ao apoio dos Estados Unidos a Israel na Guerra do Yom Kippur. O encarecimento do combustível foi um duro golpe na economia americana e mundial, afetando todos os segmentos industriais, principalmente a indústria automobilística. A revolução iraniana, que em 1979 depôs o Xá Reza Pahlevi, causou a Segunda Crise do Petróleo, sendo o Irã um grande produtor do recurso.

Ainda ao longo da década de 1970 vários fatores como leis trabalhistas mais abrangentes; regulamentos ambientais mais restritivos; aumento do custo das matérias primas; aumento médio dos salários dada a força de pressão dos sindicatos; fretes mais caros devido ao aumento do custo do combustível; etc. fizeram com que a taxa de retorno do investimento (lucro) das empresas fosse gradualmente caindo em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos.

Para fazer frente a esta queda nos lucros, as empresas utilizaram diversas estratégias. Algumas empresas adotaram o “global sourcing” (fornecimento global), adquirindo insumos de fornecedores com preços mais competitivos, localizados em outras regiões ou países, todavia diminuindo com isso o faturamento ou até provocando a falência dos vendedores locais. Grandes empresas e conglomerados como Apple, General Motors, Nike, Microsoft, Tesla, Adidas, Coca-Cola, etc., dadas as atrativas condições oferecidas pelo governo chinês, transferiram suas unidades, em parte ou sua totalidade, para a China. Ainda outros empreendimentos implantaram novas técnicas de administração e produção, como o “Sistema Toyota de Produção”, o “Lean Manufacturing”, etc., visando reduzir custos de produção. Paralelamente a todas estas providências de redução de custos, todo setor empresarial mundial investiu em automação, informática e também em robótica, para otimizar processos produtivos, aumentando a produtividade, e reduzir custos de mão de obra. Tudo, tendo em vista o objetivo básico do sistema capitalista, que é o aumento constante dos lucros.

O capitalismo chegou assim a uma situação em que a produção e a produtividade cresciam, mas os salários dos trabalhadores mantinham-se reduzidos ou em queda, como ocorria na pujante economia estadunidense desde o início dos anos 1980. Igualmente a transferência de um grande número de fábricas para outras regiões, e até para fora do país, provocou uma queda na massa salarial média na maior parte dos países – o Brasil é um exemplo desse processo.

Podemos, assim, formar o quadro da mais recente e talvez mais grave crise do capitalismo. De um lado, há uma produção de bens e produtos em constante aumento, com regular lançamento de novos itens, associados a campanhas publicitárias para impulsionar (ou pelo menos manter) o consumo. Todavia, o aumento da produção, mesmo que realizado de forma mais eficiente, com menos perda de insumos durante o processo produtivo, consome um volume maior de matérias primas, o que demanda mais exploração dos recursos naturais (mineração, uso de água, ampliação da agropecuária, mais geração de energia, mais poluição do ar, etc.).

O ideal de um “capitalismo sustentável”, do qual tanto se fala nos meios de comunicação, é por isso uma conta que não fecha. Para que o sistema continue existindo, é preciso manter a lucratividade crescente, o que só ocorre com mais consumo, o qual só é possível com mais produção, a qual só pode ocorrer com maior uso de recursos naturais. A ideia de uma “economia circular” só pode funcionar em certos setores da economia, não podendo integrar todo o sistema de produção e consumo. Em um setor ou outro, em uma empresa ou outra, sempre podem ocorrer falhas, onde então ocorre o “vazamento” de resíduos para fora do “círculo”; para o ambiente, gerando poluição. Não há produção-distribuição-consumo em sistema fechado, com resíduo zero. Sob o aspecto ambiental, mais cedo ou mais tarde, o sistema de produção capitalista se tornará inviável pela exaustão das fontes de insumos e matérias primas (a natureza). O matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) discutiu detalhadamente esta situação em sua teoria da bioeconomia.

Por outro lado – e este é o aspecto de imediato mais importante – a crise do capitalismo também se apresenta sob a forma de uma crescente financeirização da economia. Desde os anos 1980, grupos econômicos têm obtido ganhos maiores aplicando seus lucros no setor financeiro, nos vários tipos de papéis, do que investindo na ampliação ou construção de fábricas, lojas, casas, ou qualquer outro bem concreto. Os benefícios são maiores, se concretizam mais rapidamente e o risco é menor. Esta situação, no entanto, quase não gera novos empregos e, frequentemente, ainda resulta no fechamento de postos de trabalho já existentes.

Na fase atual do capitalismo temos assim o pior dos mundos para os trabalhadores. Indústrias se deslocam para outras regiões onde os custos de produção, entre eles a mão de obra, são menores. De uma maneira geral as empresas investem na informatização e automação, reduzindo postos de trabalho e aplicando parte substancial de seus lucros no mercado financeiro, não ampliando sua infraestrutura e estagnando ou até reduzindo a criação de novos postos de trabalho. O resultado disso é uma redução do número de empregos com registro e dos níveis salariais, aumentando o numero de trabalhadores subempregados e precarizados/uberizados. Na opinião dos especialistas, nas condições de desenvolvimento em que se encontra a economia de mercado, não existe a possibilidade de um aumento substancial no número de empregos, menos ainda dos postos de trabalho melhor remunerados. Ou seja, a situação geral do trabalhador médio só tende a ficar pior. Nestas condições, quem ainda terá recursos para consumir o que se produz? A quem o capitalismo venderá seus produtos e serviços; condição primordial para que o sistema continue existindo?

Para terminar fica a pergunta: por quanto tempo o sistema capitalista poderá persistir, antes que os recursos naturais acabem ou que os trabalhadores resolvam acabar com o sistema?


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