Eugene Thacker

segunda-feira, 16 de junho de 2025

 

“O mundo é humano e não humano, antropocêntrico e não antropomórfico, às vezes até misantrópico. Indiscutivelmente, um dos maiores desafios que a filosofia enfrenta hoje, reside em compreender o mundo em que vivemos como um mundo humano e não humano – e em compreendê-lo politicamente. Por um lado, estamos cada vez mais e mais conscientes do mundo em que vivemos como um mundo não humano, um mundo exterior, um mundo que se manifesta nos efeitos das mudanças climáticas globais, dos desastres naturais, da crise energética e da extinção progressiva de espécies em todo o mundo. Por outro lado, todos esses efeitos estão ligados, direta e indiretamente ao nosso viver como parte deste mundo não humano. Portanto, a contradição está embutida neste desafio – não podemos deixar de pensar no mundo como um mundo humano, em virtude do fato de que somos nós, seres humanos, que o pensamos.

Embora possa haver alguma verdade nisso, o mais importante é como todas essas lentes interpretativas – mitológicas, teológicas, existenciais – têm como pressuposto mais básico uma visão do mundo como um mundo centrado no ser humano, como um mundo ‘para nós’ como seres humanos, vivendo em culturas humanas, governado por valores humanos. Embora a Grécia clássica reconheça, é claro, que o mundo não está totalmente sob controle humano, ela tende a personificar o mundo não humano em seu panteão de criaturas humanoides e seus deuses excessivamente humanos, eles próprios governados por inveja, ganância e luxúria.

O mesmo pode ser dito da estrutura cristã, que, embora também personifique o sobrenatural (anjos e demônios; um Deus paternal, ora amoroso ora abusivo), reformula a ordem do mundo dentro de uma estrutura moral-econômica de pecado, dívida e redenção em uma vida após a morte. E a estrutura existencial moderna, com seu imperativo ético de escolha, liberdade e vontade, diante dos determinismos científicos e religiosos, acaba restringindo o mundo inteiro a um vórtice solipsista e angustiado do sujeito humano individual.”

 

“Ao longo de sua vida, Schopenhauer permaneceu igualmente insatisfeito com a meticulosa construção sistemática de Kant, assim como com o romantismo naturalista de Fichte, Schelling e Hegel. Se quisermos realmente pensar sobre o mundo como ele existe em si mesmo, diz Schopenhauer, precisamos desafiar as premissas mais básicas da filosofia. Estas incluem o princípio da razão suficiente (tudo o que existe tem uma razão para existir), bem como a desgastada dicotomia entre o eu e o mundo, tão central para a ciência empírica moderna. Temos que considerar a possibilidade de que não haja razão para algo existir; ou que a divisão entre sujeito e objeto seja apenas o nosso nome para algo igualmente acidental que chamamos de conhecimento; ou, um pensamento ainda mais difícil, que, embora possa haver alguma ordem para o eu e o cosmos, para o microcosmo e o macrocosmo, é uma ordem absolutamente indiferente à nossa existência e da qual podemos ter apenas uma consciência negativa. O máximo que podemos fazer, observa Schopenhauer, é pensar essa persistência do negativo. Ele usa o termo Vorstellung (representação; ideia; concepção) para descrever essa consciência negativa, uma consciência do mundo como o concebemos (seja por meio da experiência subjetiva ou por meio da representação estética), ou do mundo como nos é apresentado (seja por meio do conhecimento prático ou da observação científica). Seja como for, o mundo continua sendo o mundo-para-nós, o mundo como Vorstellung. Existe algo fora disso?

Logicamente, deve haver, visto que todo positivo precisa de um negativo. Schopenhauer chama esse ‘quase-inexistente e estranho’ de Wille (vontade; impulso; força), um termo que designa menos a volição ou ação de uma pessoa individual e mais um princípio abstrato que permeia todas as coisas, desde as entranhas da Terra até o conjunto de constelações – mas que em si não é nada.”

 

Eugene Thacker, filósofo, escritor e professor estadunidense contemporâneo em In the Dust of this Planet (2011) -  (Na poeira deste planeta, sem tradução para o português)

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