A cultura e a sobrevivência

quarta-feira, 11 de maio de 2011
"Uma inclinação que tire um homem da cidade e o leve para as margens de um rio ou para o topo de uma montanha seria irracional ou idiota, se julgada pelos padrões utilitaristas: ele estaria se dedicando a um passatempo tolo ou destrutivo. Segundo o ponto de vista da razão formalizada, uma atividade só é racional quando serve a outro propósito, como, por exemplo, a saúde ou o descanso, que ajude a recuperação da energia produtiva. Em outras palavras: a atividade é simplesmente um instrumento, pois retira o seu significado apenas através da sua ligação com outros fins."    -   Max Horkheimer   -   O eclipse da razão

Hoje é comum falar-se em proteção ao meio ambiente, manutenção das espécies e preservação dos recursos. Com isso não se pretende, no entanto, proteger a natureza em si, mas a humanidade. Em última análise, todo movimento ambientalista – consciente ou inconscientemente – tem este como principal objetivo: a preservação da espécie homo sapiens sapiens; o homem.
Se a complexa rede física e biológica que forma o nosso mundo natural for desestruturada, corremos o perigo de rapidamente desaparecer, assim como já ocorreu com dezenas de milhões de outras espécies vivas. A cadeia da vida é tão complexa, que sua manutenção depende da existência de cada ser vivo do ecossistema. A espécie deve sua vida ao ecossistema; mas este deve sua existência – e assim a de outras espécies – a este indivíduo. Se uma espécie desaparece, forma-se um vazio nesta complexa teia, forçando os sobreviventes a realizarem esforços adicionais para continuarem vivos.
No entanto, pelo que vemos acontecer diariamente no mundo – e não só no Brasil – fica evidente que a preocupação com a “convivência aceitável com a natureza” não é ainda uma característica da humanidade. Assim como outras espécies – quando se encontram em um ambiente ideal à procriação e sem predadores - estamos crescendo em número de indivíduos e exaurindo os recursos dos ecossistemas onde vivemos – plantas, animais, água e solo. O detalhe é que sempre quando uma espécie se reproduz excessivamente, utilizando todos os recursos alimentares de seu ambiente, acaba ocorrendo uma redução do número de indivíduos ou se extinguindo a espécie.
Os humanos, através do uso da tecnologia – produto da cultura, como as leis e a religião – estão conseguindo postergar esta situação há dezenas de milhares de anos. Já se foi a muito o tempo em que apenas a atividade da caça, como o fazem os outros animais, podia alimentar a nossa espécie. A cultura é assim uma nova forma de adaptação ao meio ambiente, uma forma de sobreviver mais eficientemente. Algo comparável ao formigueiro, às técnicas de caça em grupo dos lobos e dos golfinhos, das barragens construídas pelos castores e de certas habilidades manuais adquiridas pelos símios. Para muitos biólogos, a cultura é uma nova forma de evolução, que ocorre no cérebro da espécie humana. A teoria dos memes, lançada pelo biólogo Richard Dawkins em 1976, nos ensina mais sobre este tema.
O local onde se criou e desenvolveu grande parte da cultura humana foi na aldeia e na cidade – estas também criações da cultura humana. É nas grandes aglomerações humanas, onde existe uma grande interação entre indivíduos e suas idéias, que se desenvolve a cultura em suas variadas formas, inclusive todos os conhecimentos sobre a nossa espécie e nossa luta pela sobrevivência. A preocupação com o meio ambiente, uma das características da cultura mundial desde a segunda metade do século XX, também é produto do desenvolvimento cultural do homem.
Voltamos ao início do artigo. As iniciativas ambientalistas significam, em última instância, a preocupação com nossa própria espécie. Esta preocupação se desenvolveu como produto de nossa cultura. A cultura, por outro lado, poderia ser uma nova forma de evolução da espécie humana. O cuidado com o meio ambiente estaria assim, através da cultura, programado em nossa evolução?
(imagens: Arcângelo Ianelli)

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