A volta da covid e a indiferença de muitos

sábado, 24 de outubro de 2020

 

"Os reacionários de todos os tempos são iguais."   -   Rui Barbosa   -   Obras completas 

A pandemia não acabou. Mesmo assim, parecia que em todo o mundo a doença havia sido debelada. Era comum, através das reportagens, vermos pessoas jovens e velhas andando sem máscara, retomando normalmente suas atividades, interagindo com outras pessoas, inclusive em locais públicos. Foi assim que a maior parte da população europeia teve a impressão de que a covid havia passado. Os casos diminuíram, as medidas de segurança e profilaxia foram afrouxadas, e, aos poucos, instalou-se uma situação de “já passou”.

No entanto, ao longo das últimas semanas, numa progressão exponencial, os casos de novas infecções com o vírus foram aumentando. Espanha, França, Itália e Inglaterra viram as vítimas aumentarem rapidamente, forçando seus governos a reintroduzirem medidas de contenção da circulação de pessoas, aglomerações e contatos. Quando parecia que, lentamente, a vida das pessoas e a economia estavam voltando ao normal, a Europa retornou aos níveis de contaminação e internação de doentes de seis meses antes. Outras parte do mundo, como a Índia, o Paquistão, o Irã e o Japão também enfrentam o recrudescimento da pandemia. Nos Estados Unidos, onde a pandemia não havia diminuído sensivelmente, a situação agora também piorou, aumentando mais ainda o número de internações e mortes.

No Brasil, por enquanto, há uma tendência de queda no número de novos casos de contaminação com o vírus, apesar da maneira desastrosa como o governo federal - leia-se Ministério da Saúde - lidou com a pandemia. Transferiu praticamente toda a responsabilidade no combate à doença aos governos estaduais e às prefeituras. Testes, para identificação de pessoas contaminadas e seu posterior isolamento foram pouco realizados, apesar das constantes recomendações da Organização Mundial de Saúde. O presidente Bolsonaro e um número considerável de médicos aderiram ao uso de medicamentos de efeito duvidoso, como a cloroquina e a azitromicina, cujo uso tem efeitos colaterais graves, sendo inócuos no combate do vírus. Recentemente, o presidente Bolsonaro disse que a vacina não seria obrigatória e, pressionado por seus seguidores, negou-se a comprar a vacina de origem chinesa Sinovac, que está em estado avançado de desenvolvimento.  

A população pobre, como sempre acontece em situações de crise, está sendo a mais prejudicada; falta de água, de condições de moradia seguras, de recursos financeiros para manter o isolamento e, depois da fase aguda da pandemia, o desemprego. Os efeitos funestos da covid na economia ainda perdurarão por muitos meses, provocando o fechamento de empresas e de postos de trabalho. Os mais prejudicados são aqueles que não detêm reservas econômicas, os pobres. Mais um motivo para que se iniciem discussões sobre uma renda universal básica.

Fato que chama a atenção dos analistas é a atitude negacionista de parte da população mundial, inclusive do Brasil. Não se trata de uma rebeldia contra as medidas de proteção impostas pelos governos – isolamento social, uso de máscaras, limitação da circulação de pessoas, etc. Também não é o tipo de atitude de oposição a prefeitos ou governadores, principalmente por motivos políticos, como ocorreu aqui no Brasil e em várias partes do mundo. É a atitude, consciente ou não, de não se usar máscaras de proteção, não se respeitar o isolamento social e outras práticas de proteção contra a doença.

Parte destas pessoas, entre os quais muitos idosos e pessoas de grupos de risco, não está convencida da gravidade e mortalidade do vírus. Muitos, mesmo aqueles com mais alto nível de instrução, acreditam que o número de mortes anunciadas pelos veículos de comunicação – e que até agora não foram refutadas por autoridades e especialistas – é exagerado ou até inverídico. A TV mostrou por diversas vezes as centenas ou milhares de pessoas em bares e restaurantes, aglomeradas e sem máscara, em muitas cidades mundo afora.

Não têm preocupação com os riscos que correm, mesmo sabendo do perigo, que eventualmente pode ser mortal. Na maior parte dos casos, no entanto, não se trata de coragem consciente para, se necessário, enfrentar a doença e suas consequências, mas de uma estranha passividade. Daqui a cinquenta ou cem anos, quando historiadores estudarem o período histórico da pandemia, como interpretarão essa indiferença quase suicida?  

(Imagens: Antonio Berni)

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