A crise civilizacional e a economia

sábado, 23 de abril de 2011
"A cultura vive quando é passatempo e morre quando é profissão."
"Cultivada é a pessoa para a qual nada é desinteressante e quase tudo é sem importância."   -   Nicolás Gómes Dávila  -  Aforismos

O mundo todo está em crise. Não somente a civilização ocidental, mas todas as culturas, cada uma a seu modo, estão sentindo os efeitos desta situação. A crise é uma mudança nas relações sociais, provocada por alterações na economia, na sociedade e na cultura. Escreve Edgar Morin: “Nossas sociedades são máquinas não triviais no sentido em que elas também conhecem sem cessar crises políticas, econômicas e sociais. Qualquer crise é um acréscimo de incertezas.” (Morin, 2007, p. 82).
A crise que ora passamos tem origens remotas; alguns a situam no Renascimento, na época das Grandes Navegações e no surgimento do Mercantilismo. Outros estabelecem o surgimento do capitalismo industrial, no final do século XVIII, como marco inicial da crise. Fato é que o processo se tornou mais agudo depois da 2ª Grande Guerra Mundial, durante as décadas de 1950 a 1980, quando o capitalismo industrial se espalhou por todo o mundo, criando novos mercados fornecedores de matérias primas e consumidores de produtos. Alguns aspectos desta grande expansão do capitalismo industrial no pós Guerra, foram:
- Surgimento do bloco econômico capitalista, liderado pelos Estados Unidos e seus aliados. A União Soviética e seus países satélite, formavam o bloco socialista (dito comunista). No meio destes dois blocos, estavam os países do Terceiro Mundo; mais de 90 nações em diferentes graus de desenvolvimento;
- Ajuda financeira e técnica (fornecida pela USAID, Banco Mundial, FMI, por exemplo), para que países estratégicos do Terceiro Mundo pudessem se desenvolver (por motivos político-estratégicos, como a Coréia do Sul, a Índia e a Pérsia; ou por motivos político-econômicos, como a maior parte dos países da América do Sul);
- Expansão das empresas multinacionais dos diversos setores – automobilístico, metalúrgico, químico, construção, eletroeletrônico – se estabelecendo em países que ofereciam infraestrutura, mão de obra e mercado consumidor. Estas indústrias acabaram fomentando diversas cadeias de produção nos países, criando condições para que se desenvolvesse também uma indústria nacional;
- Estas mudanças econômicas criaram diversas mudanças culturais e sociais nos países, propiciando a ampliação da classe média e provocando o deslocamento de milhões de pessoas do campo para a cidade. A introdução da Revolução Verde também ajudou a reduzir os postos de trabalho no campo, aumentando a migração.
Este o quadro geral. Ao longo dos anos 50, 60,70 e 80 o capitalismo se expandiu e modernizou. Sobre este período, escreve Octavio Ianni: “Este é o reino da razão instrumental, técnica ou subjetiva, permeando progressivamente todas as esferas da vida social. Em âmbito local, nacional, regional e mundial. No mesmo curso da modernização do mundo, simultaneamente à globalização do capitalismo, prossegue a generalização do pensamento pragmático e tecnocrático.” (Ianni, 2007, p. 103). Neste período a tecnologia – notadamente a eletrônica – tem um grande desenvolvimento a partir da década de 70, como resultado da corrida espacial e da Guerra Fria. Diversas tecnologias desenvolvidas durante este período, terão uma grande influência em uma expansão maior ainda do capitalismo, na década de 90.
Em final dos anos 80, especificamente em 1989, ocorre a simbólica Queda do Muro de Berlim; em 1991 a União Soviética deixa de existir. Desaparece o socialismo e seus ideais (somente ideais) e expande-se mais ainda o capitalismo, aliado à abertura de novos mercados consumidores e fornecedores (os antigos países socialistas) e à expansão do liberalismo. Cresce a economia de mercado, aumenta o fluxo de capitais, as comunicações (apoiadas na informática e na internet) e o transporte; enfim, é o processo conhecido como globalização. Escreve Zygmunt Bauman: “Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização.” (Bauman, 1999, p. 66-67).
A expansão acelerada do capitalismo a todos os rincões da terra acabou acelerando o aparecimento de uma crise maior, que se manifestou em 2008. Antes disso, o sistema já vinha apresentando diversos problemas, como:
- Exploração da mão de obra em países pobres. São comuns as empresas que montam uma base de produção em um país; com uma representação escolhem fornecedores e impõem preços de compra que permitem pouquíssima margem de lucro;
- Desemprego em massa. A automação das linhas de produção e a substituição de muitas profissões acabaram criando uma multidão de desempregados e achatamento de salários. Apenas em algumas economias, como a chinesa, a indiana e a brasileira se mantêm a demanda por empregados; estes quase sempre com baixos salários;
- Endividamento de grandes contingentes da população, incentivados pela propaganda, que tem como objetivo o aumento do consumo;
- Crise financeira nos Estado Unidos que acabou dando origem à crise do capitalismo em 2008, a maior depois da de 1929;
O capitalismo passa por uma grande crise. Conceitos válidos até a pouco, como “estado mínimo”; “autoregulação dos mercados”; “desregulamentação da economia”; “flexibilização do trabalho”, entre outros, estão bastante desacreditados. Aliada à crise econômica, o mundo enfrenta uma crise ambiental, que terá – cada vez mais – profundas influências na economia.
Bibliografia:
O mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34916 Acesso em 3/09/10.
Conjuntura da Semana. Uma leitura das 'Notícias do Dia' do IHU de 14 a 20 de maio de
2008. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1217609769.2027pdf.pdf. Acesso em 2/09/10.
Crise da civilização: A união de todas as crises. Entrevista especial com Jean Pierre Leroy. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=25200 Acesso em 4/09/10.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização – As conseqüências humanas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro: 1999, 145 p.
IANNI, Octavio. Teorias da Globalização – 14ª ed.. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: 2007, 271 p.
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo – 3ª ed. Editora Sulina. Porto Alegre: 2007, 120 p.
(imagens: poesia concreta de Haroldo e Augusto de Campos)

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