Black Friday ou ainda Black Fraude?

sábado, 2 de dezembro de 2023


"Escuta a voz da Sabedoria, que te repete o dia inteiro: 'A vida é breve e tu não és como as plantas que reverdecem depois de podadas.'"   -   Omar Kháyyám   -   Rubáiyát


A Black Friday brasileira foi criada para aumentar as vendas do comércio no período que sucede o Dia da Criança e antecede o Natal. A promoção surgiu nos Estados Unidos, sendo tradição desde os anos 1950, quando a primeira sexta-feira depois do Dia de Ação de Graças – celebrado sempre na quarta quinta-feira de novembro – foi instituída como o dia do Black Friday. O nome, segundo especialistas, tem origem na expressão “from red to black”, do vermelho para o preto, já que as vendas nesta data faziam o balanço financeiro das empresas passar do vermelho (negativo) para o preto (positivo).

Existe outra versão sobre o surgimento da Black Friday, mais completa e explicativa. Esta diz que na dinâmica economia americana dos anos 1950 e 1960 havia um constante lançamento de novos produtos e modelos. Assim, para atender o poder de consumo da população – os Estados Unidos passavam por uma fase de pleno emprego – o comércio tentava esvaziar seus estoques de produtos e modelos “velhos” com as liquidações da Black Friday, para poder substitui-los por novas mercadorias e lançamentos, que seriam vendidos na época das compras de Natal. O consumo impulsionava o comércio e a indústria, gerando empregos e receita para o país através de impostos arrecadados, e mudando o balanço das empresas rapidamente "do vermelho para o preto". Eram os tempos do capitalismo industrial, voltado para a industrialização, bem diferente do atual capitalismo financeiro, que prioriza os títulos financeiros, a chamada “economia fictícia”. 

No Brasil, em tempos de lenta recuperação da crise econômica e consumo ainda reduzido, o varejo aposta no crescimento nas vendas, como já vinha acontecendo nos anos anteriores, apesar da economia ainda estagnada e da ameaça da Covid-19. A Black Friday deste ano ocorreu na sexta-feira, dia 24 de novembro, mas não despertou muito entusiasmo. Segundo dados preliminares, esta é a segunda pior promoção da história, registrando cerca de 13% de queda nas vendas. A Black Friday de 2022, no entanto, ainda foi pior que a de 2023, em termos de volume de faturamento e vendas. As promoções, que já vinham sendo feitas desde o início do mês e se estenderam durante alguns dias depois desta data, não chegaram a aquecer as vendas. 

O esforço é grande para recolocar a economia em movimento mais acelerado. O governo tenta retomar a industrialização num país que tem seu comércio inundado de produtos importados – muitos dos quais no passado eram fabricados pela indústria brasileira. Tempos difíceis, já que os empregos com melhores salários desapareceram junto com as indústrias que fecharam, enquanto que todos os trabalhadores perderam grande parte de seus direitos. Em uma economia onde se ganha mais aplicando o capital no mercado financeiro do que investindo em produção, não surgem muitos novos empreendimentos e postos de trabalho.    

Instituída no Brasil no início dos anos 2000, a Black Friday visava aumentar as vendas do comércio, sem, no entanto, poder oferecer descontos comparáveis às liquidações das lojas americanas. Ao contrário, nas primeiras edições da liquidação ocorreram vários casos onde produtos tinham seus preços aumentados semanas ou dias antes da anunciada promoção, para depois serem oferecidos a um preço menor durante a Black Friday. Este “preço especial da Black Friday” por vezes ainda estava acima do preço original do produto, antes de ter sido majorado.  Além disso, as liquidações chamaram atenção pelo acúmulo de outras irregularidades ocorridas: propaganda enganosa, produtos vendidos e não entregues, cobranças irregulares de taxas, mau atendimento, etc., etc. Com isso, pelo menos nas primeiras edições, a Black Friday brasileira acabou perdendo parte de sua credibilidade, sendo apelidada de Black Fraude. Enfim, tudo aquilo que o consumidor e o (também) cidadão brasileiro rotineiramente tem que aturar de empresas privadas e públicas, de diversas áreas.

Já antes do lançamento da Black Friday, com o objetivo de regulamentar o comércio de produtos e serviços, o governo criou o Código de Defesa do Consumidor, em 1991. Antes da aprovação desta lei, o consumidor não tinha a quem apelar quando ocorria alguma irregularidade com suas compras. Dependia da boa vontade do comerciante ou prestador de serviços em atender à sua reclamação ou, em casos extremos, era obrigado a acionar a empresa vendedora na Justiça, esperando muito tempo para fazer valer os seus direitos. O apelo à Justiça era, evidentemente, limitado aos consumidores que tinham recursos para custear um advogado. Ao pobre sobrava, como sempre, “reclamar ao bispo”.

A criação do Código de Defesa do Consumidor foi um avanço necessário, dada a complexidade da economia brasileira já antes de 1991. Por isso, muitos especialistas opinam que mesmo tendo sido criado há mais de trinta anos, o Código já chegou tarde à sua época. O desenvolvimento da economia, mais especificamente do comércio, já nas décadas de 1970 e 1980, demandava a implantação de uma legislação específica, já que então estes assuntos eram regulados somente pelo Código Civil, que datava de 1916. Atualmente, apesar da recente atualização do Código de Defesa do Consumidor em relação aos temas do endividamento e do comércio eletrônico, sua aplicação ainda não ocorre da maneira como o consumidor espera. 

A Black Friday, por sua vez, ainda apresenta problemas. Propaganda enganosa, atraso e falta de entrega de produtos são as maiores reclamações (https://blog.reclameaqui.com.br/black-friday-2022-mais-de-192-mil-reclamacoes-no-reclame-aqui/). A tendência é que haja uma gradual melhora em relação a este tipo de promoção, à medida que o consumidor tome conhecimento de seus direitos e lute por eles exigindo, reclamando e, se necessário, denunciando práticas irregulares e ilegais. 


(Imagens: fotografias de Susan Weiss Rose)

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