O
que está acontecendo no estado do Rio Grande do Sul é, em grande parte,
resultado do processo que a ciência chama de “mudanças climáticas”. Se, por um
lado, a alteração do clima é fato global, seus efeitos se fazem sentir
localmente; chuvas fortes e prolongadas no Rio Grande do Sul, nevascas na costa
Leste dos Estados Unidos, secas no Noroeste da Índia, etc. Ações locais que
afetam o meio ambiente, como redução de áreas de floresta nativa e campos,
construção de barragens, ampliação de áreas agrícolas até às margens dos rios,
reduzindo ou eliminando completamente a mata ciliar, têm contribuído ainda mais
para acentuar os efeitos da mudança do clima, no caso do Rio Grande do Sul.
Falta de investimentos em infraestrutura preventiva, principalmente no caso da
cidade de Porto Alegre, segundo a imprensa, também foram aspectos que
contribuíram para agravar o efeito das águas.
As
consequências de tal situação são as que vêm afetando a população gaúcha nos
últimos dias (dados de 8/5/2024): 95 mortos, 128 desaparecidos, 1,4 milhão de
pessoas afetadas, mais de 320 municípios atingidos, cerca de 200 mil
desabrigados, dezenas de milhares de casas, pequenas propriedades, empresas e
comércios destruídos. Prejuízos para o estado já chegam a mais R$ 1 bilhão. Calcula-se hoje, que serão necessários cerca de R$ 6 bilhões para reconstruir tudo o que foi destruído.
As
mudanças climáticas são um fenômeno que já vem sendo estudado pela ciência
desde os anos 1980. A partir dos anos 1990 cientistas, instituições
governamentais e ONGs passaram ativamente a divulgar detalhadas informações e
dados sobre este fenômeno climático. A redução das emissões de gases de efeito
estufa, resultantes da queima de combustível fóssil, teria que ser iniciada
imediatamente. Outra ação preventiva era a manutenção e ampliação de áreas
verdes, que através do processo de fotossíntese fixam o carbono nas plantas – o
carbono, contido no gás carbônico (CO²), é o principal poluidor da atmosfera e
causador do aumento da temperatura da Terra (mudança climática).
Ao
mesmo tempo, companhias petrolíferas, setores empresariais e até governamentais
iniciaram uma forte campanha para desacreditar pesquisas e cientistas, com o
objetivo de negar a realidade das mudanças climáticas. Estes setores temiam que
caso a adoção de medidas para reduzir o impacto do fenômeno fossem mandatórias,
teriam que fazer grandes investimentos na redução ou eliminação de emissões de gases de
efeito estufa, gerados por suas atividades econômicas (leia-se poluição).
Ao
longo dos anos, a veracidade da teoria das mudanças climáticas foi se impondo
como fato. Mesmo assim, durante os últimos dez anos, não foram poucos os think tanks mantidos por grupos
privados, principalmente nos Estados Unidos, que sistematicamente divulgavam
supostas pesquisas que tentavam colocar em questão as mudanças do clima. Ainda
numa declaração em 2018, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
dizia não acreditar no fenômeno das mudanças climáticas. No Brasil, o
ex-presidente Bolsonaro, declarou em 2019 “que a pressão por mudanças
(climáticas) é jogo comercial”. Seu governo cortou em 93% os gastos para
estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, segundo o
jornal BBC Online.
O
ex-ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo (que
em 2021 pediu demissão do cargo), afirmou pouco antes de assumir o ministério
em 2018 que “as mudanças climáticas são uma ideologia criada pela esquerda”. No
ano seguinte, durante uma palestra em Washington na conservadora Fundação
Heritage, declarou que “... o ponto principal da ditadura do clima, do
climatismo, é o fim do debate político normal." Ainda em 2019, em viagem a
Roma, informa: “Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em
maio e estava tendo uma onda de frio enorme. Isso mostra como as teorias do
aquecimento global estão erradas.”. Logo no início do governo, o ministro do
Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, acabou com Secretaria de Mudanças
do Clima e Florestas, transferindo a agenda climática para uma
assessoria.
É
desta maneira que até há pouco tempo ainda pensavam pessoas que estavam em
cargos de comando nos governos e no setor privado (e ainda há alguns por aí,
escondidos). E não há desculpa para isso. Um estudo da Universidade Cornell
mostrou que 99,9% de todos os cientistas concordam que a crise climática existe
e de que esta é provocada pelas atividades econômicas do homem. Ou seja, não há
mais o que discutir sobre a existência ou não do fenômeno, como se ainda fazia
anos atrás nas comunidades cientificamente mais atrasadas. O que importa agora
é implantar medidas que possam reduzir as emissões, cujo maior volume é gerado
por queima de combustível (transporte e geração de energia) e derrubada de
vegetação nativa (expansão agrícola, pecuária, grilagem de terras).
As
medidas para redução do impacto das mudanças climáticas (enchentes, secas e
suas consequências para as sociedades) afetarão necessariamente os interesses de
setores da economia. Isto vale tanto para o Brasil em sua situação atual,
quanto para o mundo todo. É então que as mudanças climáticas deixam de ser
apenas um fenômeno natural, “desígnio de Deus”, ao qual é preciso fazer frente
com diversas medidas práticas atenuando seu impacto, e se tornam um problema
político; conflito de interesses de grupos sociais.
Aqui
cabe perguntar: como ficam os defensores do discurso do "Estado
mínimo", tão elogiado pelos neoliberais durante o governo Bolsonaro e
ainda com forte influência no atual governo do Rio Grande do Sul, defendendo a
privatização de grande parte da infraestrutura e a mínima participação do
Estado na administração. Como o setor privado poderia fazer frente aos gastos
desta monta, como os que serão necessários no Rio Grande do Sul (e
possivelmente em outras regiões do país no futuro)? A quem até os neoliberais
são forçados a recorrer nesta hora de tragédia, senão aos recursos do Estado, já
que o capital privado não é suficiente ou está (seguramente) aplicado em algum
fundo de investimentos?
Em
resumo, as mudanças climáticas estão aí com seus efeitos. Custará caro
controlá-las e se adaptar a elas - é o que veremos mais claramente ao longo dos
próximos meses no Rio Grande do Sul. Quem vai pagar esta conta? Em outras
palavras, quem vai se apoderar da maior parte dos recursos públicos?
Fotos: (ABC do ABC e RFI)
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