Mudanças climáticas e o litoral de São Paulo (4ª parte - final)

sábado, 24 de agosto de 2019
"O inumano pode imitar o humano com perfeição sem deixar, no entanto, de sê-lo."   -   Jean Baudrillard   -   A troca impossível
        

4. Temperatura: onde estamos hoje?

A temperatura da atmosfera terrestre vem aumentando gradativamente a cada três a quatro anos; o aumento é cumulativo. No início de 2019 a Agência Espacial Americana – NASA anunciou que o ano de 2018 foi o quarto ano mais quente da história, desde quando as medições tiveram início há 140 anos. Até hoje, o ano mais quente da história foi o de 2016, seguido dos anos de 2017, 2015 e 2018. Ainda segundo a agência, a temperatura média da superfície do planeta subiu cerca de 1º C desde os anos 1880.

O objetivo de todo o esforço promovido pela ONU através de seu Acordo Climático, assinado por quase todos os países em 2015 em Paris, é de manter a temperatura global abaixo dos 1,5 graus Celsius até o final do século. Segundo o último relatório do IPCC, publicado em outubro de 2018, a ação do homem já provocou um aumento médio de 1,1º C na temperatura do planeta. Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, declarou à ocasião para a Agência FAPESP:

“Estamos em uma encruzilhada. Aquilo que for feito nos próximos cinco e dez anos será determinante para o clima no planeta neste e nos próximos séculos. Se não agirmos agora e conseguirmos obter reduções substanciais nas emissões ao longo da próxima década, será muito difícil manter o aquecimento global em apenas 1,5°C”.


5. E o nível do oceano?

Com relação ao nível do mar na costa brasileira, mais especificamente o litoral de São Paulo, “nada será como antes amanhã”, como diz a música de Milton Nascimento. Haverá um aumento cada vez maior segundo climatologistas, geógrafos e oceanógrafos, de tempestades, excesso de ventos, ressacas e, consequentemente, aumento do nível do mar. Prevê-se o aumento de furacões com velocidades acima dos 80 km por hora, principalmente no estado de Santa Catarina. Fenômenos como o ciclone ou furacão “Catarina”, ocorrido em Santa Catarina em final de março de 2004, com ventos alcançando até 180 quilômetros por hora, poderão se tornar mais constantes. Cabe observar que ventos em torno dos 80 km/h já deixaram de ser incomuns, mesmo no litoral Sul do estado de São Paulo.

A faixa mais propensa ao aumento do nível do mar na costa brasileira está na faixa litorânea entre o Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. No entanto, segundo especialistas a região litorânea do estado de São Paulo também preocupa. 

Segundo os especialistas, não há, para toda a costa brasileira, um valor médio de quanto subiu o mar nos últimos anos. O principal motivo desta ausência de informações é que não existe uma base de dados históricos comprovados, de qual era o nível do oceano nos diversos pontos ao longo da costa nos diversos períodos históricos. Segundo o IPCC, no mundo todo o nível dos oceanos subiu 1,7 mm (milímetros) a cada ano durante o século XX.


Na região de Santos, por causa da localização do porto, os dados da variação do nível do mar vêm sendo acompanhado por um período mais longo. Segundo os dados do mareógrafo instalado na região portuária, houve uma alta de 12 mm por ano nas últimas décadas, desde os anos 1940. Fatores diversos, como correntes trazendo areia de outras regiões, a movimentação dos navios, entre outros, explicam esta diferença entre a taxa de aumento mundial e a local.

A altura média das ondas também passou de cerca de 1m em 1957, para 1,3m em 2002, período em que houve também aumento da frequência de ressacas. A previsão é que em 10 anos (o estudo é de 2015) haja um aumento de 18 cm e que em 35 anos (2050) o nível das água do mar esteja 35 ou 36 cm acima do nível de 2000.

Segundo pesquisa de Celia Regina Gouveia, do Instituto Geológico do Estado de São Paulo, 51,5% das praias paulistas têm risco alto e muito alto de erosão costeira, isto é, de perder areia e sumir. Ainda segundo esta pesquisa, as praias do litoral Sul situadas entre os municípios de Mongaguá e Peruíbe correm grande risco de perder muita areia até meados deste século. Se nestas áreas ocorrer o mesmo aumento do nível do mar previsto para Santos (35-36 cm até 2050) muitas faixas de praia provavelmente desaparecerão. Em Peruíbe, por exemplo, é provável que a Praia do Centro seja engolida em alguns trechos.

O aumento do nível do mar, que já está ocorrendo e é claramente perceptível em regiões mais densamente povoadas estabelecidas perto do oceano, como no caso de Santos, já preocupa e mobiliza os especialistas. Em junho de 2018 Secretários de Meio Ambiente das cidades do litoral paulista se reuniram para discutir a situação e criar um fórum permanente para tratar do tema. Assinaram um manifesto no qual afirmam que “é preciso agir urgentemente contra os impactos das mudanças climáticas nas cidades costeiras diante de um ‘cenário sombrio’ de aumento do nível do mar, de tendência de alta de ressacas e de grave erosão costeira. Participaram da reunião representantes das cidades de Bertioga, Cananeia, Cubatão, Caraguatatuba, Guarujá, Iguape, Ilha Comprida, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos, São Sebastião, São Vicente e Ubatuba.

A única cidade do litoral brasileiro que já está implantando algumas poucas ações para fazer frente às mudanças climática é a cidade de Santos. Diretamente afetada em alguns de seus bairros, principalmente na Ponta da Praia, a cidade deverá fazer consideráveis investimentos ao longo dos próximos anos para se preparar para o inevitável fenômeno. As demais cidades do litoral de São Paulo, com limitados recursos financeiros e consultivos, pouco puderam fazer em relação ao assunto, além de organizar eventos para conscientizar a população.

Em outros países, administrações municipais já se preparam para o que está por vir. Segundo matéria publicada na revista Scientific American Brasil de junho de 2019, a cidade de Nova York planeja criar barreiras verdes, incrustadas de ostras, como proteção às ondas altas de tempestade, reduzir a erosão costeira e revitalizar o ecossistema local. Em outras regiões da Costa Leste dos Estados Unidos, prefeituras estão adquirindo terrenos e casas localizados em áreas sujeitas a inundações provocadas por tempestades, renaturalizando estas áreas. A ideia é preparar uma zona de proteção, formada por um ecossistema natural, entre a área de possível avanço do mar e a periferia da cidade.



Fontes consultadas:

WAGNER, Gernot, WEITZMAN, Matin L. As consequências econômicas de um planeta mais quente. Bertrand Editora. Lisboa: 2016, 295 p.

The Heartland Institute. Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Heartland_Institute> Acesso em 29/06/2019

Negacionismo climático no Brasil. Disponível em
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Negacionismo_clim%C3%A1tico_no_Brasil> Acesso em 29/06/2019

David Wallace Wells. Desastres em cascatas – O sistema climático sob o qual foi criada a civilização está morto. Publicado na revista Piauí 153 de junho de 2019, paginas 34 a 44.

IPCC faz alerta para a urgência de medidas de redução do ritmo das mudanças climáticas. Disponível em:
<http://agencia.fapesp.br/ipcc-faz-alerta-para-a-urgencia-de-medidas-de-reducao-do-ritmo-das-mudancas-climaticas/28899/> Acesso em 14/7/2019

Secretários de ambiente do litoral de São Paulo pedem ações contra mudança climática. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/06/secretarios-de-ambiente-do-litoral-de-sp-pedem-acoes-contra-mudanca-climatica.shtml> Acesso em 14/07/2019

Litoral paulista. Disponível em: <https://arte.folha.uol.com.br/ciencia/2018/crise-do-clima/litoral-paulista/no-litoral-de-sp-erosao-come-praias-e-ate-casas-inteiras-obras-buscam-protecao-contra-ressacas-mais-frequentes/>. Acesso em 14/07/2019

Estamos em uma situação de emergência. Disponível em: <https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-ambientais/cientistas-renovam-compromisso-com-o-estudo-das-mudancas-climaticas/>. Acesso em 14/07/2019

Risco de erosão é alto em 51% do litoral de São Paulo. Disponível em <https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,risco-de-erosao-e-alto-em-51-do-litoral-de-sp,70002344597>. Acesso em 14/07/2019

Sea level along the Brazilian coast are expected to rise in coming decades. Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/sea-levels-along-the-brazilian-coast-are-expected-to-rise-in-coming-decades/25560/>. Acesso em 15/07/2019


(Imagens: pinturas de Erich Heckel)

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