O mundo sensível e ideal em Platão

sábado, 11 de abril de 2015
"No oitavo livro da Odisséia, lê-se que os deuses tecem desgraças para que às futuras gerações não falte o que cantar; a afirmação de Mallarmé 'O mundo existe para chegar a um livro' parece repetir, uns trinta séculos depois, o mesmo conceito de uma justificação estética dos males."  -  Jorge Luis Borges  -  Outras Inquisições

O princípio das coisas sensíveis, segundo Platão, tem origem no antagonismo entre o pensamento de Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Cada um dos dois pensadores, a seu modo, procurou dar uma explicação para o problema do ser.
Enquanto os filósofos cosmológicos como Tales de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro, buscavam um princípio do ser na própria physis, na natureza,  Heráclito de Éfeso colocou como princípio de todo o ser a mudança. “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, escrevia Heráclito. Todo o ser estava sujeito ao devir e em constante alteração cíclica. No final, todo o ser (a physis, a natureza) será destruído pelo fogo e então o processo começará novamente: “Por fogo se trocam todas (as coisas) e fogo por todas, tal como por ouro mercadorias e por mercadorias ouro.” (Heráclito, 1996).
Já Parmênides parte do princípio (talvez influenciado pelo pensamento de Pitágoras) de que o mundo das mudanças e das aparências é ilusório e é sobre ele que formamos as nossas opiniões, diferentes do conhecimento. A este quadro permanentemente mutável Parmênides contrapõe o Ser – to on, on – aquilo que é e não muda; é sempre idêntico a si mesmo, eterno, imperecível e invisível aos nossos olhos. A este Ser imutável, o filósofo contrapôs o Não-Ser, o qual declarou não existir efetivamente, apenas nas aparências.
Parte da obra de Platão foi dedicada a resolver este antagonismo entre a filosofia de Heráclito e a de Parmênides. Por um lado, Platão é influenciado pelo pensamento de Heráclito no que se refere à natureza impermanente e imperfeita do mundo material, sempre em mutação. Por outro, o pensador ateniense concorda com o filósofo eleata de que para verdadeiramente conhecer o “Ser das coisas” a filosofia deveria abandonar o mundo sensível – da aparência, da mutabilidade, dos contrários – para se dedicar à esfera do Ser, do imutável. Nesta última imperam a verdade, o conhecimento puro e a imutabilidade. O primeiro mundo, vislumbrado por Heráclito, é a realidade sensível, é o reino das coisas, o mundo do Não-Ser. O segundo, é o mundo das ideias ou das essências verdadeiras, o mundo do Ser, como imaginado por Parmênides.
A diferença básica entre Parmênides e Platão é que para o primeiro o mundo sensível é o do Não-Ser em sentido efetivo, sem nenhuma realidade. Para Platão o mundo do Não-Ser é um mundo real, mas que apenas é uma cópia daquele do Ser, das Ideias ou Ideais. Este um dos principais aspectos do pensamento platônico: para resolver a dicotomia entre o fluxo heraclitiano (o mundo da realidade sensível) e a imutabilidade parmediana (o mundo da imutabilidade do Ser). Platão introduziu o conceito das Ideias, que irá influenciar toda a filosofia ocidental, notadamente a metafísica. Dentro desta visão, as coisas têm então dois princípios: um sensível, sujeito à mutação e a desintegração e o outro inteligível (as ideias) imutável perfeito e modelo para toda a realidade sensível. A partir do século III o nascente cristianismo, influenciado pelo neoplatonismo, construirá os alicerces de sua teologia com estas ideias elaboradas por Platão.
Mais tarde, Aristóteles, discípulo de Platão, fará em sua obra "Metafísica" uma crítica das posições dos cosmologistas, de Heráclito e de Parmênides, sem, inclusive poupar o conceitos das ideias de seu mestre. Aristóteles introduzirá um novo conceito do ser. Mas isto já é história para um próximo texto.
Bibliografia:
Chauí, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. Editora Ática: 2006, 424 p.
Souza, José Cavalcante. Os Pré-Socráticos. São Paulo. Editora Nova Cultural: 1996, 319 p.
(Imagens: poesia concreta de Augusto de Campos)

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