Leituras diárias

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

 


“Qual é a agenda da nova direita? Na verdade, se a observarmos, ela é velha até cair de podre. No século XIII, os nominalistas separaram linguagem e mundo. E a teoria averroísta da dupla verdade cindiu religião e ciência. Mais tarde, Maquiavel sacralizou a ruptura entre moral e política. A nova direita, em seus surtos de integrismo católico ou de fundamentalismo evangélico, reconecta em uma mesma massa conceitual religião, natureza, ciência, política e moral. É, portanto, pré-nominalista e pré-maquiavélica.

No século XVIII, Kant fez a crítica do realismo metafísico, pois tudo o que existe, existe na mente. A nova direita afirma Deus, o mundo e as religiões como realidades. É portanto pré-kantiana. Antes do criticismo kantiano, Descartes fizera crítica da autoridade e da tradição, pois nenhuma delas pode fornecer fundamento aos nossos juízos. O que a nova direita mais ama além de tradição e autoridade? A nova direita é, portanto, pré-cartesiana e pré-racionalista.

Nos séculos XIX e XX, a psicanálise inseriu a sexualidade no âmago da atividade simbólica. Separou, radicalmente, sexo e gênero, anatomia e desejo. À medida que é sexista e naturalista, a nova direita é pré-freudiana. Quando fala em raças, a nova direita também é pré-darwinista, pois não compreendeu ainda a teoria da evolução das espécies feita pelo acaso e não por qualidades inerentes aos seres vivos. Por fim, quando defende valores universais, a nova direita demonstra que luta contra Marx sem ter compreendido sequer uma linha de Marx. Luta contra um fantasma. Agora que todo valor é um valor particular universalizado.”

 

Rodrigo Petronio, professor, escritor e filósofo, em O complexo de Bacamarte, publicado na revista Filosofia Ciência & Vida nº 146


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