Desafios atuais da filosofia política

sábado, 21 de setembro de 2013
"Nimirum insanus paucis videatur, eo quod
  Máxima pars hominum morbo jactatur eodem" 
 (No entanto poucos os julgam loucos,
  porque quase todos padecem do mesmo mal)  -  Horácio  -  Sátiras

Política é a prática e o conhecimento utilizados na administração de um Estado ou organização humana, com objetivos determinados. Toda instituição humana está sujeita a regras, mesmo que estas não tenham sido escritas. Estas regras foram estabelecidas por grupos ou indivíduos e reflete a política – a maneira de gerir – que rege cada organização. Clubes, igrejas, empresas, condomínios, associações, sindicatos, times de futebol, municípios e estados; todos têm as suas regras e suas políticas. A palavra tem origem na língua grega, na qual o termo politiká é uma derivação da palavra polis que designa aquilo que é público. Marilena Chauí apresenta três significados distintos para a palavra política:
1. O significado de governo, entendido como direção e administração do poder público, na forma de Estado. O senso comum social tende a identificar governo e Estado, mas governo e Estado são diferentes, pois o primeiro diz respeito a programas e projetos que uma parte da sociedade propõe para o todo que a compõe, enquanto o segundo é formado por um conjunto de instituições permanentes que permitem a ação dos governos.” (CHAUÍ, 2006, p. 346)
2. O significado de atividade realizada por especialistas (os administradores) e profissionais (políticos), pertencentes a um certo tipo de organização sociopolítica (os partidos), que disputam o direito de governar, ocupando cargos e postos no Estado.” (Ibidem, p. 347)
3. O significado, derivado do anterior, de conduta duvidosa, não muito confiável, um tanto secreta, cheia de interesses particulares dissimulados e frequentemente contrários aos interesses gerais da sociedade e obtidos por meios ilícitos ou ilegítimos.” (Ibidem p. 347).
A política em sua forma mais simples não é atividade exclusivamente humana. O primatólogo holandês Frans de Waal, autor de diversas publicações sobre o comportamentos de macacos – principalmente chimpanzés e bonobos – descreve várias situações onde já se encontra uma primitiva prática política. Esta, portanto, não é exclusiva da espécie homo sapiens, mas provavelmente influiu e foi influenciada pelo comportamento gregário humano, tendo sido aprimorada através dos variados processos culturais.

A filosofia política é a disciplina da filosofia que envolve o estudo dos fenômenos políticos. A disciplina surgiu quando os estudos filosóficos passaram a se concentrar no ser humano, enfocando suas atividades e convivência com os outros. Esta atenção aos temas humanos apareceu pela primeira vez na filosofia da Grécia antiga, no final do 5º século a.C., com os filósofos da escola sofista. O primeiro e mais famoso pensador a tratar exclusivamente dos temas humanos foi o ateniense Sócrates (470 – 399 a.C.), mestre de Platão. Este último foi o primeiro filósofo a se ocupar especificamente da política; da administração de um estado. Seus escritos estabeleceram a filosofia política (ou filosofia da política) como disciplina específica dentro do estudo da filosofia.

Segundo o filósofo Norberto Bobbio (1909-2004), existem quatro caracterizações principais da filosofia política. A primeira é aquela que busca a melhor forma de governar. Nesta categoria se incluem todos os pensadores que procuraram construir ou imaginar um estado ideal, como Platão, Thomas Morus, Thomas Müntzer, entre outros. Platão foi o primeiro filósofo a apresentar o quadro de um estado ideal (em sua avaliação), cujo principal objetivo era promover uma convivência harmônica entre os homens, submetendo-os às leis e dividindo-os em hierarquias. Segundo alguns autores, esta ordenação do Estado platônico é na realidade uma metáfora da alma humana: as três classes representam tendências inatas no homem que levam a alma para o desejo, para a ira e para a sabedoria. Sob esta ótica, a obra A República, apesar dos detalhes quanto ao governo que apresenta, é uma analogia sobre a vida humana, sob a ótica das Idéias. Sobre este ponto escreve o historiador alemão Werner Jaeger:
O Estado de Platão versa, em última análise, sobre a Alma do Homem. O que ele nos diz do Estado como tal e da sua estrutura, a chamada concepção orgânica do Estado, onde muitos vêem a medula da República platônica, não tem outra função senão apresentar-nos a “imagem reflexa ampliada” da alma e da sua estrutura respectiva. E nem é nunca atitude primariamente teórica que Platão se situa diante do problema da alma, mas antes numa atitude prática: na atitude do modelador de almas. A formação da alma é a alavanca com a qual ele faz o seu Sócrates mover todo o Estado.” (Jaeger: 2003, p. 752).
As diversas formas de governo, Platão trata mais profundamente em suas obras A Política e As Leis. Nestes escritos Platão considera a hipótese – bastante real, aliás – de que nem todos os Estados teriam governantes perfeitos como a sua República.
A segunda categoria de filosofia política, segundo Bobbio, é aquela que procura identificar o fundamento último do poder. Nesta categoria se incluem todos os pensadores que se preocuparam com a origem do Estado, como Hobbes, Locke e Rousseau. Para Thomas Hobbes (1588-1679), o Estado é efetivamente a única possibilidade de os homens poderem viver de uma maneira relativamente aceitável sobre a Terra. Em seu estado natural, utilizando seu direito natural a tudo que querem, os homens necessariamente viveriam em constante guerra entre si. Decididos a abrirem mão de parte de seus direitos naturais em benefício de outras vantagens, os homens fundam o Estado para garantir a paz e a possibilidade de alcançar os seus outros objetivos. Nesse processo, segundo Hobbes, restringirmos nossa liberdade natural, nos submetendo a um poder soberano, formado por um indivíduo (monarquia), um grupo (aristocracia) ou todo um povo (democracia). Hobbes não é necessariamente defensor de uma monarquia absolutista, mas de um estado, seja de que tipo for, com força para manter a coesão social.  
A terceira categoria de filosofia política refere-se a todos os pensadores que se perguntam sobre características peculiares da política, ou seja, o que distingue esta atividade humana das outras. Entre os filósofos representantes desta escola distinguem-se o italiano Benedetto Croce (1866-1952) e o alemão Carl Schmitt (1888-1985).
A quarta classificação de filosofia política, segundo Bobbio, interpreta a filosofia política como uma ciência destinada ao estudo das linguagens e dos métodos da ciência política. Alguns pensadores desta escola interpretaram a filosofia política como tendo função de pesquisa descritiva, baseada nos critérios do empirismo, isenta completamente de valores. Sobre esta corrente de pensamento da filosofia política, escreve Abbagnano:
Nascida como teoria do ‘bem viver’ e como ‘ciência coordenadora e arquitetônica’ da convivência humana, a filosofia política acabou assim por reduzir-se a um filosofar asséptico e metateórico sobre a política e sobre suas estruturas linguísticas e conceituais.” (Abbagnano, 2007, p. 906)
À parte a classificação elaborada pelo pensador Norberto Bobbio, a filosofia política teve vários temas como foco central de suas preocupações, ao longo de sua bimilenar história. Assim, associado a determinados assuntos, podemos alencar filósofos que sobre eles escreveram:
- O tema do “bem comum”, característica da filosofia política de Aristóteles (384 – 322 a.C.;
- A “servidão voluntária” (a irracionalidade da submissão a um poder absoluto) analisada por Etienne de La Boétie (1530-1563);
- Os limites da organização do Estado frente ao indivíduos, analisada por pensadores como Hobbes, John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778);
- As relações entre a economia, o Estado e a Moral, que aparece nas obras de  Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Augusto Comte (1798-1857);
- A questão da liberdade individual, tema nos trabalhos de John Stuart Mill (1806-1873), Raymond Aron (1905-1983) e Norberto Bobbio;
- Os temas da justiça e do direito, discutidos por Immanuel Kant (1724-1804), Georg W.F. Hegel (1770-1831), John Rawls (1921-2002) e Jürgen Habermas (1929-).
No século XX, sob influência de pensadores como Hanna Arendt, Jürgen Habermas, Norberto Bobbio e, principalmente, John Rawls, a filosofia política deixou de ser disciplina descritiva e voltou a se preocupar com os grandes temas. A questão da liberdade política, da justiça social, dos direitos individuais, da autonomia dos povos, das relações internacionais, entre outros, são assuntos discutidos pela moderna filosofia política. Sob a égide da ética e da epistemologia, filósofos discutem a natureza das leis, dos governos, a origem da organização social e a melhor forma de convivência entre os indivíduos e os povos.
O mais destacado pensador da moderna filosofia política é o americano John Rawls, autor da obra Uma teoria da justiça (1971) que influenciou profundamente todos os pensadores que posteriormente vieram a falar sobre o tema. Rawls, influenciado por Kant é um grande defensor da liberdade para o indivíduo e da igualdade de oportunidades (sociais, econômicas e políticas) para todos. O individualismo e o liberalismo econômico implícitos na filosofia de Rawls têm sido motivo de crítica de várias correntes (marxistas, anarquistas) ao longo dos últimos anos.
Referências:
Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo. Editora Martim Fontes: 2007, 1210 p.
Chauí, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo. Editora Àtica: 2006, 424 p.
Filosofia Política em <www.sites.google.com/site/filosofiapopular/filosofia/filsofia-política>. Acesso em 29/08/2013
Jaeger, Werner. Paidéia. São Paulo. Martins Fontes: 2003, 1413 p.
Primatas têm algo próximo ao senso de justiça humano. Disponível em:
(Imagens: fotografias de Max Penson)

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