Perspectivas para uma economia ecológica (parte I)

sábado, 16 de março de 2013
"Há primeiro o encontro da morte de outro ser querido, de outros desconhecidos. Alguém desapareceu. Uma questão surge e ressurge obstinadamente: ele ainda existe? onde? em outro lugar? sob que forma invisível aos nossos olhos? visível de outro modo? Essa questão liga a morte ao morto, aos mortos."  Paul Ricoeur  -  Vivo até a morte

INTRODUÇÃO
A questão ambiental é um dos temas mais presentes na mídia contemporânea, ocupando lugar de destaque no noticiário diário, ao lado dos assuntos de economia e política. O tema está no imaginário de grande parte da população mundial; tornou-se importante e deixou de ser assunto de exclusivo interesse de ambientalistas radicais. Mudaram-se os tempos e aumentou a conscientização em relação à destruição da biosfera. Entre os especialistas e estudiosos do assunto, vai ganhando força a convicção de que a poluição e as catástrofes ambientais não podem mais ser reduzidas a simples acidentes de percurso, reparáveis com uso de uma tecnologia mais eficiente. Assim, definitivamente se tornou claro – pelo menos para grande parte dos formadores de opinião – de que a humanidade enfrenta uma forte crise, resultado do impacto de suas atividades econômicas, através da excessiva exploração dos recursos naturais e da destruição da biodiversidade.
            Mas, se existe o conhecimento da crise e de seus efeitos – pelo menos no que se refere aos seus aspectos mais perceptíveis –, ainda não existe uma opinião majoritária sobre como enfrentar o problema. Devido à complexidade da questão ambiental, envolvendo aspectos econômicos, sociais, tecnológicos, culturais, biológicos e vários outros, não há uma solução única. Há necessidade de se promover uma gradual mudança em paradigmas científicos e culturais; rever políticas e substituir tecnologias; atualizar técnicas e mudar costumes. Interesses e privilégios terão que ser contrariados e abolidos, apesar da resistência e de eventuais conflitos. Acima de tudo, o mais importante paradigma a ser mudado é o da atuação econômica. Agimos como se vivêssemos em um mundo à parte, sem relação com a natureza. Esta, para a maioria das pessoas, está longe; nas florestas, nas montanhas ou nas remotas regiões desérticas, e pouco tem a ver com o que produzimos ou consumimos.
            Este o principal tema deste artigo científico: a relação do homem com a natureza sob o aspecto econômico. Pretendemos chamar a atenção sobre a caducidade de certos aspectos da economia como está sendo praticada e apontar para a necessidade de uma gradual, mas premente introdução de um novo paradigma na teoria econômica: a economia ecológica.
1. A economia convencional: o exemplo do Plano B 4.0
            O mundo enfrenta uma grande crise ambiental. Os indícios são os mais variados, apresentados por diversas instituições mundiais. Para descrever alguns destes aspectos de forma abalizada, tomamos como base o trabalho de um dos mais respeitados economistas e ambientalistas do mundo, Lester Brown.
       Este apresentou em 2009 um documento intitulado Plan B 4.0 – Mobilizing to Save
Civilization (Plano B 4.0 – Mobilizando para salvar a civilização). Em suas mais de 350 páginas o relatório apresenta alguns dos principais desafios ambientais que a humanidade já enfrenta e que se tornarão cada vez mais prementes. O plano tem quatro propostas principais: 1) reduzir as emissões de carbono em até 80% até 2020; 2) estabilizar a população mundial em 8 bilhões ou menos; 3) erradicar a pobreza; e 4) restaurar os sistemas naturais da Terra, incluindo solos, aqüíferos, florestas, savanas e estoques de peixes. Para elaborar este plano, o autor se baseou em várias informações que colheu ao longo dos últimos anos e que nos dão um quadro do quanto a atividade econômica vem erodindo os recursos naturais do planeta. Analisando os impactos setorialmente, o estudo apresenta um quadro dos maiores e principais problemas ambientais em todo o mundo, indicando um colapso em áreas como a da manutenção de solo, da água, das emissões atmosféricas, da gestão dos resíduos, entre outros. Relataremos abaixo, em tradução livre, apenas alguns dos principais casos; muitos deles não divulgados pela grande imprensa:
-       Abastecimento de água para consumo humano e para a agricultura: a China tem grandes problemas com relação ao abastecimento de água para sua agricultura. Um estudo do Banco Mundial indica que o país está extraindo água do subsolo a um ritmo muito rápido, impossibilitando sua reposição natural. Com isso, haverá uma redução na produção de grãos nos próximos anos, diminuindo o fornecimento de alimentos para 130 milhões de pessoas. Na Índia a escassez de água é mais séria ainda, onde 100 milhões de camponeses furaram 21 milhões de poços, com investimentos de 12 bilhões de dólares. No entanto, com o rebaixamento do lençol freático, grande parte destes poços está seca, provocando desespero entre os agricultores. A situação da queda do nível do lençol freático afeta várias regiões em todo o mundo, comprometendo o abastecimento da população e as atividades econômicas. Outros países com problemas de disponibilidade de água, devido à superexploração, são: Estados Unidos (região do aqüífero Oglala, nas Grandes Planícies), Paquistão e o México – além das regiões já conhecidas. Afora isso, são previstas guerras localizadas por todo o mundo: Ruanda, Nigéria, Sudão, Etiópia, são locais onde já ocorrem e em breve deverão se aprofundar os conflitos pela água.
-        Grandes massas de refugiados ambientais: a civilização humana, diz Brown, está sendo esmagada entre desertos que avançam e mares que estão subindo. O avanço dos desertos sobre áreas antes agricultáveis e das águas sobre regiões antes habitadas, aliados à escassez de recursos hídricos, poderá provocar a migração de milhões de pessoas para outras regiões. Uma conferência sobre desertificação organizada pela ONU em 2006, concluiu que até 2020 cerca de 60 milhões deverão migrar da região Subsahariana para o norte da África e Europa.
            A situação dos refugiados se repete no nordeste da Índia e no México, onde milhões de pessoas não encontram condições de trabalho, devido à falta de água.
-        As mudanças climáticas: é fato que a temperatura média da Terra está se elevando, devido ao efeito estufa, provocado por um maior acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono (CO²) com 63%; o metano (CH4) com 18% e o óxido nitroso (NOx) com 6%. O relatório de Brown aponta para um rápido aumento do metano na atmosfera (que tem um efeito potencializador 21 vezes superior ao CO²), devido ao aquecimento do permafrost (solo congelado) em vastas extensões de terra no norte do Canadá e na Sibéria. O efeito do aquecimento global já se faz sentir na prática, quando verões quentes e secos provocam incêndios e mortes na Europa e em outras partes do mundo. Segundo dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climática (IPCC), os 25 anos mais quentes sobre os quais temos registros ocorreram desde 1980; os dez anos mais quentes – com registros colhidos desde 1880 – aconteceram a partir de 1996.
-        Derretimento das geleiras e aumento do nível dos mares: registros provam que as temperaturas médias de inverno na região ártica, incluindo o norte do Canadá, da Rússia e do Alaska, têm aumentado 3 a 4 graus Celsius durante os últimos 50 anos. Com falta de espaço para viver – com o derretimento do gelo – cerca de dois terços da população de ursos polares poderá ter desaparecido até 2050.
            Em seu relatório, Lester Brown ainda aponta vários outros problemas que estão ocorrendo e a acontecer, devido às condições climáticas adversas e ao esgotamento dos recursos naturais. Todos estes fatos terão um impacto negativo sobre as sociedades humanas e nos forçarão a mudar completamente o nosso modo de vida e o funcionamento de nossas economias. Para reduzir o impacto destes cataclismos, tentando gradualmente restabelecer condições climáticas e ambientais em geral mais favoráveis, Brown aponta saídas tecnológicas, algumas delas já em parte sendo implantadas, como:
-        reduzir consumo de eletricidade através da substituição de lâmpadas incandescentes por fluorescentes e por diodos LED;
-       uso de tecnologia energeticamente mais eficiente em eletrodomésticos, eletroeletrônicos, no setor de construção, nas indústrias, nos transportes e diversas outras áreas. O potencial de redução de consumo é grande e precisa ser aproveitado;
-        redução, reuso e reciclagem de matérias e redução de resíduos destinados aos aterros. Reduzindo o uso de materiais, economizamos no processo e no espaço físico;
-        uso de energias renováveis, como biocombustíveis, energia de biomassa, energia eólica e solar. Mesmo não suprindo toda a demanda, estes combustíveis reduzem emissões de gases.
            Todavia, fica em aberto a pergunta se mesmo com estas providências será possível enfrentar as mudanças climáticas e a questão do esgotamento dos recursos naturais. Por outras publicações lançadas pelo autor, sabemos que Lester Brown é um advogado da limitação do crescimento desordenado, como já preconizado pelo Clube de Roma. No entanto, é sabido que a lógica do capitalismo requer a manutenção dos níveis de consumo, para que o sistema possa continuar a produzir e a se expandir. Declinando o consumo, o capital de giro das empresas tenderá a cair, o que colocará a economia em crise. Mas, como manter o sistema funcionando, sem comprometer cada vez mais os recursos naturais – isso sem falar em todas as outras externalidades sociais? (Continua)
(Imagens: fotografias de Irvin Penn)

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