Pesquisa e desenvolvimento no setor de meio ambiente no Brasil

sábado, 26 de janeiro de 2019
"A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos."   -   Platão   -   citado em Filósofos que fizeram história, volume IV

(publicado originalmente no Manual de Transferência de Tecnologia Brasil-Alemanha 2009)


Introdução

O setor de meio ambiente no Brasil teve um desenvolvimento bastante longo. A industrialização do País inicia-se na segunda metade do século XIX, todavia de maneira bastante incipiente. Na década de 1930, durante o governo Vargas, aumenta a atividade industrial provocando os primeiros impactos nos recursos hídricos e nas florestas naturais remanescentes. Criam-se então os primeiros documentos legais especificamente voltados para a preservação dos recursos naturais; o Código da Águas (Decreto nº. 24.643/34) e o Código Florestal (Decreto nº. 2793/34).

Após a Segunda Guerra Mundial, capitais estrangeiros são atraídos pelo crescimento do País e pelas vantagens então oferecidas aos investidores. A partir dos anos 1950, a começar pela indústria automobilística e seus fornecedores, seguiu-se toda uma cadeia produtiva de metalurgia, produção de maquinas e equipamentos, acompanhada pelo aumento e diversificação da produção de bens de consumo. Para favorecer o crescimento dos diversos ramos da economia, o governo incentiva a expansão da infra-estrutura e a construção das primeiras refinarias de petróleo, base do desenvolvimento da indústria química e petroquímica, na década seguinte. Enquanto o processo de industrialização avançava, principalmente na região Sudeste, também ocorriam mudanças no campo. O início da mecanização da agricultura, aliada à criação de milhões de empregos nos grandes centros urbanos das regiões industrializadas, provocam um êxodo rural, que no intervalo de 30 anos (1950-1980) deslocará 30 milhões de pessoas dos campos para as cidades.

A economia brasileira e mundial apresenta um grande crescimento durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. A produção industrial cresce por todo o globo e o consumo alcança níveis nunca imaginados: surge a sociedade de consumo. A falta de uma legislação destinada a proteger o meio ambiente faz com que em todo o mundo apareçam os primeiros efeitos da degradação provocada pelo sistema econômico: rios poluídos por efluentes industriais e domésticos, montanhas de lixo sem nenhum tipo de tratamento, solos contaminados por substâncias tóxicas. Nesta época, o Brasil vivia a era do “milagre econômico”, conduzida por uma sucessão de governos ditatoriais militares, para os quais a questão da degradação ambiental não era tema de discussão. Havia uma urgência em fazer com que economia crescesse, mesmo que ao custo de impactos ambientais.

A crise do petróleo e a redução do crédito fizeram com que a economia mundial entrasse em um ritmo mais lento nos anos 1980. Ao mesmo tempo, crescia em todo mundo a preocupação com a preservação ambiental, tanto por parte de governos, quanto do setor privado. Nos vários fóruns mundiais ocorridos durante estes anos foram estabelecidas as diretrizes daquilo que posteriormente viria ser conhecido como o “desenvolvimento sustentável”.

No Brasil há o retorno da democracia e a chegada da crise econômica que – com altos e baixos – se estenderá até o início dos anos 1990. Durante as décadas de 1980 e 1990 a lei ambiental brasileira é aprimorada, visando limitar a ação econômica predatória. Esta preocupação com o meio ambiente culmina na Constituinte em 1988, quando é votada a nova Constituição do Brasil, contendo diversos artigos versando especificamente sobre a proteção ambiental. Atualmente, apesar de já existir um corpo de leis bastante desenvolvido, o controle ambiental ainda é insuficiente, dada extensão territorial e o desaparelhamento dos órgãos ambientais.   

A necessidade de conduzir as atividades econômicas com respeito ao meio ambiente fez com que se desenvolvesse todo um setor econômico, envolvido na produção de equipamentos e serviços destinados a corrigir e prevenir os efeitos da poluição.

Este setor, que de início só era voltado para o tratamento de água e efluentes, a gestão de resíduos e o controle da poluição atmosférica, passou a incorporar atividades preventivas como estudos de impacto ambiental, avaliações de risco ambiental, análise de ciclo de vida de produtos, entre outros tipos de serviços.

   
O mercado ambiental brasileiro

Não existem dados oficiais sobre o volume de investimentos em tecnologias ambientais no Brasil. Com base em um estudo, o Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasil-Alemanha estima que em 2007 este setor movimentou cerca de U$ 5,2 bilhões, em venda de serviços e equipamentos, nos setores público e privado. Estes valores se referem a investimentos novos e não incluem as obras de manutenção. Cerca de 20% deste valor (US$ 1,08 bilhão) referem-se às tecnologias importadas, cuja origem é a seguinte: cerca de 25% são originárias da França (US$ 270 milhões); 20% (US$ 216 milhões) dos Estados Unidos; 18% (US$ 194 milhões) da Alemanha e 12% (US$ 129 milhões) do Canadá. Os demais 25% tem origem diversa, como Inglaterra, Itália, Espanha, Japão e Coréia. Especialistas estimam que o setor de meio ambiente cresça de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos.

O setor de serviços e equipamentos para tratamento de água e efluentes domésticos e industriais, segundo mesmo estudo, movimentou cerca de US$ 2,3 bilhões em 2007, dos quais aproximadamente US$ 230 milhões (10%) foram importados.  A previsão de crescimento deste segmento é de cerca de 5% a 7% ao ano, durante os próximos cinco anos. O grande contratante de serviços e equipamentos de saneamento é o setor público, haja vista que iniciativas dos governos federais, estaduais e municipais são responsáveis por quase 70% do volume de investimentos deste mercado.

Este setor desenvolveu-se em grande parte por necessidades específicas da crescente indústria brasileira, nos anos 1950 e 1960, apesar de o setor publico sempre ter sido o maior comprador de equipamentos neste segmento. A indústria de saneamento tomou impulso a partir da década de 1970, quando o governo federal instituiu o PLANASA (Plano Nacional de Saneamento), criando as companhias estaduais de saneamento, a exemplo da SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro). Estas companhias estaduais – uma por Estado, ao todo 27 em todo o País atualmente incluindo o Distrito Federal – receberam as concessões das prefeituras, para assumirem os serviços de tratamento de água e de esgoto das cidades de seus Estados, durante um prazo de 25 anos. Com isso, atendem atualmente cerca de 3.800 municípios, de um total de 5.700 cidades em todo o País. As 1.700 municipalidades restantes possuem serviços de tratamento de água e esgotos autônomos ou privatizados.

Os investimentos no setor de resíduos totalizaram aproximadamente US$ 2,5 bilhões em 2007, incluindo o setor público e o setor privado. Especialistas do segmento estimam um crescimento de 5% ao ano, durante os próximos cinco anos. A exemplo do que ocorre com o saneamento, o setor de gerenciamento de resíduos é dominado por empresas brasileiras, tanto na prestação de serviços, quanto no fornecimento de equipamentos.  Este segmento desenvolveu-se em época posterior ao do das tecnologias de tratamento de água e de efluentes, já que a maior parte da legislação relacionada com o transporte, manuseio, recuperação e destinação final de resíduos só foi criada durante a década de 1980.

O transporte e a disposição das cerca de 110.000 toneladas diárias de resíduos domésticos gerados no País (calcula-se cerca de 0,60 kg de resíduo por habitante por dia), são de responsabilidade das prefeituras; a maioria em situação deficitária, impossibilitada de realizar novos investimentos. Para contornar este problema o governo federal e os governos estaduais instituíram linhas de crédito para ajudar as prefeituras menores a construírem aterros sanitários tecnicamente seguros, evitando problemas de contaminação. Todavia, ainda cerca de 30% dos municípios brasileiros não tem qualquer tipo de coleta de lixo e a reciclagem ainda é limitada. De acordo com dados publicados pelo CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, somente 405 municípios, representando cerca de 7% das cidades do país, tem programas de coleta seletiva. Mesmo assim, o país destaca-se na reciclagem de alguns tipos de embalagem, como latas de aço (índice de reciclagem de 47%); plásticos (20%); papelão ondulado (77%); pneus (73%); PET (51%); e latas de alumínio (94%).

Segundo números da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que congrega parte das empresas que atuam na coleta de resíduos sólidos, em 2005 foram gerados 69 milhões de toneladas de resíduos industriais (RSI). Desse total, 2,7 milhões são classificados como Classe I, ou seja, perigosos, com risco à saúde pública pelas suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade.

O sub-setor de controle da poluição atmosférica recebeu cerca de US$ 400 milhões em investimentos no ano de 2007. A maior parte da poluição atmosférica nas grandes cidades é causada em 85% por emissões veiculares.


Educação e Pesquisa

Não existem dados disponíveis quanto às atividades e volumes de investimentos em pesquisa no setor de meio ambiente. Considerando que o País investiu 1% de seu PIB em P&D no ano de 2006, resultando em cerca de US$ 8 bilhões em investimentos, estimamos os investimentos em P&D no setor ambiental em aproximadamente US$ 50 milhões em 2007, cerca de 1% do volume deste mercado.      
Um dos principais motivos desta falta de dados é a dificuldade em se estabelecer os limites entre as áreas de interesse das outras ciências e daquelas envolvidas com a questão ambiental. Por exemplo, um estudo sobre a predominância de certas espécies vegetais em determinada região, pode ser um estudo da área de biologia (botânica) ou pode ser um estudo da área ambiental, se envolver no tema a ação do homem em determinados biomas, afetando espécies. Outra dificuldade encontrada é estabelecer em que medida a pesquisa que está sendo realizada por determinada empresa ou universidade efetivamente é inédita ou repetição de estudos já anteriormente realizados por outras instituições.

Mais um aspecto das pesquisas na área de meio ambiente é que estas, devido a sua interdisciplinaridade, dificilmente se transformam em novos produtos e novas tecnologias especificamente direcionadas para o setor ambiental. As pesquisas realizadas por institutos de pesquisa como a EMBRAPA, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) ou universidades como a USP, por exemplo, passam a integrar conhecimentos de outras ciências, como a biologia, a química ou a geologia e se tornam material para novas pesquisas. Exemplo disto é o estudo realizado pela USP sobre o efeito dos raios ultravioleta e dos poluentes na fauna da Antártida, e o levantamento dos organismos que vivem nas regiões de fundo do Mar Antártico, temas estudados por pesquisadores de diversas áreas e que posteriormente serão utilizados como informações para outras ciências. Outro exemplo é de pesquisa financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), nas áreas de botânica e zoologia, realizadas nos vários biomas do Estado de São Paulo - principalmente a Mata Atlântica - e alguns outros biomas do Brasil. As áreas de interesse desta pesquisa são as mais variadas: biologia, química (desenvolvimento de novas matérias primas), medicina e meio ambiente. 

Especialistas apontam também para o fato de que existe ainda um grande distanciamento entre a universidade e o setor privado. Se por um lado, a maior parte das empresas não possui centros de P&D estruturados, o que dificulta a relação entre a empresa e o setor acadêmico, por outro somente 12% dos técnicos das universidades tem algum envolvimento com a indústria. Uma das alternativas encontradas para contornar tais dificuldades é o estabelecimento de parcerias onde a universidade identifica o parceiro ideal na academia para desenvolver pesquisas, que atendam às necessidades específicas da empresa interessada. O pacote é montado com direcionamento para o setor produtivo, totalmente focado no produto final a ser desenvolvido. Nestes casos pode se tratar tanto do registro de uma patente, como o desenvolvimento de pesquisa básica em laboratórios da própria universidade, quanto a formação ou identificação de mão-de-obra especializada para a área de atuação da empresa.   


Algumas pesquisas especificamente na área de meio ambiente realizados no Brasil envolvem projetos de análise de ciclo de vida de produto, estudos sobre projetos de crédito de carbono e emissões (no âmbito do Protocolo de Kyoto), indicadores biológicos de qualidade ambiental, eficiência energética, aproveitamento de diversos tipos de resíduos, estudos do impacto antrópico sobre biomas, biotecnologia aplicada ao combate à poluição, entre os principais identificados. A maior parte dos projetos de pesquisa é desenvolvida em universidades e institutos de pesquisa do governo. Empresas privadas do setor ambiental contribuem pouco com projetos de P&D.

O controle ambiental ainda é incipiente na maior parte do Brasil, apesar do esforço das agências ambientais, que lutam com a falta de recursos para equipamentos e capacitação de seus técnicos. Com menos controle, diminui a pressão sobre todos aqueles que exercem atividades econômicas potencialmente poluentes e assim cai a demanda por tecnologias de prevenção ou combate à poluição. Consequentemente também cai a demanda por novas tecnologias, em cujo desenvolvimento poderia contribuir a atividade de P&D no Brasil.

Assim, apesar dos incentivos governamentais, do financiamento do BNDES, entre outras vantagens oferecidas, cria-se a cultura de compra de tecnologias prontas no exterior, que muitas vezes não representam o estado da arte tecnológico. O desenvolvimento de tecnologias – inclusive na área ambiental – fica então limitado aos centros de excelência, constituído por empresas como a Petrobrás, a Natura, a EMBRAPA, a Copel e a Vale, entre outras poucas, já que a empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil adquirem suas tecnologia no exterior.
       
Dadas as condições deste setor, conforme relatado anteriormente, não existem dados sobre o número de patentes registradas. Especialistas da área consultados sobre este assunto estimam que são cerca de 10 as patentes registradas especificamente como do setor de meio ambiente, dentre as 384 registradas pelo Brasil em 2007. Da mesma forma para os artigos científicos, especialistas estimam seu número em torno de 200 exclusivamente sobre meio ambiente, dos 16.872 elaborados no Brasil no período 2004 a 2006. Estimado também é o número de doutorados voltados para a área de meio ambiente: cerca de 150 em 2007. Existem sete cursos de mestrado em gestão ambiental no Brasil, dos quais três em São Paulo. Cursos de doutorado em meio ambiente existem em cinco faculdades brasileiras.

(Imagens: pinturas de Peter Blake) 

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