A indústria automobilística e os consumidores

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012


"Todas as tiranias procuram embrutecer os espíritos; para isso não derramam a instrução, não tratam mesmo dessa matéria, do povo; apenas sabem que ele tem corpo para trabalhar."  -  Eça de Queirós  -   Migalhas de Eça de Queirós

Nesse início de 2012, o Brasil continua mantendo o 4º lugar em vendas de carros no mundo, tendo produzido pouco mais de três milhões de unidades em 2011. Para as 17 montadoras de veículos atuando no Brasil, o mercado é um dos mais promissores. Esta a principal razão pela qual aumentam os investimentos em novas unidades de produção e crescem as ofertas de modelos – dos populares aos mais sofisticados.
A indústria automobilística impulsiona outros setores da economia, como a indústria siderúrgica e de equipamentos; a indústria de plásticos e de borracha; a elétrica e eletrônica. Com isso, a fabricação de veículos gera cerca de 145 mil empregos diretos e mais 400 mil indiretos, tornando-se um setor estratégico na economia do país. Por essa razão as montadoras recebem tanta atenção do Ministério da Fazenda; a redução do IPI (imposto sobre produtos industrializados) para os veículos nacionais foi uma iniciativa utilizada pelo governo para manter o setor aquecido, logo após o anúncio da crise econômica, em final de 2008. Da mesma forma em 2011, quando o ministério foi pressionado pelas montadoras estabelecidas no país, para que aumentasse o IPI para veículos importados.
Mas qual a contrapartida oferecida pelas montadoras? Os sistemas de segurança, como airbags e freios ABS, só se tornaram obrigatórios como itens de série dos veículos a partir de uma lei de 2010, devendo ser implantados de forma gradual. Em comparação, tais equipamentos já são quesitos necessários há mais de 20 anos na Europa e nos Estados Unidos. Se, por um lado, o governo evitou pressionar as montadoras – que alegavam que tais equipamentos encareceriam o custo dos veículos – a sociedade civil também mostrou pouca organização em reclamar por seus direitos.



Caso semelhante é o do diesel mais limpo, que começou a ser disponibilizado para todos os estados a partir de janeiro deste ano. A melhoria do combustível foi protelada por muitos anos, já que Petrobrás e fabricantes de motores esperavam que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) estabelecesse os parâmetros técnicos para o novo combustível menos poluente – que já existe há quase duas décadas nos Estados Unidos e Europa. Enquanto fabricantes, Petrobrás e ANP discutiam aspectos técnicos (ou seja, ganhavam tempo para protelar investimentos necessários), a população continuava a respirar um dos combustíveis mais sujos do planeta, causador de doenças e até mortes. Mas, em casos como estes, quando fica patente a omissão do governo e a má fé daqueles que colocam seus produtos no mercado, a quem recorrer?
Faltam-nos ainda figuras independentes como o advogado americano Ralph Nader, que em 1965 publicou o livro “Inseguro a qualquer velocidade: os perigos de concepção dos automóveis americanos” (em inglês: Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile). A publicação é um relatório apontando defeitos de projeto nos carros fabricados à época nos Estados Unidos. Em alguns casos Nader demonstrou que as montadoras investiam na aparência do carro a fim de torná-lo mais atrativo, ao passo que alegavam que equipamentos de segurança e de controle da poluição aumentariam o seu preço – mesmo conhecendo o perigo que os consumidores corriam. Por aqui em Pindorama, uma figura como Raph Nader seria crucificada pelas montadoras e pela imprensa que depende de verbas do setor automotivo.

O crescimento da economia nos últimos anos está fazendo com que aumente o número de compradores de diversos produtos, inclusive de veículos. É de se esperar que estes novos clientes também sejam mais exigentes em relação à segurança e proteção ao meio ambiente, esperando um desempenho melhor dos produtos brasileiros. Afinal, já é hora do consumidor começar a reclamar seus direitos.
(Imagens: Jean-Baptiste Corot)

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