Capitalismo e a questão ambiental

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Nos últimos sessenta anos, o capitalismo passou por várias mudanças. Até o inicio da década de 1960 cabia ao mundo capitalista – ou do que havia sobrado dele depois da Segunda Grande Guerra – como tarefa principal a reconstrução das economias européia e japonesa. Assim, os países aliados liderados pelos Estados Unidos (a nação mais capitalizada ao final do conflito) criaram o Plano Marshall, que visava destinar recursos para a recuperação da infra-estrutura e do setor industrial dos países envolvidos no conflito. O principal objetivo do Plano era fazer frente a um possível avanço do domínio soviético; era o início da Guerra Fria em seu aspecto econômico, a luta do capitalismo contra o comunismo. Os investimentos ajudaram a recuperar os setores de infraestrutura e industrial da Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Japão. Construíram-se novas indústrias, mais modernas e com maior produtividade, vários segmentos industriais introduziram a linha de produção em série e muitas empresas passaram a estabelecer padrões de qualidade. Nos Estados Unidos, este período do pós-guerra foi posteriormente chamado de “os anos dourados do capitalismo”. A indústria crescia rapidamente, movida pelo aumento do consumo e pelos baixos preços das matérias-primas (devido à valorização do dólar à época), inclusive do petróleo – a mais importante matéria-prima do sistema econômico, matriz de uma longa cadeia de produtos e combustíveis.

Os países não industrializados e não pertencentes ao bloco soviético eram então chamados de países do Terceiro Mundo. Estes continuavam – assim como nos séculos anteriores – como grandes fornecedores de matérias-primas destinadas aos mercados industrializados (EUA, Europa e Japão). Durante a década de 1950 muitos destes países foram incorporados à estratégia de descentralização encetada pelo capitalismo (isto é, por seus agentes, as grandes empresas). É deste período o estabelecimento de fabricas de automóveis, máquinas, equipamentos e produtos químicos em países com o Brasil, a Argentina, o México e a África do Sul, onde havia mão-de-obra e insumos baratos, além de incentivos de diversos tipos oferecidos pelos governos destes países. Assim, o sistema capitalista expande-se, entrando em uma nova fase de produção através da incorporação de novos mercados, o que acabou proporcionando maior volume de negócios no mercado global. Este período de crescimento da economia mundial estende-se até a década de 1980.

Novas mudanças ocorrem no final da década de 1980. O quadro agora já é bastante diferente: as grandes economias estão recuperadas da catástrofe da 2° Guerra, seus setores industriais cresciam e se sofisticavam e a economia mundial já havia passado por duas crises do petróleo (aumento unilateral dos preços do petróleo bruto). Paralelamente, são cada vez maiores os avanços tecnológicos, tanto no processamento eletrônico de dados (informática), quanto na automação do processo produtivo (robotização). Por outro lado, aumentam as pressões sobre a indústria, seja pela opinião pública ou leis ambientais recém-criadas. Em 1987 o “Relatório Brundtland” representa a preocupação de diversos setores sociais quanto aos rumos do capitalismo em seus aspectos ambientais e sócio-econômicos.

Fora do Primeiro Mundo a situação é diferente. Os países do bloco soviético enfrentam uma grande crise econômica e política, que em seu desenvolvimento acaba precipitando a queda do regime comunista na União Soviética e em seus satélites. O ápice do processo é a queda do Muro de Berlim, em 1989, considerado por décadas a simbólica divisa geográfica entre o mundo capitalista e socialista. Ao mesmo tempo em que submergia definidamente o sistema socialista, a crise econômica afetava os países do Terceiro Mundo: alta inflação e incapacidade de honrar dívidas, contraídas no mercado financeiro internacional, afetavam muitas economias, inclusive a brasileira. A queda do Muro de Berlim – e, evidentemente, todas as suas implicações socioeconômicas – provocando a abertura das ex-economias socialistas à economia de mercado, ocasionou uma grande mudança nos rumos de desenvolvimento do capitalismo.  

A economia de mercado adquire a hegemonia mundial, provocando a abertura das economias de países também do Terceiro Mundo. É a época do neoliberalismo, do “Consenso de Washington”, dos reaganomics do governo de Ronald Reagan e das reformas político-econômicas promovidas pela primeira-ministra Margareth Thatcher, na Inglaterra. No Brasil a economia passa por uma série de mudanças, que, de certa forma, refletem o ambiente do capitalismo no mundo inteiro, durante os últimos anos da década de 1980 e inicio dos anos 1990, tendo em vista as mudanças já mencionadas:
- Abertura das economias, queda das barreiras comerciais, fluxo de capitais;
- Estado deixa de ser indutor do desenvolvimento econômico, início do processo de privatização;
- Democratização dos governos, valorização crescente da economia de mercado;
- Crescente introdução da informática e robótica e rápido desenvolvimento das telecomunicações (internet e telefonia móvel);
- Crescente preocupação com a questão ambiental e proteção do consumidor;
- Aumento da preocupação com a qualidade, primeiros processos de certificação.

A segunda metade dos anos 1990 e os primeiros anos do século XXI representam uma ampliação e aprofundamento deste processo. Ocorre um aumento generalizado do comércio internacional, do fluxo de capitais de investimento, globalização e maior descentralização das unidades produtivas, aumento exponencial das comunicações. A China desponta como a grande economia do século XXI, reunindo e ampliando todos os grandes problemas ambientais e sociais característicos do capitalismo, desde suas origens no final do século XVIII:
- Geração de energia à base de combustíveis fósseis (carvão mineral e petróleo), altamente poluentes e causadores do efeito-estufa;
- Uso intensivo e exaustão de recursos naturais, como água, solo e biosfera;
- Produção maciça de bens de consumo descartáveis;
- Criação de uma mentalidade voltada para o consumo inconseqüente;
- Exploração da mão de obra através de baixos salários;
- Prepotências das elites governamentais e empresariais, entre outros.

Apesar do ritmo acelerado em que o sistema vem se desenvolvendo (mesmo com o curto hiato causado pela crise econômica iniciada em 2008), exaurindo os recursos naturais, ainda é possível alterar curso e reduzir o ritmo da destruição ambiental. Não há, todavia, possibilidade nenhuma de reverter o processo de extinção de espécies, iniciado há aproximadamente 10.000 anos, com a introdução da agricultura, o surgimento das cidades-Estado e o aumento gradual da população. Este processo se acelerou definitivamente há 200 anos com o inicio da industrialização. Com relação a isso, a maioria dos biólogos está de acordo que o processo de extinção de espécies, provocado pelas atividades humanas e a conseqüente destruição de habitats naturais, é quase igual às destruições em massa ocorridas em outros períodos da historia geológica da Terra, como a grande destruição do Permiano há 250 milhões de anos e a do Cretáceo há 60 milhões de anos.

Deste modo, segundo muitos especialistas, o processo de exaustão dos recursos naturais pode ser desacelerado – através de uma série de providências na produção e na distribuição – mas não pode ser definitivamente estancado, mesmo com vontade política e boas tecnologias. O aspecto mais grave em toda a degradação ambiental é o impacto dos fenômenos que a acompanharão: furacões, aumento do nível do mar, secas e inundações com todas as suas conseqüências sócio-econômicas – fomes, guerras, migrações em massa, doenças, entre outros.
O homo sapiens é muito provavelmente a espécie que provocou o maior impacto sobre o restante dos seres vivos da Terra. Como espécie, desenvolvemos maneiras de nos adaptar ao meio ambiente, baseadas na herança cultural. Tipos de instrumentos e ferramentas, já usados em formatos primitivos por certas espécies de símios, foram aprimorados junto com o uso do fogo e da criação de relações sociais complexas. Foi graças à criação e o desenvolvimento da cultura – transmitida através de uma linguagem gradualmente aprimorada – que evoluímos além dos outros animais. Olhando sob esse aspecto, podemos dizer que as origens de todas as nossas máquinas estão no machado de pedra. Da mesma forma, as mais avançadas pesquisas científicas e produções culturais iniciam-se ao redor do fogo, durante as escuras e frias noites do Paleolítico.

O desenvolvimento da cultura humana proporcionou a criação da agricultura, da navegação, da domesticação dos animais, das ferramentas, das religiões e das culturas, da organização social (o Estado), até chegarmos à sofisticação do capital social no qual hoje vivemos. Neste estágio, exercemos um impacto considerável no meio ambiente através de nossa atividade econômica. Os principais impactos que estamos provocando na biosfera são:
a) Destruição dos últimos biomas intactos, destruindo espécies vivas em um ritmo cada vez mais rápido;
b) Poluição dos estoques de água;
c) Contribuímos para acelerar o processo das mudanças climáticas através das emissões dos gases de efeito estufa – principalmente metano (CH4), dióxido de carbono (CO2) e clorofluorocarbono (CFC).

A própria lógica do sistema capitalista requer que cada vez mais aumente o ciclo de produção de mercadorias. Armando de Melo Lisboa, em seu texto “A Crítica de Karl Polanyi à Utopia do Mercado”, escreve: “O valor é determinado pela escassez. Ele precisa da escassez em alguma medida para se manter elevado. Por isto, o capitalismo é um sistema de criação de desejos e produção de necessidades; é uma civilização fundada no consumismo e no desperdício, sobre processos de obsolescência planejada (as mercadorias não são produzidas para serem consertadas, mas para serem substituídas quando apresentarem defeitos). Esta destruição sistemática de riquezas é intrínseca à racionalidade econômica moderna.” (Lisboa, s.d., pg. 4). As empresas, para sobreviver, precisam ter ganho de escala, colocando cada vez maiores quantidades de produtos no mercado. Por outro lado, o consumidor, através da propaganda, é incentivado a consumir cada vez mais de uma gama cada vez maior de produtos. O sistema econômico baseia-se no consumo e acaba criando sua demanda através de bem elaboradas campanha de marketing. Em outras palavras, o consumidor é induzido a consumir para que as empresas – ou grande parte delas – possam continuar vendendo seus produtos, existindo. Esta lógica, no entanto, aumenta cada vez mais o consumo de energia, insumos e matérias primas, obtidas à custa dos recursos naturais.
O problema da exaustão da natureza, seja devido à atividade industrial ou por causa das atividades agrícolas, já vem sendo estudado desde a década de 1960. O Clube de Roma, já naquela época, lançou um alerta a toda a humanidade. A Conferência de Estocolmo em 1972, o Relatório Brundtland em 1987, a Conferência do Rio em 92 e de Johanesburgo em 2002; todas, com diferentes graus de detalhes e propostas, abordaram o tema sustentabilidade. Como resultados destes encontros foram desenvolvidos conceitos como os da ecoeficiência, produção mais limpa, gestão ambiental, eficiência energética, entre outros. Muitos destes sistemas estão sendo aplicados em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil. Paralelamente, de forma variada, os países desenvolveram legislações ambientais, criaram órgãos de controle e assinaram acordos mundiais, visando reduzir a poluição (acordo de Montreal, Protocolo de Kyoto, entre outros).

Já existem diversas tecnologias disponíveis, capazes de reduzir o impacto das atividades econômicas sobre o meio ambiente. Nos últimos vinte anos, o foco tem mudado do conceito de “final de tubo” - a reparação dos danos ambientais já causados - para uma visão direcionada à precaução – evitar os danos antes que eles aconteçam. Prever e evitar a poluição – o desperdício de matérias-primas, insumos e energia – pode ser evitado através da introdução de sistemas racionais de gestão das atividades econômicas. Todavia, o grande dilema é que cada vez mais continuaremos a utilizar recursos naturais. Mesmo que as tecnologias sejam as menos poluidoras possíveis (no sentido de não se dissipar matérias primas, recursos e energia), sempre continuaremos a retirar nossos insumos da natureza. Por outro lado, por mais que reciclemos, não será possível reciclar 100% dos materiais. A acumulação de entropia no sistema só tenderá a aumentar, forçando-nos no futuro a optar pelo que efetivamente deverá ser preservado.

A partir do momento em que passamos a depender de recursos que não se renovam – a maior parte deles por sinal – nos tornamos irremediavelmente insustentáveis. No futuro, quando tivermos usado todos os nossos recursos, chegaremos a um ponto em que precisaremos procurar outras fontes. Será que então apelaremos para os minérios da Lua ou de Marte?

BIBLIOGRAFIA
Foster, John Bellamy, A Ecologia de Marx – Materialismo e Natureza, Editora Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2005, 418 pags.
Lisboa, Armando de Melo, A Crítica de Karl Polanyi à Utopia do Mercado, disponível em acessado em 10/04/08
Penteado, Hugo, Ecoeconomia – Uma nova abordagem, Lazuli Editora: São Paulo, 2003, 239 págs.
Wright, Ronald, Uma Breve História do Progresso, Editora Record: Rio de Janeiro, 2007, 238 pags.

2 comments:

Unknown disse...

OTIMO TEXTO

Unknown disse...

interessante, embora existem recursos biológicos e renováveis que substituem diversas matérias primas, e isso gera lucro para ambos os lados, sociedade, empreendedor e meio ambiente. Assim é possível fazer a relação, e já existe, de capitalismo ambiental. Sou técnico na área, e faço estudos a mais ou menos 4 anos em relação a isso.

Postar um comentário