A "civilização ocidental judaico-cristã"

sábado, 28 de dezembro de 2019
Numa economia global todos os desafios e mudanças são universais.”   -   Robert Heller (1932-2012) jornalista britânico


Voltou a circular na imprensa uma vetusta expressão: “civilização ocidental judaico-cristã”. Há muito em desuso, principalmente devido aos modernos estudos de história, sociologia, antropologia e etnologia, a anacrônica locução voltou à tona por força da onda conservadora que nos últimos tempos vem se manifestando nas sociedades europeias e nas Américas.

Nos Estados Unidos a expressão civilização ocidental judaico-cristã voltou à mídia depois da eleição de Donald John Trump à presidência daquele país. O presidente eleito teve, como se sabe, grande apoio dos cristãos fundamentalistas, que representam aproximadamente 25% do eleitorado americano. 

No Brasil, a expressão ficou relativamente esquecida depois da redemocratização, da queda do Muro de Berlim e do advento das comunicações globais. Em uma economia globalizada, da qual participam países não ocidentais, não judeus e não cristãos, não havia mais sentido em se falar em uma civilização ocidental judaico cristã. O conceito da sociedade global mudou a maneira de como as pessoas enxergam o planeta.   

Depois das últimas eleições, quando com apoio de grupos conservadores e do eleitorado evangélico Jair Messias Bolsonaro se elegeu presidente, a expressou voltou novamente a ser empregada. Recentemente mais ainda, com a intenção do presidente Bolsonaro de fundar um novo partido, o Aliança Pelo Brasil (APB). A agremiação, segundo reportagem do jornal Valor, “reconhece o lugar de Deus na vida do povo brasileiro, que é religioso e educado nas bases do cristianismo”. Além disso, o programa do partido relativiza o Estado laico, previsto na Constituição Federal, tem forte tendência nacionalista e se coloca contra o que chama de “globalismo”, provavelmente associando-o ao “esquerdismo” ao qual constantemente se refere o ministro das Relação Exteriores, Ernesto Araújo.

Em tal contexto é sintomático que volte à baila a referência à civilização ocidental judaico-cristã. Passa-se por cima do fato de que a civilização chamada de judaico-cristã é produto histórico da interação de centenas de culturas; a começar pela grega e romana, pela cultura dos germanos, dos celtas, dos povos da Ásia Menor (origem da cultura judaica), das culturas árabes, africanas e asiática. Na base ideológica desta miscigenação de culturas está a filosofia grega, o direito romano e a religião cristã, os quais, por sua vez, também são resultado do amálgama de outras culturas. Para formar o que hoje ainda se quer chamar de civilização ocidental judaico-cristã, é preciso considerar as contribuições de centenas, talvez milhares de povos – mais ainda nos atuais tempos das comunicações globais e da internet.

O mundo atual, a civilização mundial, é produto da interação das inúmeras culturas humanas. É formada pela circulação de produtos e ideias de todo o globo. É o intercâmbio da informação e do conhecimento que promovem o progresso; o apego desnecessário a visões políticas estáticas e anacrônicas, não ajudarão o país na melhor compreensão do mundo e de seu papel nele.

(Imagens: pinturas de Abdoulaye Konaté)

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