Leituras diárias

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

 



“Todavia, querer estar no controle não é o mesmo que efetivamente estar no controle. Nem a crença de “eu estou no controle” faz isso. A partir da perspectiva budista, toda escolha ou decisão é o resultado de uma infinita e complexa conexão de redes de causas e condições prévias, algumas delas biológicas ou evolucionárias, outras sociais ou históricas – incluindo, se você quiser, a influência de incontáveis vidas passadas. Em todo caso, nenhuma escolha ou decisão é totalmente incondicionada, o ato livre e arbitrário de um agente onipotente. Ainda assim, enquanto acredito ser um indivíduo, acredito que tomo decisões. Ou podemos dizer de maneira contrária; alguém poderia dizer assim: eu acredito que escolho, logo acredito que sou (existo).

A rede de causas e condições que moldam cada escolha ou decisão particular não tem começo, fundamento último ou ponto de origem. No jargão budista uma decisão é de “originação dependente”. No contexto das experiências individuais o não fundamento das escolhas e decisões é imediatamente evidente na maneira como se manifestam espontaneamente, sem qualquer causa aparente. Escolhas e decisões – como todos os pensamentos – simplesmente ocorrem; eles “aparecem na minha cabeça” (como dizemos) vindas de lugar nenhum, como mágica. Por exemplo, todo mundo já teve a experiência de não ser capaz de decidir o que fazer em determinada situação crítica. Eu tento tomar uma decisão, sem sucesso. Finalmente, paro de tentar e desisto. Vou dormir ou penso em outra coisa. E, miraculosamente a decisão está tomada!

O fato de eu não ver isso – ou seja, de que me imagino como um agente autônomo fazendo escolhas e tomando decisões – é, de acordo com o ensinamento budista, a mais básica e sutil forma de ignorância. Ser ignorante desta maneira significa que atuo a partir de um ilusório senso de liberdade e controle pessoal, dominado por uma avidez constante e autocentrada, sem proporção e medida. A ignorância deste tipo está aliada não somente a um descontentamento sem remorsos, mas também a uma pronunciada falta de humildade, cheia de arrogância e orgulho –um inflado senso de nossa própria força, a qual os antigos gregos chamavam de hubris, que leva inexoravelmente ao desapontamento e ruína. ‘Porque desejos possessivos ao mesmo tempo destroem o que desejam e são escravizados pelo que destroem’.” (Huntington Jr, págs. 54 e 55)

 


C. W. Huntington Jr, What I don’t know about death (O que eu não sei sobre a morte – trechos traduzidos por Ricardo Ernesto Rose)

 


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