Economia em alta, vida em baixa

segunda-feira, 28 de março de 2011
"Nós já não temos que nos defrontar com a pergunta: "Por que, em geral, existe alguma coisa?", senão com a resposta: "Existe alguma coisa e somente ela faz sentido".   -   Jean-Luc Nancy -  O sentido do mundo

Apesar do crescimento do consumo, do aumento da classe média, e das boas perspectivas econômicas para o futuro, o país ainda continua com os mesmos problemas estruturais das décadas passadas. Estradas em péssimo estado de conservação, hospitais desaparelhados e sem médicos, aeroportos congestionados, portos sem estrutura, transporte público insuficiente e caro, dezenas de milhões de brasileiros sem acesso a esgoto tratado; e muitas outras mazelas. Isto sem falar na questão da educação, fator importantíssimo para o desenvolvimento, que demora a sair de seu mais baixo nível na história recente. Obstáculos não nos faltam, apesar de sermos a sétima maior economia do mundo e das mídias nos lembrarem a toda hora das maravilhas do consumo. Ascender alguns degraus na escala econômica e poder consumir o básico é o mínimo que se espera em uma sociedade medianamente civilizada. Viver dignamente, no entanto, é mais do que isso. Sendo o sétimo país mais rico do mundo e tendo tantas deficiências, como não será difícil a situação do povo em economias mais pobres que a nossa? Esquece-se, no entanto, que mesmo colocados entre as sete nações mais ricas do globo, somos ainda um dos países com a pior distribuição de renda, ou seja, poucos têm acesso a muito e muitos têm acesso a pouco.
Os benefícios que poderiam resultar do PIB de 2,2 trilhões de dólares que o país produziu em 2010 – boas escolas, bons hospitais, aposentadorias decentes, saneamento e acesso a educação e cultura –, são apenas tema de campanha política. Ainda que mais de 35% deste valor seja formado por impostos, que teoricamente deveriam se transformar em benefícios para a sociedade, são poucas as políticas públicas devidamente estruturadas, destinadas a devolver este dinheiro transformado em melhorias para a sociedade.
Temos então um quadro contraditório. Por um lado, somos um país que está começando a ocupar um lugar de destaque entre as nações em desenvolvimento, graças à pujança de sua agricultura, de sua moderna indústria, das grandes obras de infraestrutura e das oportunidades que um mercado interno em franco crescimento oferece aos investidores. Por outro temos uma carência de mão-de-obra especializada, tanto de nível técnico quanto superior, fruto do nosso sistema de ensino e das crises econômicas, que reduziram a demanda por estes profissionais. Cerca de 30% da população brasileira (57 milhões de pessoas) é formada por analfabetos e analfabetos funcionais. Mais de 40% da população não tem acesso à coleta e tratamento de esgoto. A rede de saúde é mal administrada, não tem verbas suficientes – reduzidas mais ainda com o corte do orçamento no início de 2011 – e os hospitais públicos são, com raríssimas exceções, sujos e desorganizados.
A economia está se contrapondo à vida; fatos ocorridos nas últimas semanas ilustram esta situação. Apesar da negativa das empreiteiras, é claro que a revolta dos trabalhadores no canteiro de obras da barragem de Jirau, em Rondônia, foi provocada principalmente pelas deficientes condições de trabalho. No rico interior de São Paulo, trabalhadores migrantes são submetidos a condições de trabalho degradantes, o mesmo acontecendo em obras de uma ferrovia a poucos quilômetros da capital. Na periferia pobre de São Paulo, moradores ficam semanas sem água. E tudo isto na sétima economia do mundo! (imagens: Oskar Kokoschka)

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