“Sem
dúvida, o regime que se implantou, sob o rótulo de socialismo, não atendia às prescrições
que Marx e Engels lhe atribuíram. Para esses, o socialismo é um regime que só
começa, pelo menos, ali onde a ‘imensa maioria’ da sociedade, por seu elevado
nível social, ‘espontaneamente ‘, tende a praticá-lo. Como Isaac Deutscher
observou, a camada de mujiques analfabetos e a incipiente classe obreira que
constituíam o grosso da população russa, em 1917, não ofereciam condições
sociais maduras para a instauração do socialismo. E os próprios líderes
bolchevistas, pensavam assim e fizeram a Revolução na certeza de que, logo após,
o mundo ocidental se levantaria para derrocar o capitalismo. Suas intenções
eram idôneas. Seus ideais, sinceros. Mas, o mundo ocidental não respondeu à
Revolução e assim os líderes bolchevistas, pela lógica da situação criada, para
não perder o poder, foram compelidos a realizar o ‘socialismo num só país’.
Estava Lênin ainda no poder, quando Kautsky escreveu: ‘O governo de Lênin está
ameaçado de um novo Termidor’. Mas pode ocorrer outra coisa. A história não se
repete. Um governo que se propõe um fim que não pode alcançar nas condições em
que atua pode fracassar de duas maneiras. Acaba por cair, se aferrar ao
programa. Pode manter-se, se vai modificando o seu programa, e acaba por
abandoná-lo. Para a causa, o resultado é o mesmo por um procedimento ou por
outro. Agora, para as pessoas, varia muito a situação, se conservam em suas
mãos o poder do Estado ou caiam vencidas indefesas nas mãos de seus inimigos.
Os líderes bolchevistas foram realistas. Adaptaram-se às circunstâncias,
brutalmente, ferindo a sensibilidade dos ‘marxistas ocidentais’, como Kautsky,
Rosa Luxemburgo e, em nossos dias, Rubel, Daniel Guérin e tantos outros que têm
denunciado a infidelidade dos soviéticos às concepções originais de Marx e Engels.”.
(Ramos, pág. 80)
Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), sociólogo brasileiro em Mito e verdade da revolução brasileira
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