Migrações e ambiente

sexta-feira, 28 de outubro de 2011
"- Somos todos aqui uns pulhas, uns seixos rolados - dizia-me Crispim Paradeda. - Sabe o que é seixo rolado? Essas pedras de fundo de rio que de tanto baterem umas nas outras acabam sem arestas. A civilização nos iguala, nos arredonda, nos tira a coragem da originalidade."  -  Monteiro Lobato  -  Cidades mortas

Desde a pré-história os homens se deslocam para outras regiões, em busca de melhores condições de vida ou para fugir de alguma ameaça. A atual região do deserto do Saara, por exemplo, já teve exuberante vegetação e era cortada por rios, habitados por crocodilos, hipopótamos e bandos de caçadores. No entanto mudanças climáticas ocorridas ao longo dos últimos 10 mil anos, relacionadas com o fim da mais recente Era Glacial, tornaram o clima do Saara mais seco, com menos precipitação pluviométrica. O avanço do deserto fez com que grupos humanos que habitavam a região se deslocassem para as margens do rio Nilo, onde havia fertilidade e oferta de água. Aos poucos esta população humana foi desenvolvendo uma cultura peculiar, dando origem à civilização egípcia. O processo de formação da civilização suméria (cerca de 4.500 a.C. na região dos rios Tigris e Eufrates) e da civilização de Mohenjo Daro (situada no vale do rio Indo em 2.500 a.C.) deve ter sido semelhante.
Fato parecido ocorreu no início da Idade Média, entre os séculos V e VIII, quando povos germânicos vindos do leste da atual Rússia invadiram a Europa central e ocidental, provocando grandes transformações políticas e sociais. A chegada destes povos – ostrogodos, visigodos, alanos, vândalos, entre outros – contribuiu para a formação da organização social que mais tarde se convencionou chamar de civilização cristã ocidental e da qual também somos herdeiros.
As migrações de povos sempre exerceram grande influência sobre o meio onde ocorreram. A chegada de pessoas com outros costumes, outras tecnologias, crenças e organização social diferente, provoca um grande impacto; seja no ambiente humano ou natural onde se estabelecem. Tal fato fica claro se compararmos a chegada dos primeiros povos ao território onde hoje fica o Brasil, há cerca de 15 mil anos, com a vinda dos europeus, há 500 anos. Os primeiros habitantes que aqui se estabeleceram provocaram um impacto ambiental bastante reduzido. Apesar de promoverem queimadas para o plantio, praticarem o manejo florestal em pequena escala e terem práticas de adubagem do solo (a “terra preta de índio” da Amazônia), poucas marcas sobraram das atividades destes primeiros moradores. Bem diferente foi o impacto provocado pela chegada dos europeus. Além de destruírem o ambiente natural – começando pela extração do pau-brasil e a derrubada da mata para o plantio de cana-de-açúcar – os europeus (ou portugueses) também destruíram o ambiente cultural das tribos indígenas. A escravidão, os massacres e as doenças, contra as quais os indígenas não tinham anticorpos, acabaram dizimando povos e culturas que levaram milhares de anos para se formar e estavam bem adaptados ao seu habitat.
Aqui ainda cabe lembrar que tal processo ainda não terminou. A cada ano se descobrem novas tribos indígenas, que nunca tiveram contato com a nossa cultura, e que deixarão de existir nas próximas décadas – graças ao processo de expansão de nossa atividade econômica, com a construção de estradas e barragens, a mineração, o desflorestamento, criação de gado e avanço da fronteira agrícola.
Especialistas tentam hoje escrever uma história da espécie humana, sob ponto de vista dos deslocamentos e do impacto que estes provocam em outros ambientes e culturas. Trata-se de uma nova perspectiva, mais dinâmica e interativa, da qual todos nós fazemos parte.
(imagens: Emil Nolde)

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