Considerações sobre o filme "Alphaville"

sábado, 11 de agosto de 2018
"Para o cinema tudo se torna uma imensa natureza-morta, até os sentimentos dos outros são qualquer coisa de que se pode dispor."   -   Federico Fellini

ALPHAVILLE (1965)
Filme dirigido por Jean-Luc Godard

O ambiente do filme é o futuro. Ivan Johnson chega à cidade chamada Alphaville. A cidade é bastante automatizada. Ao chegar ao hotel, Johnson é procurado por Natasha von Braun, que fica incumbida de servi-lo como guia em um passeio pela cidade. Johnson se apresenta como jornalista. É a época “das grandes festas” e muitos estrangeiros visitam a cidade.
Natasha leva Johnson para encontrar um amigo dele. Durante o caminho, levados por um motorista, Johnson tenta averiguar se Natasha é filha do Dr. Von Braun, a quem parece ter sido incumbido de encontrar. Não obtendo nenhuma informação de Natasha, passam por um centro de “telecomunicação”, de onde ele pretende fazer um telefonema. Ali, Johnson é atacado, mas se livra de seu agressor.
Johnson chega sozinho ao local onde mora seu amigo, Henry Dickson. Ele não está, mas Johnson espera por ele, até que finalmente chegue. Dickson já mora há muitos anos em Alphaville, mas no passado parece ter vindo da mesma cidade que Johnson, “Nueva York”. Ele mora em condições deploráveis, em um pequeno apartamento. Durante o diálogo entre os dois, Dickson informa que muitos não aguentam a cidade e seu clima opressivo, e acabam por se suicidar. Diz que Alphaville é uma sociedade técnica onde todos vivem como formigas; de onde a arte foi eliminada. Toda a sociedade é controlada por um “cérebro eletrônico”, construído pelo Dr. Braun (aquele mesmo que Johnson parece estar tentando encontrar). Logo depois, Dickson recebe a visita de uma prostituta e acaba morrendo, não sem antes deixar uma mensagem para Johnson, na forma de um livro, com uma série de frases assinaladas, de significado estranho.
Johnson, munido desta mensagem procura Natasha. Vai a um prédio público onde escuta uma mensagem nos alto-falantes dizendo que “ninguém vive no passado nem no futuro, vivemos no eterno presente”. É a voz de Alpha 60, o computador que controla toda a “cidade-Estado” de Alphaville.

O eterno presente é atemporal. Sem perspectiva de passado ou futuro não teríamos condições de fazer comparação alguma entre diversos períodos históricos e assim construir uma utopia futura. O atemporal é o tempo ideal das ditaduras.

Natasha chega e ambos se dirigem para um outro prédio, em outro local da cidade. No caminho, ao percorrer de carro a cidade com Natasha e um motorista, Johnson tem a nítida impressão de que se trata de uma sociedade planificada, automatizada e sem liberdade.
Chegam a um local onde, segundo Natasha, “há muitas pessoas importantes”. Está havendo uma execução em massa, ao redor de uma piscina, no interior do prédio. A acusação, segundo dizem os juizes é terem agido de forma ilógica.


Fica claro na cena que o “agir de forma ilógica” é criticar o sistema, ou seja, agir contra a lógica elaborada para justificar o sistema político de Alphaville.

No local onde ocorrem as execuções, Johnson vê o prof. Von Braun e tenta aproximar-se dele, mas é preso por agentes de segurança. Natasha observa a cena e tem que reprimir suas lágrimas, já que nesta sociedade é proibido chorar ou mostrar sentimentos.
Johnson é levado para um interrogatório, no qual ocorre um diálogo “non-sense ou surrealista” entre ele e o computador Alpha 60.

O próprio filme tem influências do surrealismo de Breton.

É um diálogo interessante, na forma de um oráculo, onde o filme parece querer indicar que a máquina não consegue entender o uso de metáforas, diferentemente de nós, humanos. Por falta de acusações, Johnson é liberado. O “cérebro eletrônico” diz-lhe, antes de liberá-lo, que havia algo em suas respostas que não fazia sentido, e que iria investigar.
Johnson percorre o prédio onde está e fica sabendo que é a administração central de Alphaville. A sociedade era completamente controlada pelos computadores, que planejavam e coordenavam, ficando aos humanos simplesmente a tarefa de executar. Aqueles que, por qualquer motivo, não se adaptassem ao sistema, eram simplesmente eliminados. Falando com um funcionário, este diz a Johnson que ele não deve dizer “por que” (pergunta), somente “porque” (afirmação). Trata-se de um jogo de palavras em francês (onde “porquoi” quer dizer por quê em tom interrogativo, e “parce que” quer dizer porque na forma de afirmação causal).
Johnson vai para um outro prédio onde reencontra Natasha e, em um apartamento, trava outro diálogo surrealista-filosófico. Pergunta sobre o significado das palavras assinaladas no livro que havia recebido de seu amigo Dickson. “Consciência”, Natasha não sabia o que queria dizer a palavra.

Nesta parte do filme ele se torna mais filosófico. Natasha diz que “as palavras desaparecem do dicionário, outras são proibidas e outras ainda passam a adquirir um novo significado”. Uma sociedade que tivesse efetivamente este poder, poderia dominar completamente as pessoas, já que é através das palavras e de seu significado que pensamos e construímos as relações sociais e a cultura.  

Ambos falam de outros lugares e países, ficando claro que o filme desenrola-se em uma época em que não existe mais a União Soviética ou os Estados Unidos. Parecem existir cidades-Estado e Alphaville, uma delas, está em guerra contra as outras, as quais pretende destruir com uma tecnologia inventada pelo Prof. Von Braun.

O apartamento onde conversam é invadido por agentes, Johnson é capturado e interrogado novamente por Alpha 60. Este descobre que ele é o agente Leny Caution e o condena à morte. Caution foge do prédio (durante quase todo o filme, as ações se desenrolam no interior de edifícios) e vai para o laboratório onde se encontra o Prof. Von Braun. Ali discutem e Caution acaba matando von Braun e destruindo o computador.
Todos os habitantes de Alphaville, sob o efeito do computador, começam a ficar tontos e desmaiam, não oferecendo resistência a Caution. Este busca Natasha e juntos fogem de Alphaville.

A filme, é uma ficção científica distópica “noir” que possui várias referências culturais. Foi premiado com o Urso de Ouro, no 15º Festival internacional do Filme de Berlim. Rodado em preto e branco, o filme teve relativo sucesso em sua época, por criticar o uso da tecnologia por regimes autoritários. Hoje sabemos que não é necessário que um regime seja abertamente autoritário para dominar as massas. Basta a tecnologia.
(Imagens: cenas do filme Alphaville)

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