Leituras diárias

domingo, 26 de maio de 2024


 

“Morin (2011), ao criticar a modernidade, afirma que nossa era está alicerçada, fundamentalmente, sobre a supremacia da razão e a crença no progresso do conhecimento. Porém, estas crenças, descritas nas obras de Morin e que começaram a ganhar corpo no início da modernidade, só foram possíveis graças ao renascimento de uma concepção de filosofia, arte e cosmogonia que remonta ao iluminismo grego e, tal como ele, mitifica a razão. O renascimento cultural europeu, alicerçado no iluminismo grego, colocou em evidencia a antiguidade clássica, cujo cerne da reflexão filosófica é a tese da autonomia da razão como precondição para o conhecimento avançar rumo ao desconhecido. ‘Afinal: cada civilização representa uma resposta às interrogações que o universo suscita; mas o mistério permanece intacto; outras civilizações, com outras curiosidades, se aventurarão nele, igualmente em vão, pois cada uma delas é apenas um sistema de equívocos.’ (Cioran, 2011a, p.149)

Nesse aforismo, Cioran expressa, mais uma vez, seu ceticismo em relação a busca por explicações sobre o cosmo, a história e a vida, que tornou-se uma rotina na história da humanidade. Por isso, ele afirma que a valorização de explicações racionais sobre o cosmo e a vida, que marcou o iluminismo grego, criticando e demolindo as explicações mitológicas presentes nas obras de Hesíodo e Homero, conferiu ao homem uma importância duvidosa. Em decorrência disto, ‘Maldito ou não, o homem experimenta uma necessidade absoluta de estar no centro de tudo’ (Cioran, 2010, p.33) . Posição que teria criado uma concepção antropocêntrica de mundo e é esta concepção que fora duramente criticada por Cioran. Afinal, há algo mais antropocêntrico do que apresentar-se como protagonista da história e da própria vida?

Mas se as releituras dos filósofos gregos possibilitaram um novo olhar sobre a arte, o homem, o conhecimento, enfim, sobre todo o cosmo, elas ofereceram a possibilidade de nos armarmos com a dúvida e a desconfiança em relação aos mitos e novos simulacros de deuses. O termo simulacro de deuses é utilizado por Cioran para se referir às crenças e novas idolatrias que nasceram no mundo moderno e se perpetuaram com novas máscaras. Por isso, Cioran, no início da sua obra Breviário de Decomposição, é enfático ao dizer que mesmo afastando-se da religião, os homens permanecem fiéis a ela.

E, tal como os filósofos gregos que desconfiaram das explicações mitológicas e depois ergueram novos deuses, os filósofos modernos acabaram seguindo o mesmo caminho e depois amargaram as mesmas decepções, segundo Cioran. Sendo assim, a crítica aos mitos não se define apenas por uma atitude filosófica, mas deve ser compreendida como um modo de viver e perceber o cosmo.” (Petean, págs. 13 e 14)

 

Antonio Carlos Lopes Petean, Fanatismo, dúvida e suicídio em Cioran

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