De volta à realidade

domingo, 24 de junho de 2012
"Este tipo de conexão dá à ciência grande estabilidade e poder para assimilar mais informações. Numa ciência bem estabelecida é impossível imaginar uma situação na qual um simples fonômeno possa vir a abalar os seus fundamentos e fazê-la ruir."  -  Peter B. Medawar  -  Os limites da ciência

Não faltaram esforços para transformar a Rio+20 em uma grande vitrine; um grande show pirotécnico durante o qual países e empresas tentaram impressionar, de alguma forma, a opinião pública local e mundial. Muita propaganda, projetos, promessas e propostas, mas nada de palpável. Têm razão as ONGs que criticaram o evento, dizendo que os resultados foram quase nulos. No final, foi redigido um documento consensual, no qual “as nações se comprometem a...” e onde “serão feitos esforços que visem o aprimoramento de...” e se farão “estudos que permitirão identificar demandas de...”. Enfim, acaba assim mais uma Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e não se estabeleceram quaisquer objetivos e metas concretos.
Terminada assim a festa, cada um volta para sua casa e vai enfrentar as dificuldades do dia a dia. Por aqui também voltamos a encarar os mesmos problemas, que apesar de toda a propaganda não desapareceram. Permanece o fato, por exemplo, de que ainda temos muitas dificuldades em garantir o acesso à água potável para toda a população – cerca de 20% dos brasileiros ainda não têm água tratada. Nas tubulações ainda se perde em média 30% a 40% do precioso líquido, devido a vazamentos e ligações clandestinas. Testes de qualidade da água tratada, realizados em diversas regiões do país pela Agência Nacional da Água (ANA) com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mostram que 47% das águas urbanas têm qualidade péssima ou ruim. Segundo a própria ANA, a baixa qualidade das águas é causada pela contaminação dos recursos hídricos com esgoto doméstico.
As metas do milênio acordadas por todos os países membros da ONU em 2000 prevêem, por exemplo, a redução em 50% do déficit de saneamento básico. Tudo indica que, a continuar o atual ritmo de investimento, o Brasil será um dos países que não alcançará este objetivo. No caso do esgoto, apenas 45% da população brasileira possuem coleta de esgoto e somente um terço daquilo que é coletado é tratado. Segundo o instituto Trata Brasil, dois terços do volume do esgoto das cidades brasileiras ainda vão parar na natureza – rios, lagos e mares – sem qualquer tipo de tratamento. Segundo o mesmo instituto, seriam necessários investimentos de 270 bilhões de reais até 2030 – 15 bilhões por ano – somente para atender à população com água tratada e esgoto. Dadas estas condições, ainda morrem no Brasil diariamente sete crianças, 2.100 por ano, por doenças causadas pelo contato com águas contaminadas por esgoto.
“O processo de urbanização que ocorreu no Brasil nos últimos 50 anos não foi acompanhado pelo saneamento. A situação crítica que a gente vive nas áreas urbanas é consequência disso”, afirma Marcelo Pires, gerente de Estudos e Levantamento da Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA. A afirmação permite concluir que nos últimos 50 anos nossos administradores públicos viram o processo da urbanização em andamento, sem tomarem medidas – estabelecendo objetivos e metas – para que a estrutura de saneamento acompanhasse as mudanças. Atualmente, no entanto, tais omissões não podem mais ser aceitas – principalmente para um país que acaba de sediar uma Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
(Imagens: fotografias de Willi Ronis)

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