Minha opinião

quarta-feira, 31 de julho de 2024


 

Minha opinião

 

Quem tem mais de trinta anos, ainda lembra que nas laterais dos estacionamentos de muitos supermercados havia uma banca de jornal. Se não na área do mercado, nas imediações, em alguma esquina próxima, ou na frente de alguma padaria movimentada.  Era um ponto de parada para quem estava de passagem, à procura de algo interessante para ler ou folhear: jornais, revistas, livros; com temas científicos, esportes, automobilismo, religiões, economia, filosofia, literatura, etc., havia até publicações estrangeiras. As bancas de jornal eram pequenos centros onde se encontrava conhecimento e cultura.

Em São Paulo, além dos jornalões tradicionais como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Jornal da Tarde, encontrava-se também, entre os anos 1970 e 1980, publicações da imprensa alternativa (chamada “nanica”), tratando de política, cultura, humor e atualidades, como o Pasquim, Versus, Politika, Movimento, Opinião, Ex, entre outros. Todos de oposição à ditadura civil-militar então vigente no país. Havia também uma grande variedade de revistas, para todos os gostos, como Realidade (reportagens), Enciclopédia Bloch (temas científicos), Planeta (cultura alternativa), Manchete (atualidades), Senhor (jornalismo cultural), Veja (jornalismo), entre outras, e uma variedade de periódicos sobre os mais diversos assuntos. A Editora Abril publicava suas séries de livros “Os Pensadores”, “Os imortais da literatura”, “Os economistas”, que se tornaram campeões de vendas em suas várias edições. Outra editora, a Editora Três, havia lançado uma série de livros sobre esoterismo, magia e religiões orientais; assuntos que tinham grande aceitação entre o público jovem dos anos 1970.

Os grandes jornais que mais circulavam em São Paulo (Estado, Folha, Globo e Jornal do Brasil) publicavam cadernos culturais, encadernados nas edições de sábado e domingo. Suplemento Literário, do Estado; Ilustríssima, da Folha; Caderno B, do Jornal do Brasil e Segundo Caderno, do Globo, eram os mais famosos entre os anos 1970 e 1980. Neles, figuras de destaque da cultura nacional e internacional contribuíam com artigos sobre literatura, política, atualidades, economia, ciência. A crítica literária, com figuras como Otto Maria Carpeaux, Wilson Martins, Antônio Cândido, Álvaro Lins vivia então os seus tempos de grande prestígio entre o público leitor mais intelectualizado.

O contexto econômico e social dos anos 1970 e parte dos 1980 era diferente do atual. O capitalismo mundial ainda estava em expansão, a economia crescia, proporcionando uma melhora no padrão de vida mesmo aqui no Brasil, onde vivíamos os anos da ditadura. Apesar de grande parte da população ainda enfrentar dificuldades, formava-se, gradualmente, uma classe média que já dispunha de um padrão de vida suficiente, para que além dos itens básicos também pudesse consumir cultura. Na sociedade em geral, nos veículos de comunicação que se desenvolviam, como a televisão, o conhecimento e a cultura começavam a ser valorizados como instrumento importante para ascensão social e econômica. Observava-se assim, um aumento no número de editoras e livrarias entre os anos 1960-1980, como resultado do crescimento do número de estudantes em todos os níveis, e em função da melhora do poder aquisitivo da população em geral.

No entanto, depois das várias crises no setor editorial e livreiro brasileiro, o consumo de livros no Brasil não mudou significativamente ao longo dos últimos 20 anos. Segundo dados de pesquisas realizadas em 2022, 44% da população não leem e 30% nunca adquiriram um livro. Ainda segundo o Censo de 2022, apenas 16% das pessoas acima de 18 anos compraram algum livro nos 12 meses que antecederam a pesquisa. As classes A e B são as que mais compram livros; 34% da classe A e 25% da classe B adquirem livros, enquanto apenas 13% da classe C e 5% das classes D e E têm este hábito. 

Falta de incentivo nas escolas, além das dificuldades que ainda persistem na alfabetização dos alunos; ausência de apoio por parte dos órgãos governamentais e dos meios de comunicação através de campanhas educativas; alto preço dos livros (não há edições populares a preços acessíveis) e competição com outras formas de entretenimento como a televisão e, principalmente nos últimos anos, as mídias sociais, são considerados os principais motivos pelos quais o consumo de livros não aumentou e agora parece estar caindo. Segundo o professor Luis Rohden, decano da Escola de Humanidade da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul), “a leitura demanda um esforço, uma concentração, uma dedicação, que muitas vezes nós não temos. Então esse espírito de rapidez, de agilidade, que as mídias nos colocam, nos impede de ter um tempo de maturação, onde possamos ruminar nesse sentido”.

Outra opinião é a do jornalista e editor gaúcho Rafael Guimarães, que em declaração ao site Brasil de Fato disse: “O livro é um fabricante de memória, assim como os jornais. A questão da efetiva democratização da informação, nos dois casos, é mais complicada. Os livros ainda são restritos e os jornais, no caso do Brasil, são vinculados a grupos com interesses econômicos e políticos bastante específicos. Muitas vezes, misturam a informação jornalística, que é de interesse público, com os interesses do proprietário. Talvez por isso estejam perdendo leitores para as redes sociais, o que é preocupante. Vemos os tais influencers, muitos sem qualquer preparo, produzindo para milhões de pessoas conteúdos irrelevantes, que muitas vezes reforçam preconceitos, ou atuam na área da fofoca e do culto a celebridades fabricadas pelos escritórios de gestão de imagem.”.

O celular se tornou o principal instrumento de contato com o mundo e na obtenção de informações e formação de opinião para grande parte da população, substituindo o livro em muitos casos. É comum ver pessoas absortas, esquecidas do que acontece à sua volta, com os olhos fixos na tela do celular. Todavia, o uso excessivo desta nova tecnologia, que afeta nosso cérebro de forma ainda pouco estudada, “contribui para que as pessoas se comportem cada vez mais como máquinas, mimetizando o funcionamento de computadores e perdendo peculiaridades analógicas de empatia, solidariedade e respeito à opinião alheia”, segundo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, em entrevista ao jornal do site GGN. Por isso é significativo o fato de que muitos empresários do Vale do Silício, epicentro da economia digital, proíbam seus filhos de fazer uso excessivo destas tecnologias. Bill Gates, criador da Microsoft, limitou o uso de celulares e o tempo de tela de seus filhos, conforme reportagem do jornal El Pais, publicada em 2019. O mesmo fazia o já falecido Steve Jobs, criador da Apple, que em entrevista ao jornal The New York Times em 2010 dizia que restringia o uso destas tecnologias para seus filhos, e que os proibia de usar o então recém-criado iPad.

Em livro publicado em 2020 intitulado “A fábrica de cretinos digitais” o neurocientista Michel Desmurget afirma que a “geração digital” é a primeira a ter um QI (quociente de inteligência) inferior ao dos seus país. Os dados foram coletados em uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde na França. Ao longo das gerações pesquisadas em várias partes do mundo há décadas, observou-se que o QI dos mais jovens sempre tendia a ser um pouco mais alto do que o das gerações mais velhas. Em seu estudo, Desmurget constatou o contrário. Em entrevista ao jornal eletrônico BBC, o cientista declarou que “infelizmente, ainda não é possível determinar o papel específico de cada fator, incluindo, por exemplo, a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) ou a exposição a telas. O que sabemos com certeza é que, mesmo que o tempo de tela de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.”.

Não é por outra razão que países educacionalmente mais avançados, e onde o Estado leva em consideração a individualidade do cidadão, como a Finlândia e a Suécia, os equipamentos digitais estejam sendo gradualmente abandonados, voltando-se ao bom e velho livro, à caneta (ou lápis) e aos cadernos. Pesquisas confirmam que a prática da escrita manual com algum tipo de instrumento para escrever – técnica em uso há pelo menos 5.500 anos desde a antiga Suméria – contribui no desenvolvimento de certas partes do córtex cerebral. Ainda em relatório recente de 2023, antevendo futuros problemas, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura) sugeriu banir os celulares das salas de aula.

A tecnologia, seja qual for, deve ser sempre usada com reservas. Nenhuma delas incorpora apenas aspectos positivos e não é panaceia para resolver (quase) todos os problemas que enfrentamos. É o caso, por exemplo, do entusiasmo – em grande parte resultado de uma campanha publicitária bem arquitetada – que a sociedade mundial está demonstrando em relação à inteligência artificial, a famigerada “IA” ou “AI”, como dizem os americanos e os americanizados. Jonathan Crary, professor e ensaísta americano, nos alerta para os efeitos destas tecnologias em seu livro “Terra arrasada: Além da era digital, rumo a um mundo pós-capitalista”. Segundo o autor, um dos funestos aspectos destas tecnologias é o sua característica de domínio, atuando em benefício de grupos políticos e econômicos que as controlam através dos algoritmos, em detrimento da maior parte da população mundial.

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