Outras leituras

quinta-feira, 2 de maio de 2024


 

“Este trabalho revela que neste nosso Brasil republicano e pós-moderno, esperar numa fila ainda é algo desagradável e, quase sempre, ofensivo. Quem se percebe como superior exige atenção imediata. E como todos são superiores, posto que a superioridade é sempre relativa a múltiplos critérios subjetivos e objetivos de classificação, há um sentimento de indizível mal-estar e até mesmo de recusa quando nos deparamos com a fila. Nesse sentido, vale mencionar a velha piada que um americano, mas filho de um inglês moldado no mais acabado estilo britânico, gostava de contar na frente do pai. “Você sabe – dizia ele para mim com um sorriso malicioso – como se descobre um inglês? Fácil... Ele é descoberto porque, ao encontrar duas pessoas paradas uma atrás da outra, ele imediatamente forma uma fila!”

Já no Brasil, ficamos decepcionados, ansiosos ou até mesmo irritados quando nos deparamos com uma fila. A reação exprime a autovisão de que não merecemos uma espera; a qual cabe sempre aos outros. Vocês são feitos para a fila (e para a espera igualitária e subordinada), eu não! No Brasil, temos um problema com o tratamento impessoal e automático, denotativo de que seriamos “pessoas comuns”. Tal como ocorre no trânsito, conforme demonstrei no meu livro Fé em Deus e pé na tábua (Rio de Janeiro: Rocco, 2010), essa reação revela uma alergia a situações igualitárias e a nossa saudade de um velho mundo hierarquizado no qual todos sabiam com quem falavam. Aquele universo dos nossos ancestrais e de algumas áreas de nosso sistema, pois as mudanças não são lineares e muito menos uniformes e gerais.”

 

Roberto DaMatta e Alberto Junqueira, Fila e democracia

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