Crise e planejamento

sábado, 14 de março de 2015
"A lua nasceu com olheiras. O silêncio dói dentro do mato. Encolhe-se a luz do dia. A sombra vai comendo devagarzinho os horizontes inchados. Os panoramas se afundam. A noite encalhou com um carregamento de estrelas."  -  Raul Bopp  -  Vida e morte da Antropofagia

A crise econômica por que passa o país é, em grande parte, resultado de falta de planejamento. Desde o período do regime militar que o Brasil não tem mais um encadeamento dos diversos setores de sua economia, sob a tutela de um plano abrangente. O que tem sido feito desde as administrações Sarney, Collor-Itamar, FHC, Lula até a atual, é criar projetos de grande alcance, sem que necessariamente haja uma articulação com outras áreas da gestão do Estado. Temos então os diversos Planos Econômicos, o Plano Real, os Programas de Privatizações, o PAC, Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos, Bolsa Família, entre outros, que são geridos por diferentes ministérios e que necessariamente não conversam entre si. Enxergam-se as árvores (cada ministério as suas próprias), mas não a floresta.
É assim que, por exemplo, ocorre um conflito entre o Ministério das Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente, quando do licenciamento ambiental dos projetos de barragens hidrelétricas na região amazônica. O impacto da construção dos reservatórios tem aspectos ambientais, sociais, econômicos e jurídicos, que envolvem o interesse de ONGs, populações afetadas pela atividade, construtoras; além de grupos econômicos, autoridades locais e o Poder Judiciário. A dificuldade em estabelecer um planejamento energético de longo prazo, incluindo o detalhamento de projetos de grande porte, tem provocado o atraso em diversas obras e contribuído para a crise por que passa o setor.    
Conflitos deste tipo existem em diversas áreas. Outro exemplo é o do álcool combustível. Festejado durante o governo Lula como sendo a grande alternativa em substituição à gasolina, fez com que quase todos os veículos automotivos brasileiros passassem a ser fabricados na versão bicombustível. Por outro lado, temendo a volta da inflação – que apesar disso acabou retornando – o governo não aumentou o preço da gasolina, ao qual estava atrelado o preço do álcool. Com o aumento dos custos de produção do etanol os usineiros viram sua margem de lucro cair, até entrar no vermelho. O resultado foi a falência de grande parte das usinas de álcool e açúcar e a instalação de uma grave crise na indústria fornecedora de equipamentos e máquinas.
Mais um mau exemplo é o do encaminhamento de uma política nacional de gestão de resíduos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). O projeto de lei ficou em discussão no Congresso durante quase 20 anos (desde 1991). No final do segundo mandato do governo Lula o projeto foi rapidamente aprovado, sem que houvesse recurso suficiente para que os municípios pudessem implantar projetos de gestão dos resíduos públicos e construir aterros, em substituição aos lixões – tudo isso num prazo de quatro anos. Como ocorre em tais situações, os municípios não conseguiram manter o prazo, construindo aterros e implantando a coleta seletiva do lixo doméstico. O Congresso, sob pressão dos prefeitos, tentou postergar a vigência da lei para 2018. O executivo vetou a proposta do Legislativo, devolvendo o problema ao Congresso, que deverá iniciar discussões para estabelecer uma nova data em que a PNRS entre em vigência. 
A falta de planejamento não é só uma questão que afeta a administração pública. O setor privado, dependente de políticas públicas para planejar seus investimentos de produção e de P&D, fica com as mãos atadas. Com isso, a demanda interna por novas tecnologias muitas vezes é atendida por tecnologias importadas, já que uma alternativa nacional não pode ser desenvolvida a tempo de atender uma nova lei. Empresas que tentam desenvolver uma tecnologia para atender uma nova demanda no mercado muitas vezes vezes chegam muito cedo - a tecnologia está disponível, mas não existe lei forçando o seu uso - ou tarde - quando da noite para o dia ocorre a aprovação de uma lei, que demanda anos de preparação e adaptação por parte da sociedade. 
(Imagens: fotografias de Alberto Ferreira)

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