Governo, economia e meio ambiente

sábado, 27 de junho de 2020
"Se a pobreza é a mãe dos crimes, a falta de espírito é o pai."   -   La Bruyère   -   Caracteres


Em 1988, durante o governo de José Sarney, o país passava por uma grande crise ambiental. Recordes de desmatamento na Amazônia, colocavam o Brasil nas manchetes dos principais jornais do mundo. A crise se tornou tão séria, que bancos oficiais internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Eximbank e a Comunidade Econômica Europeia, haviam suspendido o financiamento de qualquer projeto econômico. Entre outras medidas tomadas à época, Sarney convocou uma equipe multidisciplinar de alto nível, formada por acadêmicos e cientistas, com o objetivo de estudar a região e propor soluções para conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos da região. O resultado deste estudo foi o lançamento do Programa Nossa Natureza, um detalhado diagnóstico ambiental do país, coordenado pelo general Bayma Dennys, chefe da Casa Militar da Presidência da República. Outras iniciativas à época foram a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a inclusão dos levantamentos sobre desmatamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos dados oficiais do governo. 
  
Pouco mais de trinta anos depois, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, repete-se a situação. Crescem exponencialmente a derrubada da floresta e as queimadas – dados do Inpe apontam um aumento de 34%, a maior área desmatada do século. Ao mesmo tempo, um grupo de 30 fundos de investimento, com ativos chegando a U$ 4,1 trilhões (cerca de R$ 21,7 trilhões), representando investidores da Ásia, Europa e Estados Unidos, dirige-se a diversas embaixadas brasileiras na Europa, solicitando reuniões com os embaixadores brasileiros, a fim de discutir as políticas ambientais do governo.

Segundo representantes destes fundos, a atual política ambiental brasileira, sintetizada na frase do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como “passar a boiada”, está colocando em risco o valor dos títulos públicos e privados brasileiros. A perda do interesse de investidores internacionais nos títulos brasileiros, significa menos investimentos nas empresas locais e, consequentemente, menos empregos e menos riquezas para o Brasil. Em recente entrevista para o jornal Valor, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, comentou que “muitos fundos internacionais e também empresas têm interesse em explicar aos investidores e seus acionistas o que fazem fora da Alemanha, se seus passos estão alinhados na luta contra a crise climática”.

Apesar desta situação, no entanto, o governo Bolsonaro continua a tratar a questão ambiental como secundária. Preso a uma visão ultrapassada da ocupação da Amazônia, não se preocupou em elaborar um plano de atividades para a área, que aliasse a economia com a ecologia. Assim, depois de afirmar que não criaria novas áreas de proteção ambiental, o presidente passou a discutir o fomento da pecuária e da mineração em áreas indígenas. Paralelamente, através do Ministro do Meio Ambiente, reduziu o número de cargos e funções no Ibama, substituindo experientes funcionários de carreira por policiais militares, e diminuiu o número de cargos de coordenação das unidades de conservação (UCs) – 334 unidades em todo o país, representando em área quase 10% do território nacional. Com relação às informações sobre o desmatamento, Bolsonaro colocou em dúvida os dados elaborados pelo Inpe e demitiu seu presidente, Ricardo Galvão.  

Uma das medidas propositivas implantadas pelo governo, foi a transferência da coordenação do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) para a vice-presidência. Hamilton Mourão assumiu o comando do órgão que tem o objetivo de “coordenar e acompanhar a implementação das políticas públicas relacionadas à Amazônia Legal” e “coordenar ações de prevenção, fiscalização e repressão a ilícitos”. Da estrutura do Conselho fazem parte 15 militares, mas foram excluídos os governadores dos estados da região, o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

A ideia de uma política de desenvolvimento sustentável para a região amazônica parece não fazer parte da estratégia do governo. Com isso, grileiros, garimpeiros e madeireiros já perceberam de que lado o governo está, e perderam o medo de uma repressão sistemática por parte dos órgãos do Estado. Por outro lado, os investidores internacionais e os países que financiavam projetos sócio ambientais e científicos na região – exatamente os atores que o governo deveria querer atrair – também já se deram conta para qual lado o governo caminha.

Enquanto isso, o restante do mundo avança. Recentemente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), espécie de Banco Central dos bancos centrais dos países, publicou um extenso estudo, pelo qual chama atenção para o fato de que as mudanças climáticas poderão ser a origem de uma nova crise financeira global, ainda mais severa do que a do corona vírus. A União Europeia preparou o European Green Deal, o Pacto Ecológico Europeu (https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt); um ambicioso plano de incentivos à economia da região, cuja componente principal é a redução das emissões de carbono na era pós corona vírus.

Mas, enquanto o presidente Bolsonaro comenta que a imagem do Brasil não está muito boa aos olhos do mundo na questão ambiental devido à “desinformação” dos outros países, outros já veem a questão sob outra ótica. No Ministério da Economia, por exemplo, teme-se que a fuga de capitais possa ser agravada por causa da questão ambiental. Membros da equipe do ministro Paulo Guedes, segundo a imprensa, defendem posições mais claras do governo sobre seus compromissos ambientais. Editorial recente do jornal O Globo (junho 2020) informa que “o segmento de gestão de grandes negócios com alimentos e matérias primas em geral, cada vez mais pressionado por seus acionistas a ter comportamento responsável, do ponto de vista ambiental e de Direitos Humanos”.

A preocupação com a questão ambiental aumenta em todo o mundo e deverá se tornar ainda mais premente nos próximos anos. Lembremos que antes da epidemia, as nações industrializadas já passavam por um processo de gradual redução das emissões de carbono, materializado no Acordo de Paris, em 2015. Se o Brasil quiser evitar o distanciamento, seja econômico ou tecnológico, em relação às economias mais avançadas, precisará retomar as inciativas e projetos ambientais delineados ao longo dos últimos anos. Caso contrário, passará a ser caracterizado como antagonista dos avanços ambientais e poderá sofrer sanções que retardarão ainda mais a recuperação da economia brasileira.  

(Imagens: pinturas de Raoul Dufy) 
     

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