População e recursos

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
 "Vivemos em um único mundo, não dois, très, ou 27. A principal tarefa de uma filosofia ou ciência da consciência, neste momento, é a de demonstrar como a consciência é uma parte biológica deste mundo, da mesma forma que a digestão, a fotossíntese e todo resto dele."  -  John R. Searle  -  O mistério da consciência

Historicamente sabemos que sempre houve povos e nações dominados e dominadores. O antigo império egípcio, ao longo de seus quase 4 mil anos de existência, dominou e assimilou vários outros povos à medida que foi expandindo suas fronteiras. Assim também ocorreu com o império assírio, persa, romano, bizantino, mongol e muitos outros, sobre os quais temos poucas informações ou nunca teremos nenhuma. Geralmente, foram os povos ou estados tecnologicamente mais desenvolvidos ou aqueles politicamente mais organizados, que dominaram os outros lhes impondo sua cultura, junto com as demais estruturas sociais e econômicas. Ocorria também que uma nação ou povo tecnologicamente menos avançado dominava outros pelas armas, mas acabava absorvendo-lhe a cultura, como ocorreu durante o período da migração dos povos bárbaros (séculos IV-VII), quando visigodos, ostrogodos, vândalos, francos e vários outros grupos germânicos acabaram absorvendo a cultura do então decadente império romano.
Outro aspecto é que não é possível dizer que todos os povos dominados acabavam adquirindo o mesmo padrão cultural, tecnológico ou de organização social de seus dominadores. O estilo de vida na Londinium (Londres) romana era bem mais primitivo do que na cosmopolita Roma. O padrão de vida da cidade de São Salvador da Bahia, capital do Brasil em grande parte do período colonial, não era o mesmo de Lisboa. Este tipo de diferença entre o “centro” e a “periferia” se repete ao longo de toda história.

No entanto, depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 60 do século XX, quando Bélgica, França, Inglaterra e Portugal perderam suas últimas colônias na África e na Ásia, a humanidade entrou em um período novo. Não havia mais – pelo menos não de uma maneira oficial – nações dominadas por outras. Estávamos então em pleno período da Guerra Fria e havia uma divisão ideológica, que praticamente separava o mundo entre zonas de influência dos Estados Unidos e outras sob domínio da União Soviética. Sob o aspecto econômico, a expansão mundial do capitalismo fazia com que cada nação procurasse melhorar as suas condições sociais e econômicas, dentro das oportunidades de trocas comerciais oferecidas pela economia mundial. Foi por essa época que os especialistas dos órgãos internacionais de financiamento (FMI e Banco Mundial) dividiram as nações em três categorias: a) O primeiro mundo, formado pelas nações desenvolvidas, todas ela industrializadas e sede da maior parte das companhias multinacionais; b) O segundo mundo, formado pelos países socialistas, a União Soviética e suas nações satélite; c) O terceiro mundo, formado pelas nações pobres ou em desenvolvimento, que se alinhavam, de uma maneira ou outra, aos Estados Unidos ou à União Soviética.
Um dos aspectos da Guerra Fria é que ambos os lados – Estados Unidos através do capitalismo e a União Soviética através do socialismo – prometiam a melhoria das condições sociais e econômicas, desde que os países seguissem seu receituário econômico-ideológico; o capitalismo ou o socialismo. Foi o período do "desenvolvimentismo", que criou em grande parte dos países uma profunda expectativa de melhoria do padrão de vida, baseada na industrialização, criação de empregos e no consumo de bens.
No final dos anos 1990, com a queda do império soviético, ruiu o mundo socialista e o capitalismo tornou-se hegemônico. Os ideólogos prometiam uma era de grande prosperidade para todas as nações. Abriam-se os mercados, caiam as barreiras alfandegárias, as empresas transnacionais estabeleciam-se nos países em desenvolvimento e nos países pobres, à procura de matérias primas, mão de obra barata e maior proximidade de novos mercados consumidores. Paralelamente, criou-se uma grande expectativa nestas nações: a possibilidade de ter acesso a bens de consumo os quais, até aquele momento, só haviam estado disponíveis para os consumidores dos países ricos – a “periferia” queria consumir como o “centro”.
No entanto, em paralelo a todas estas transformações sociais, econômicas e políticas, toma cada vez mais forma a questão ambiental; a gradual escassez dos recursos, o problema da destruição dos ecossistemas e a mudança das condições climáticas. Todos estes fatos têm a ver com o consumo. Quanto mais pessoas consumirem – principalmente no velho modelo econômico que permanece inalterado desde as origens da revolução comercial (século XVI) e industrial (século XVIII) – tanto mais rápido serão usados e destruídos os recursos e os ecossistemas.

Assim, o desenrolar da história nos mostra que até praticamente o final da Segunda Guerra, nem todos os povos tinham autodeterminação, sendo em parte dominados por países europeus. Desta forma, não tinham liberdade política ou econômica. Depois da 2ª Guerra há o confronto entre duas ideologias – o capitalismo e o comunismo -, cada uma prometendo vida melhor aos cidadãos dos diversos países, desde que aderissem ao seu credo. O “desenvolvimentismo” cria nas populações a expectativa de consumir mais e melhor; idéia aprofundada com a “vitória” da economia de mercado depois da queda do Muro de Berlim - e suas repercussões sociais e econômicas. Conseqüência: hoje, em todos os países, as pessoas se consideram “livres” para consumir. Mas, como é possível a convivência desta nova “ideologia do consumo” – depois que acabaram todas as ideologias políticas – com o problema da crescente escassez de recursos?
Alguns teóricos interpretam esta situação como sendo formada por dois problemas morais:
1) Os pobres têm o direito – assegurado até pela Declaração Universal dos Direitos do Homem – de melhorar seu padrão de vida. Isto quer dizer que brasileiros, indianos, sul-africanos e chineses têm o direito de ter o mesmo conforto e bem estar de um cidadão suíço, alemão, sueco ou americano.
2) Por outro lado, não é possível que mais de 6 bilhões de pessoas tenham o padrão de consumo de um europeu – ou pior – de um americano. Caso isto ocorresse, tal patamar de consumo comprometeria de tal maneira os recursos naturais e os biomas, que arriscaria o bem-estar das gerações futuras; talvez até a sobrevivência da humanidade.
Hoje já é consenso de que estes dois problemas morais estão interligados. As providências mais imediatas para sua abordagem, incluem:
a) Mudança profunda no sistema de produção e distribuição dos bens. Melhor uso dos recursos e eliminação do supérfluo. Para introduzir estas mudanças, é necessário contar com a colaboração dos grandes grupos econômicos, quase todos pertencentes (ou com sede) nos países ricos;
b) Mudança no padrão de consumo, com alteração das expectativas em relação ao ato de consumir. Este tipo de mentalidade já está lentamente surgindo nos países desenvolvidos, onde as necessidades básicas do ser humano (como alimentação, vestuário, habitação, saúde, instrução e trabalho) estão em grande parte sendo atendidas.
Mas, o que dizer dos países em desenvolvimento e dos países pobres, onde o consumo aumenta cada vez mais, em grande parte para suprir necessidades reais ou fictícias não atendidas no passado – e que agora com a publicidade se tornam “necessárias”? Como fazer face a um consumo que é substituto de serviços sociais não oferecidos pelo Estado, como transporte e outros? A questão não tem solução imediata.

Argumentam muitos de que os países pobres e em desenvolvimento precisam aumentar seu consumo para que todos alcancem um padrão de vida aceitável. Em paralelo, é necessário criar estruturas de serviços e de proteção social, aliadas às campanhas publicitárias, que reduzam o consumo excessivo e o direcionem para bens intangíveis (serviços, cultura, etc.).
Mas, o que será dos ricos, se os pobres consumirem menos? O que farão os grandes grupos econômicos, dos quais a maior parte dos lucros é agora gerada pelo consumo em países pobres?
(imagens: Johann Moritz Rugendas)

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