"A razão por que Sócrates podia repousar nesta ignorância estava em que ele não possuía um impulso especulativo mais profundo. Em vez de acalmar pela especulação esta negatividade, apaziguava-a muito antes na inquietude eterna, na qual ele reprisava o mesmo processo com cada indivíduo particular." - Sören Kierkegaard - O conceito de ironia
Grande parte dos legumes,
frutas e verduras que consumimos diariamente não tem qualquer tipo de
fiscalização quanto a sua qualidade. No entanto, análises feitas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2014, mostraram que 31% dos
alimentos estavam contaminados com excesso de agrotóxicos. Dentre as
substâncias encontradas nas análises, estavam algumas potencialmente
cancerígenas e já banidas na União Europeia e países como a China e a Índia.
A matéria jornalística,
publicada no jornal Folha de São Paulo em 4/10/2015, mostra, por exemplo, como
a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais) de São Paulo - o maior
armazém comercial da América Latina por onde passam 30% de toda a produção
nacional de alimentos - praticamente não tem seus produtos analisados. Segundo
informações do Ministério da Agricultura, durante todo ano de 2014 lá só foram
coletadas duas amostras de bananas. Feirantes que trabalham no armazém
confirmaram que há anos não presenciam qualquer coleta de alimentos para
análises. O Ceagesp, convêm lembrar, é responsável pela distribuição de
produtos para supermercados e feiras livres da capital e de dezenas de cidades
do interior e de outros estados.
As análises realizadas pela
Anvisa em 2014 mostraram que diversos alimentos continham níveis de agrotóxicos
acima dos aceitáveis. 90% das amostras do pimentão estavam contaminadas com
excesso de defensivos agrícolas; 70% dos morangos; 60% das alfaces; 22% dos
tomates; 11% dos mamões e 10% do fubá de milho. A responsabilidade pelo
controle da qualidade deste tipo de alimento é de três órgãos: A Anvisa, o
Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. Os resultados das
análises - nas raras vezes em que são feitas - costumam dar resultados
diferentes.
Assim, não é de surpreender
que o Brasil seja campeão mundial na importação de agrotóxicos e seu segundo
maior consumidor, depois dos Estados Unidos. A aprovação de novos produtos mais
eficientes e menos tóxicos, segundo os próprios fabricantes, é demorada e
burocrática. Outro fator que incentiva o uso destas substâncias em larga escala
é o fato de que são isentos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e
têm uma redução de 60% no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços). Produtos importados além disso têm isenção das contribuições para o
PIS/Pasep e Cofins. Os produtos orgânicos, cultivados sem adição de
agrotóxicos, estranhamente não gozam desta generosa redução e isenção de
tributos.
No jogo de empurra entre os
órgãos públicos responsáveis pelo controle da qualidade dos alimentos, o
lesado, como sempre, é o consumidor. Vítima de interesses econômicos e da
inoperância do governo - seja por que motivos for - corre o risco de contrair
diversas doenças. Somente uma marca de defensivo usado na agricultura, pode
causar 25 tipos de doenças ao longo dos anos.
A rastreabilidade de
alimentos - a possibilidade de investigar a origem do alimento e os processos
pelos quais passou até chegar ao consumidor - já existe no Brasil para algumas
marcas de carne e para outros alimentos de maneira voluntária. O Instituto de
defesa do Consumidor (IDEC) publicou importantes informações sobre o
rastreamento na cadeia de alimentos no Brasil (http://www.idec.org.br/especial/de-onde-vem).
O caminho para as soluções é longo, mas a informação é o começo do processo.
(Imagens: gravuras alemãs do século XV)
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