Anti-intelectualismo?

sábado, 5 de janeiro de 2019
"Que coisa mais triste, tudo é tão triste - a gente passa a vida inteira feito bobo pra depois morrer que nem besta.“ - Charles Bukowski


Acompanhando manifestações aqui e ali, seja na imprensa, em programas de TV, nas conversas de rua, de supostos intelectuais e até de futuros membros do governo recentemente eleito, percebe-se uma crescente aversão a tudo que seja intelectualmente mais elaborado. Não que isso seja um fenômeno geral, mas esta oposição ao que não se compreende ou não se quer compreender porque é de difícil entendimento, parece estar aumentando no Brasil. 

São várias as razões que levam parte considerável da população a pensar desta maneira. Abaixo tentarei listar algumas: 

- O decrescente nível da educação - pública e também privada - no país, tem propiciado um certo distanciamento do cidadão médio da dita alta cultura. Foram-se os tempos em que nas escolas era ensinada a cultura clássica (grega e latina) e línguas como o latim e o francês. Até há pouco tempo o ensino da filosofia e sociologia era desincentivado, para posteriormente se tornar obrigatório e, recentemente, tornar-se facultativo. Com isso, o nível médio da educação e da cultura geral, acabou piorando. 

- Outro motivo é o tradicional encastelamento dos intelectuais, da grande maioria das pessoas que produzem conhecimentos, em suas torres de marfim - notadamente certas "figurinhas carimbadas" do setor acadêmico brasileiro. Ainda são raras as iniciativas de uma aproximação dos detentores de um certo saber - saber este que confere um prestígio social ao seu proprietário - do povo e de seus movimentos. 

- A diminuta oferta de aparelhos culturais; como museus, bibliotecas, centros culturais, teatros, salas de concerto, enfim, locais onde o povo possa tomar contato que a cultura produzida por todos as outras nações ao longo da história. Isto sem falar no baixo nível da mídia impressa em geral, nos últimos trinta anos. 

- Aliado a estes fatos, não necessariamente os principais, temos também o pouco incentivo que historicamente a cultura e o conhecimento receberam por parte do Estado. Todos os governos, sem exceção, apoiaram a educação e, principalmente a cultura, para satisfazer pressões de grupos que os apoiavam. O conhecimento, em raríssimas ocasiões, fez (e faz) parte da agenda dos governos. 

Este é assim o ambiente propício, do qual até formadores de opinião se aproveitam - sem falar de muitos políticos - para muitas vezes associar cultura e conhecimento elaborado, com discurso enganador, obtuso e até mentiroso. Forma-se a ideia, incentivada por muitos, de que os intelectuais e suas produções estão longe do povo; falam o que não é importante e têm ideias que não coadunam com a realidade, que muitas vezes são imorais. 

Criam-se condições para que, como no passado, as críticas ao status quo sejam taxadas de sabotagem, tentativa de iludir o povo, e assim por diante. Situação propícia para calar opositores e todos aqueles que, de uma forma ou outra, enxergam um horizonte um pouco mais amplo - seja na política ou na cultura - e que com suas manifestações possam colocar em cheque privilégios de grupos. Em suma, cria-se um ambiente cultural de conservadorismo retrógrado que aliena o país da cultura moderna ocidental. (Seria esta cultura mais uma manifestação de um “globalismo esquerdista”, como disse em outras circunstâncias uma futura autoridade do próximo governo?) 

(Imagens: pinturas de Stuart Davis) 


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