Produtos ecologicamente corretos

sábado, 11 de setembro de 2021

 

"Duas coisas bem opostas nos predispõem igualmente: o hábito e a novidade."   -   La Bruyère   -   Caracteres  

De tempos em tempos aparecem novas pesquisas sobre os hábitos de consumo dos brasileiros. Na maior parte destas enquetes conclui-se que os consumidores são em grande parte conscientes, preferindo comprar produtos que sejam menos prejudiciais ao meio ambiente, mesmo sendo mais caros. Pessoalmente, sempre duvidei dos resultados deste tipo de pesquisa, já que na prática diária vemos que não é isto que acontece. Além disso, essas pesquisas por vezes interpretam os dados de forma capciosa, colocando diferentes produtos, de diferentes classificações – ecológicos, verdes e sustentáveis – todos na categoria de “produtos verdes.” Assim, de alguma forma as pesquisas, muitas delas encomendadas por grandes empresas, dão a entender que significativa parte do compradores está relativamente conscientizada em relação à sustentabilidade.

Procura-se assim sugerir que efetivamente a economia está se tornando mais sustentável, que os consumidores estão comprando mais produtos “verdes”, e que as empresas – principalmente aquelas que apoiam este tipo de pesquisa – estão contribuindo para tal avanço.  (Muito provavelmente com o intuito de melhorarem sua imagem perante os consumidores). Fato é que ainda existe muito desconhecimento por parte dos consumidores, em relação ao que sejam produtos sustentáveis.

Também há que se levar em conta que o cidadão brasileiro, comparado ao europeu ou americano, tem renda muito baixa – ainda mais nos últimos anos, quando o país está sendo afetado por uma (aparentemente) insuperável crise da economia. Para cerca de 15 milhões de desempregados, 33 milhões de subutilizados e 6 milhões de desalentados – 54 milhões de pessoas ou 25% da população brasileira – a maior preocupação é sobreviver, comprando os produtos mais baratos, sustentáveis ou não. Além disso, há o fato de que a maior parte dos produtos de consumo - pelo menos nos últimos cinco anos - tornou-se tão cara, que ultrapassa os preços dos mesmos produtos vendidos na Europa ou nos Estados Unidos. Já é comum, estrangeiros virem para cá, ou mesmo brasileiros voltarem ao Brasil, comentando que o custo dos produtos de consumo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, são mais altos do que em Nova York, Londres ou Berlim. Sendo assim, é pouco provável que o cidadão comum – não me refiro às elites abonadas – vá gastar mais dinheiro com produtos verdes, que via de regra são ainda mais custosos do que os comuns. 

Pouco informado e com poucos recursos, o consumidor se confunde mais ainda com a rotulagem incorreta de muitas embalagens, que com afirmações dúbias podem induzir o comprador a pensar que se trata de um produto sustentável, quando na realidade não é. Para este tipo de conduta, segundo os especialistas da área, ainda não há nenhum tipo de punição. Para colocar um pouco de coerência no processo, a agência de controle ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), a Associação Brasileira de Embalagem (ABRE) e o Centro de Tecnologia de Embalagem do Instituto de Tecnologia de Alimentos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (CETEA/ITAL) elaboraram uma apostila com recomendações, a fim de orientar as empresas com relação às embalagens, no que se refere à questão da sustentabilidade do produto. (https://www.cetesb.sp.gov.br/media/embalagem_sustentabilidade.pdf).

Estes fatos também foram confirmados pela pesquisa "Sustentabilidade: Aqui e Agora", realizada em 2010 – portanto ainda antes do início da crise econômica – contratada pelo Ministério do Meio Ambiente e pela empresa Wal-mart (atualmente BIG). A análise foi realizada pela empresa Synovate, e tinha como objetivo principal esclarecer os hábitos dos consumidores brasileiros, em relação ao consumo verde e aos problemas ambientais. Responderam à enquete 1,1 mil pessoas de 11 capitais e apesar do tempo decorrido, os resultados não devem ter mudado significativamente.              

A primeira constatação da pesquisa foi que 74% das pessoas entrevistadas declararam estar motivadas para comprar produtos ambientalmente corretos. O fator limitante, no entanto, seria o custo do produto, o que fez com que 93% das pessoas não estivessem dispostas a gastar mais dinheiro em um eletrodoméstico econômico, por exemplo. O mesmo ocorria com o item alimentação, para o qual 91% dos entrevistados afirmaram que não gastariam mais por um alimento cultivado sem produtos químicos, e apenas 27% haviam comprado produtos orgânicos nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa. Estes percentuais, dada a pior situação econômica do país atualmente, podem ser ainda menores, agora em 2021.    

Com relação aos resíduos, 53% não fazem qualquer tipo de separação do lixo, mas 66% aceitariam reciclar mais. A pesquisa também identificou grande desconhecimento com relação à maneira correta de descartar determinado tipo de resíduos: 70% dos consumidores jogam baterias e pilhas no lixo comum; 39% descartam óleo de fritura na pia da cozinha. Aqui também os números não devem ter melhorado, já que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), implantada em 2010, quase não avançou nestes últimos dez anos. Na área do transporte, ainda segundo a pesquisa, é baixo o percentual de cidadãos que estavam dispostos a abrir mão do veículo particular em benefício do transporte público. Esta situação deve persistir ainda hoje, dada a presença da epidemia da Covid-19 e o perigo de contaminação pelo vírus no transporte público.

Uma outra pesquisa realizada pela empresa Mercado Livre entre junho de 2019 e maio de 2020 mostra que aumentou a procura por produtos sustentáveis. Durante o período observado cresceu muito a procura por tal tipo de mercadoria, chegando a 1,4 milhões de consumidores segundo a Mercado Livre. Novamente, cabe apontar que a maior parte dos consumidores que faz uso do comércio eletrônico situa-se nas classes A e B, que atualmente perfazem cerca de 14% da população. (Classe A: renda acima de 20 salários mínimos; classe B: entre 10 e 20 salários mínimos; classe C: R$ 2.238,00 a R$ 4.206,00; Classe D: R$ 981,00 a R$ 1.585,00 – dados de abril de 2021). Com isso, por terem um poder aquisitivo e geralmente nível educacional mais altos, estes consumidores costumam dar preferência a produtos sustentáveis. 

Os dados coletados em um estudo realizado pelo Instituto Akatu em 2018, também indicam isso. A pesquisa (www.akatu.org.br/pesquisa-akatu2018/) pesquisou hábitos dos consumidores brasileiros, utilizando como base de avaliação 13 práticas tidas como sustentáveis. A investigação procurou determinar o número de práticas sustentáveis de cada pessoa, para depois incluí-la em categorias de comportamento sustentável. Os critérios de avaliação do estudo foram:

  1. Ler o rótulo dos produtos as serem adquiridos;
  2. Pedir a Nota Fiscal da compra;
  3. Fazer a separação do lixo na residência, mesmo na falta de coleta seletiva;
  4. Usar o verso das folhas para fazer anotações;
  5. Fechar a torneira, enquanto escova os dentes;
  6. Esperar os alimentos esfriarem, antes de colocá-los na geladeira;
  7. Não deixar lâmpadas acesas em cômodos vazios;
  8. Desligar aparelhos eletrônicos sem uso;
  9. Divulgar suas ações e seus sucessos no uso sustentável de recursos, entre conhecidos;
  10. Planejar as compras de alimentos;
  11. Planejar a compra de roupas;
  12. Comprar produtos de materiais reciclados;
  13. Comprar alimentos orgânicos.

Na pesquisa os entrevistados também foram classificados em quatro categorias:

a)   O indiferente, aquele que tem de 0 a 4 dos comportamentos listados acima;

b)    O iniciante, com 5 a 7 destas práticas;

c)    O engajado, com 8 a 10; e

d)   O consciente, com 11 a 13 dos comportamentos sustentáveis listados.

Os resultados da pesquisa, realizada através de entrevistas individuais com 1090 pessoas de todas as regiões do país, foi o seguinte: 38% dos entrevistas incluem-se na categoria dos indiferentes, 38% na dos iniciantes, 20% são engajados e 4% consumidores conscientes. Outros dados levantados pelo estudo indicam que, a grosso modo, os consumidores mais sustentáveis são aqueles com grau de instrução e renda mais altos, mulheres e pessoas acima de 60 anos.

A propaganda sobre a sustentabilidade de certos produtos é, geralmente, dirigida aos seus consumidores alvo. Em muitos casos, são pessoas com renda mais alta e todos os seus corolários. Por outro lado, constata-se que o mercado consumidor brasileiro ainda não está suficientemente evoluído em termos de conscientização ambiental, de modo que mesmo os fabricantes e comerciantes de produtos mais “populares” ainda não precisam focar na questão da sustentabilidade para realizar as vendas. O Estado, que deveria ser o indutor da melhoria do nível de conscientização ambiental da população através de seus diferentes aparelhos públicos (escolas, mídia, bibliotecas, atividades culturais, etc.), permanece inerte. Assim, a demanda por produtos, ideias e práticas mais sustentáveis fica de certo modo restrita àqueles que têm maior poder aquisitivo e conhecimentos. Como quase tudo no Brasil.


(Imagens: fotografias de Charles Marville)

0 comments:

Postar um comentário