O risco dos agrotóxicos

sábado, 28 de maio de 2022

 

"Em um sentido importante, consciência é saber que você sabe enquanto sabe."   -   Thomas Metzinger   -   The Ego Tunnel   


Nos últimos quarenta anos a agricultura brasileira vem se desenvolvendo e sofisticando cada vez mais. Fruto de pesquisas científicas, altos investimentos e do esforço de milhares de empreendedores, o setor agrícola – principalmente as grandes propriedades – se transformou em um grande negócio, o agronegócio, responsável por quase metade das exportações brasileiras. O Brasil é hoje um dos maiores fornecedores mundiais das chamadas commodities agrícolas, como a soja, o milho, o açúcar, o algodão e a carne de boi. As exportações destes produtos, principalmente para a China, têm ajudado a manter a balança comercial positiva e em 2022 vão ajudar a manter o crescimento do PIB em torno dos 0,7% – a previsão inicial era de 0,3%. Uma expansão muito baixa da economia brasileira, em comparação a outros países latino-americanos, que só se ampliou em 0,4% devido à crise alimentar mundial ocasionada pela guerra da Ucrânia, aumentando a demanda por alimentos.  

 

Uma agricultura de larga produção como a brasileira, precisa de vastas áreas para plantio, máquinas modernas para a semeadura e colheita, além de produtos químicos – fertilizantes, herbicidas e inseticidas – para proteger a plantação e garantir uma boa safra. Por este motivo o Brasil é, desde 2008, o maior consumidor mundial de defensivos agrícolas, também chamados de agrotóxicos. Estes produtos são bastante usados pelos grandes e médios agricultores, e por trás deles existe toda uma cadeia de produção, atrelada a campanhas de marketing e vendas técnicas, mantidas pelos grandes produtores – empresas de atuação global.

 

No entanto, os agrotóxicos apresentam uma série de efeitos colaterais. Quando são aplicados em excesso, acumulam-se no legume, na verdura e na fruta. Os animais e seres humanos ao ingerirem estes alimentos, acabam absorvendo também os agrotóxicos, o que pode causar problemas hepáticos, doenças de pele, disfunções hormonais, problemas reprodutivos, danos ao sistema nervoso e câncer. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por diversas vezes legumes e frutas coletados em feiras e supermercados apresentaram quantidades de agrotóxicos bem acima dos níveis permitidos pela lei. O maior perigo de contaminação ocorre no campo, com os próprios trabalhadores rurais. Uso inadequado dos produtos, falta de equipamentos de proteção individual (EPI), ausência de treinamento adequado, fazem com que ocorram milhares de casos de contaminação, de menor ou maior gravidade. Segundo matéria publicada no site Globo Rural em março de 2019, foram notificados 40 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no campo, entre 2007 e 2017 e ocorreram quase 1.900 mortes. Nos países em desenvolvimento, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocorrem anualmente cerca de 70 mil intoxicações agudas ou crônicas, por vezes seguidas de mortes.

 


A aprovação de diversos tipos de agrotóxicos pela ANVISA vem aumentando rapidamente desde 2019, durante o governo Bolsonaro. Foram aprovados 1.560 novos ingredientes ativos, somente entre janeiro de 2019 até fevereiro de 2021. Destes produtos registrados, pelo menos 37 são de uso proibidos na Europa e nos Estados Unidos, devido à sua toxicidade. O glifosato, por exemplo, é o agrotóxico mais usado no Brasil, mesmo sendo classificado como “provavelmente cancerígeno” pela Agência Internacional de Pesquisa Contra o Câncer (IARC). A atrazina, o segundo herbicida mais utilizado no país, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), é aplicado à cultura do milho. O produto, oficialmente associado a doenças como o Mal de Parkinson, câncer de ovário, próstata e infertilidade, é proibido na União Europeia e outros países desde 2004.

 

O acontecimento grave mais recente com relação aos agrotóxicos é o fato de que alguns fabricantes destes produtos estão cometendo várias irregularidades, que vão desde a adulteração da fórmula do produto, até o uso de matéria-prima com validade vencida. Várias linhas de produção destes produtos já foram interditadas pela ANVISA e o material, que estava prestes a ser distribuído, foi apreendido pelos fiscais da agência. Outro fato preocupante com relação aos agrotóxicos, é que por falta de uma regulamentação mais rígida, os fabricantes mantêm a produção e distribuição de produtos que já foram banidos em outros países. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, as importações de tais produtos vem aumentando, transformando a agricultura brasileira em mercado para marcas tecnologicamente ultrapassadas. De uma maneira geral, dos agrotóxicos aprovados pela ANVISA desde 2019, 32,8% são classificados como “extremamente tóxicos à saúde” ou “altamente tóxicos à saúde”; e 52% são “altamente perigosos ao meio ambiente” ou “muito perigosos ao meio ambiente”. Ambientalistas brasileiros há anos alertam o governo de que a legislação é muito branda em relação aos limites de toxicidade dos resíduos nos alimentos e que quantidades consideráveis de produtos poluentes acabam contaminando o solo, os cursos d’água e os lençóis freáticos.



A legislação mais recente em relação aos agrotóxicos é o PL 6299/02, chamado do que “PL do veneno” ainda está em tramitação no Senado. Se transformado em lei, facilitará o processo de aprovação e registro de novos ingredientes ativos usados na formulação de agrotóxicos. A notícia não é boa para os consumidores nem para os trabalhadores do setor agrícola em geral. O consumidor, alertado sobre o fato, precisará tomar mais cuidado com a preparação dos produtos que consumirá. Vale lembrar, no entanto, que os supermercados também são responsáveis pela qualidade dos produtos agrícolas que vendem. No mercado internacional, os compradores dos produtos agrícolas brasileiros ficarão mais cuidadosos e nossos concorrentes utilizarão o fato, para tentar colocar sob suspeita a qualidade do produto brasileiro.   


(Imagens: pinturas de Luigi Russolo)

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