O
princípio das coisas sensíveis, segundo Platão, tem origem no antagonismo entre
o pensamento de Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Cada um dos dois
pensadores, a seu modo, procurou dar uma explicação para o problema do ser.
Enquanto
os filósofos cosmológicos como Tales de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro,
buscavam um princípio do ser na própria physis,
na natureza, Heráclito de Éfeso colocou
como princípio de todo o ser a mudança. “Nos
mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, escrevia
Heráclito. Todo o ser estava sujeito ao devir e em constante alteração cíclica.
No final, todo o ser (a physis, a
natureza) será destruído pelo fogo e então o processo começará novamente: “Por fogo se trocam todas (as coisas) e fogo
por todas, tal como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro.”
(Heráclito, 1996).
Já
Parmênides parte do princípio (talvez influenciado pelo pensamento de
Pitágoras) de que o mundo das mudanças e das aparências é ilusório e é sobre
ele que formamos as nossas opiniões, diferentes do conhecimento. A este quadro
permanentemente mutável Parmênides contrapõe o Ser – to on, on – aquilo que é e não muda; é sempre idêntico a si mesmo,
eterno, imperecível e invisível aos nossos olhos. A este Ser imutável, o
filósofo contrapôs o Não-Ser, o qual declarou não existir efetivamente, apenas
nas aparências.
Parte
da obra de Platão foi dedicada a resolver este antagonismo entre a filosofia de
Heráclito e a de Parmênides. Por um lado, Platão é influenciado pelo pensamento
de Heráclito no que se refere à natureza impermanente e imperfeita do mundo
material, sempre em mutação. Por outro, o pensador ateniense concorda com o
filósofo eleata de que para verdadeiramente conhecer o “Ser das coisas” a
filosofia deveria abandonar o mundo sensível – da aparência, da mutabilidade,
dos contrários – para se dedicar à esfera do Ser, do imutável. Nesta última imperam
a verdade, o conhecimento puro e a imutabilidade. O primeiro mundo, vislumbrado
por Heráclito, é a realidade sensível, é o reino das coisas, o mundo do
Não-Ser. O segundo, é o mundo das ideias ou das essências verdadeiras, o mundo
do Ser, como imaginado por Parmênides.
A
diferença básica entre Parmênides e Platão é que para o primeiro o mundo
sensível é o do Não-Ser em sentido efetivo, sem nenhuma realidade. Para Platão
o mundo do Não-Ser é um mundo real, mas que apenas é uma cópia daquele do Ser,
das Ideias ou Ideais. Este um dos principais aspectos do pensamento platônico:
para resolver a dicotomia entre o fluxo heraclitiano (o mundo da realidade
sensível) e a imutabilidade parmediana (o mundo da imutabilidade do Ser).
Platão introduziu o conceito das Ideias, que irá influenciar toda a filosofia
ocidental, notadamente a metafísica. Dentro desta visão, as coisas têm então
dois princípios: um sensível, sujeito à mutação e a desintegração e o outro inteligível
(as ideias) imutável perfeito e modelo para toda a realidade sensível. A partir
do século III o nascente cristianismo, influenciado pelo neoplatonismo,
construirá os alicerces de sua teologia com estas ideias elaboradas por Platão.
Mais
tarde, Aristóteles, discípulo de Platão, fará em sua obra "Metafísica" uma crítica das
posições dos cosmologistas, de Heráclito e de Parmênides, sem, inclusive poupar
o conceitos das ideias de seu mestre. Aristóteles introduzirá um novo
conceito do ser. Mas isto já é história para um próximo texto.
Bibliografia:
Chauí,
Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. Editora Ática: 2006, 424 p.
Souza,
José Cavalcante. Os Pré-Socráticos. São Paulo. Editora Nova Cultural: 1996, 319
p.
(Imagens: poesia concreta de Augusto de Campos)
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