Preservação da Amazônia ainda sem solução

sábado, 18 de julho de 2020
"Há pessoas que acreditam que tudo que se faz com um semblante sério é razoável."   -   Georg Christoph Lichtenberg   -   Aforismos 


O governo Bolsonaro está sob grande bombardeio internacional (para utilizar uma analogia militar cara ao ex-capitão), no que se relaciona às questões ambientais, sobretudo a preservação da floresta amazônica. Se, no ano passado, líderes da Noruega, Alemanha e França manifestaram-se publicamente, criticando a tolerância do governo brasileiro com o aumento dos incêndios na floresta, agora é a vez dos empresários. Recentemente, titulares de grandes fundos de investimento da Ásia, Europa e Estados Unidos, transmitiram sua preocupação com o problema aos embaixadores brasileiros de capitais europeias. No Brasil, executivos de corporações nacionais e multinacionais reuniram-se com o vice-presidente Mourão pelo mesmo motivo.

O governo brasileiro, aparentemente, tenta contornar o problema de várias maneiras, sem, no entanto, apresentar planos e metas que visem refrear o desmatamento. Há algumas semanas, por exemplo, o presidente Bolsonaro declarou que a imagem do país “não está boa” no exterior por causa da “desinformação”. Ainda na linha das declarações, o ministro Paulo Guedes afirmou em recente videoconferência promovida pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que “o Brasil é um país que alimenta o mundo preservando o meio ambiente”. O vice-presidente Mourão, por sua vez, afirmou que no segundo semestre de 2020 as queimadas terão uma redução, o que poderá trazer de volta os investimentos ao país.

Declarações, mesmo vindas do alto escalão do governo, de pouco adiantam. Desde o início de 2019 o mundo já se acostumou a elas, sem que ocorressem mudanças. Em muitos casos, tais pronunciamentos tem como alvo o público interno do país, atendendo a maior parte da população, pouco informada sobre o tema. Igualmente, de pouco adianta exercer pressão sobre o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão que faz o monitoramento dos desmatamentos e queimadas na Amazônia, destituindo sucessivos diretores – Ricardo Galvão em 2019, e Lubia Vinhas em julho de 2020. As imagens de satélite utilizadas pelo órgão, também estão disponíveis para agências governamentais e não-governamentais de todo o mundo, de maneira que de nada adianta tentar tapar o sol com a peneira.

Parece existir pouca vontade por parte do governo, quando o assunto é o controle e a preservação da floresta amazônica. Ainda em novembro de 2019, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – aquele que na famosa reunião ministerial falou em “passar a boiada”, referindo-se à flexibilização do controle ambiental –, disse que o governo pretendia reduzir o desmatamento na Amazônia Legal. Sem que apresentasse planos ou metas, o tempo passou e o desflorestamento só veio a aumentar. A situação financeira do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), órgão de controle subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, também não é boa: de 2019 para 2020 o orçamento da instituição já foi reduzido em 14,8% e para 2021 o governo prevê outro corte de até 20%.

A queimada sempre está associada à invasão de terras; sejam áreas indígenas, de preservação ou territórios ainda pertencentes ao Estado, as chamadas “terras devolutas”. Madeireiros, garimpeiros e grileiros exploram, destroem e ocupam áreas extensas, sem que ocorra um controle destas atividades. Apesar disso, os gastos do governo com inspeção florestal foram reduzidos de 17,4 milhões de reais nos primeiros cinco meses de 2019, para 5,3 milhões de reais no mesmo período de 2020. O mesmo corte de recursos ocorreu no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que passou de 436 milhões de reais em 2019 para 247 milhões de reais neste ano.

A situação está colocando o governo sob pressão. Além de ser chamado constantemente pela imprensa internacional de “vilão ambiental do planeta” e ser criticado por organizações não-governamentais durante manifestações públicas, principalmente na Europa, o governo Bolsonaro também será confrontado com outras ameaças políticas e econômicas mais graves. O agronegócio, por exemplo, setor da economia que mais gera receitas para a balança comercial brasileira, é constantemente solicitado a explicar a relação de suas atividades com a floresta e o desmatamento. Tanto é que, recentemente, 47 grandes empresas nacionais e estrangeiras assinaram e divulgaram um manifesto, endereçado ao vice-presidente Mourão, coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, no qual expõe “a preocupação com o impacto nos negócios da atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior, em relação às questões socioambientais na Amazônia”.

Outro motivo de preocupação para o governo brasileiro é a eventual vitória do partido democrata nas próximas eleições presidenciais americanas. Depois de seguir grande parte da agenda e das atitudes do presidente Trump no que se refere à questão ambiental – corte de verbas das agências governamentais, paralização de programas e negacionismo climático – Bolsonaro terá que rever suas posições. Se eleito, o democrata Joe Biden terá um forte protagonismo ambiental. Com relação ao Brasil, planeja ajudar na preservação da Amazônia e no combate aos incêndios na região. Internamente, o Itamarati já está se ocupando deste fato, dado que o atual Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é um contumaz negacionista climático, o que aumentaria ainda mais a pressão da nova administração americana sobre o governo Bolsonaro.  

O Acordo do Mercosul também corre risco de não ser assinado, principalmente devido à questão do desmatamento. À Áustria, que por questões ambientais já havia se colocado oficialmente contra o tratado em 2019, juntou-se agora a Holanda, cujos parlamentares assinaram uma moção contra a ratificação do acordo, pelos mesmos motivos. Na Alemanha, maior defensora do acordo, entidades civis dão sinais de que farão oposição, por causa da situação na Amazônia. Assim, a oposição ao Acordo do Mercosul parece se alastrar por toda a Europa: ambientalistas e grupos de consumidores pressionam supermercados por causa dos produtos importados do Brasil. Em início de julho, esta iniciativa obteve o apoio da Conferência de Bispos da Áustria, da organização não-governamental Slow Food Europe, da francesa Ligue des Droits de L’Homme, da Greenpeace, Friends of the Earth e alguns dos maiores sindicatos da Holanda, Espanha e Itália.

Já passa da hora do Brasil estabelecer e implantar um plano de ação para combater o desmatamento e a invasão de terras indígenas na Amazônia. Enquanto aumentam os efeitos da crise climática – negada por integrantes do atual governo –, destrói-se parte da biodiversidade e deterioram os recursos naturais, que deveriam ser utilizados pelos próprios amazônidas de forma sustentável. A visão de que é necessário “trazer o progresso” (qual progresso?) à região, de que “o índio se integre à sociedade” (qual sociedade?), associada à suspeita de que potências estrangeiras ou organizações não-governamentais querem ocupar territórios na Amazônia, não pode servir mais como fundamento de políticas para a região. Ou se encaminha definitivamente uma política de ações de conservação para a região, ou corremos o risco de desfigurá-la definitivamente em algumas décadas. Esta destruição, se não evitada, terá graves consequências econômicas, sociais e climáticas em outras regiões do país, da América do Sul e do mundo.       

(Imagens: pinturas de Giacomo Balla)

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