Nova economia e empregos verdes

sábado, 16 de maio de 2020
"Os homens, como os outros seres, não passam de uma parte da natureza, e ignoro como cada uma dessas partes combina-se com o todo, como ela se liga às outras."   -   Baruch Espinosa   -   Cartas XXX 


A pandemia do coronavírus ainda não é página virada, estamos longe disso. Na opinião dos especialistas nos encontramos provavelmente a meio caminho, tendo acumulado alguma experiência e à espera de uma vacina ou terapia para a doença. Após isso, será necessário imunizar a maior parte da população mundial. Ninguém sabe ainda como isto será possível e quanto tempo demandará. Até lá será necessário que governos saibam administrar o isolamento social e, na medida do possível, reduzir os danos inevitáveis à economia.

Já são numerosos os indícios que indicam uma mudança muito grande na economia. Países levarão anos até que recuperem a situação econômica que detinham antes da crise. Muitos setores serão abalados e outros talvez até deixem de existir ao longo dos próximos anos. Tudo, porém, ainda é uma grande incógnita. O que se sabe, todavia, é que a economia mundial não poderá continuar operando da mesma maneira como vinha fazendo até agora. Excesso de consumo e geração de resíduos – sólidos, líquidos e gasosos – vêm envenenando o planeta e extinguindo a biodiversidade – situação oportuna para o aparecimento de doenças.  

Órgãos internacionais, institutos de pesquisa, grandes empresas e lideranças políticas de todo o planeta, concordam que esta talvez seja a última grande oportunidade dada à humanidade para mudar seu relacionamento com a natureza e, talvez, seu próprio destino. Várias evidências colhidas ao longo dos últimos anos mostram que a economia, da maneira como vem sendo conduzida, levará à gradual exaustão dos mais importantes recursos naturais. Escreve o físico e professor inglês Martin Rees em seu livro “Hora final – alerta de um cientista”: “As espécies estão morrendo cem ou até mesmo mil vezes mais do que a taxa normal. Antes que o Homo sapiens entrasse em cena, aproximadamente uma espécie em um milhão se extinguia a cada ano; agora a taxa está mais perto de uma espécie em mil. Algumas espécies estão sendo mortas diretamente; porém a maior parte das extinções se deve a desdobramentos involuntários de mudanças provocadas pelos humanos no habitat, ou à introdução de espécies não nativas em um ecossistema.” (Rees, p. 114)

Além da depleção dos recursos naturais existe o grande tema da crise climática, devido ao aquecimento da atmosfera provocada pelas emissões de gases de efeito estufa. Será oportuno e necessário, portanto, mudar a maneira como produzimos e consumimos, pensando sempre nos milhões de trabalhadores que estão perdendo seus empregos na pandemia – só nos Estados Unidos foram 20 milhões até abril de 2020. A proposta já defendida por muitos especialistas há décadas é a gradual mudança para uma economia mais sustentável, com menos uso de recursos. Nesta nova economia as empresas incorporam metas de redução de insumos e energia, diminuem emissões de todos os tipos, promovem o consumo responsável de seus produtos, atuam de maneira socialmente responsável, entre outros pontos.

O potencial de geração de empregos em uma economia mais sustentável é maior do que na convencional. Além dos empregos já existentes, a nova economia demandará um maior número de profissionais, voltados às áreas da sustentabilidade. São os “empregos verdes”; postos de trabalho em áreas como:

- Agricultura com baixo impacto ambiental;
- Produção e manejo florestal;
-Geração e distribuição de energias renováveis (solar, eólica, biomassa, biogás, hidrogênio);
- Planejamento e gestão de resíduos (reuso, reciclagem, incineração, disposição);
- Atividades de medição, monitoramento e controle;
- Medidas de eficiência energética e de eficiência na produção; entre outras.

Os empregos verdes, segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) são, de maneira ampla, atividades na agricultura, manufatura, pesquisa e desenvolvimento, administração e atividades de serviços, que contribuem substancialmente para a preservação ou recuperação da qualidade ambiental. Incluem também atividades que ajudem na proteção a ecossistemas e à biodiversidade, redução do consumo de energia, água e materiais, através de estratégias diversas. Ocupações que concorram para a redução das emissões de carbono nas atividades econômicas e que diminuam a geração de resíduos.

Considerando somente o setor das energias renováveis, cuja utilização é cada vez maior em todo o mundo, o potencial já é bastante elevado. Nos Estados Unidos, por exemplo, antes da crise, a estimativa de crescimento do número de empregos no mercado da energia fotovoltaica era de 63% e na de energia eólica 57%. Um estudo do Political Economy Research Institute (Instituto de Pesquisa de Política Econômica) de 2019, informa que a cada U$ 1 milhão investido em atividades relacionadas com combustíveis fósseis, são gerados 2,65 empregos. O mesmo valor investido em energias renováveis ou eficiência energética, gera respectivamente 7,49 e 7,72 empregos. Segundo dados da Agência Internacional de Energia Renovável (IREA), existem atualmente 10,3 milhões de trabalhadores em todo o mundo atuando no setor de energias renováveis.

A nova economia tem grande potencial para geração de riqueza e de postos de trabalho. Somente nos Estados Unidos a economia verde movimentou 1,3 trilhões de dólares (cerca de R$ 7,5 trilhões em maio de 2020) e empregou 9,5 milhões de pessoas em 2019. No Brasil a economia verde empregava 2,6 milhões de trabalhadores (dados de 2012), segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O relatório também mostrou que à época cerca de 7% dos empregos formais estavam ligados à sustentabilidade e que a oferta de vagas nesta área estava crescendo cerca de 2% ao ano. Prova disso é o mercado de energia eólica. Apresentando um rápido crescimento ao longo da última década, este setor continuou em expansão mesmo durante a crise econômica que se iniciou em 2014, terminando o ano de 2019 com cerca de 200 mil postos de trabalho e em crescimento.

Estão em desenvolvimento diversos mecanismos que deverão contribuir para que a economia se torne mais sustentável. Governos da Europa, por exemplo, criaram o EU Green New Deal, (Novo Acordo Verde da União Europeia), sistema através do qual os países exigirão contrapartidas em investimentos “verdes”, das empresas que receberem ajuda financeira dos governos por conta da atual crise econômica. O Banco Mundial (WB) está elaborando propostas para direcionar as intervenções na economia, com o objetivo de recuperar a economia mundial em bases ambientalmente sustentáveis e com geração de empregos.

A retomada do crescimento, baseada em novos parâmetros, poderá trazer uma nova era de progresso e modernização tecnológica para a economia mundial. Mas isto exigirá determinação e sacrifício, tanto de governos quanto de empresas, pois é sempre mais fácil voltar às práticas antigas, o “business as usual”, como dizem os organismos internacionais. O Brasil poderá voltar a desempenhar um importante papel nesta nova economia, dado o potencial do país para as energias renováveis, a moderna atividade agrícola e a biodiversidade. No entanto, caso mantenha a mesma política em relação ao meio ambiente praticada pelo atual governo, o país não terá condições de participar desta nova economia.    


(Imagens: pinturas de Qi Baishi)  

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