Mudanças climáticas e algo mais

sábado, 16 de outubro de 2021

 

"O segredo do demagogo é se fazer passar por tão estúpido quanto sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele."   -   Karl Kraus   -   Citado por Ruy Castro em Mau humor - Uma antologia definitiva de frases venenosas


Entre 31 de outubro e 12 de novembro próximos ocorrerá a COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia. A Conferência das Partes (COP) é um encontro anual que congrega 197 países, com o objetivo de discutir as mudanças climáticas e acordar medidas para combatê-las. As reuniões da COP foram estabelecidas em 1994, como um apêndice à Convenção-Quadros da Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Climate Change Framework Convention – UNFCC) e sua primeira reunião ocorreu em Berlim, em 1995. Desde então, os países vêm se reunindo anualmente para discutir providências, no sentido de que se diminuam as emissões de gases de efeito estufa, resultantes das atividades econômicas. A temperatura média do planeta já subiu 1,2º C desde o início da industrialização no século XVIII, continua aumentando e espera-se conservá-la abaixo de um aumento de 2º C, preferencialmente em torno de 1,5º C.

Os progressos feitos durante todos estes anos não foram muito grandes. Em diversas fases das negociações houve resistência de governos, de grandes grupos econômicos afetados pela necessidade de redução de emissões, de think tanks e ONGs, defendendo interesses de empresas ou associações. Atualmente, se bem que bastante reduzidos devido às evidências factuais e científicas, ainda existem grupos de pressão – notadamente nos Estados Unidos – e governos – caso do atual governo brasileiro – que colocam em dúvida as mudanças climáticas ou sua origem antrópica.

Os avanços que podem ser considerados como positivos, ocorreram principalmente na União Europeia, que até antes do governo Biden, nos Estados Unidos, tem sido a principal impulsionadora de medidas concretas, como aprovação de leis e normas técnicas, que visam diminuir a emissão de gases. Uso de energias renováveis, redução na geração de resíduos e gradual substituição da gasolina e do diesel nos veículos, são as principais áreas onde os governos europeus estão atuando. A China, atualmente o segundo maior emissor de gases, depois dos Estados Unidos, acordou para o problema da poluição atmosférica, por constantemente enfrentar altos níveis de contaminação em suas grandes cidades.

Os Estados Unidos, tradicionalmente, sempre se empenharam com as causas ambientais e de conservação da natureza. Foram o primeiro país a criar parques nacionais, desenvolveram e investiram em energia eólica antes da maioria dos países e criaram a energia solar fotovoltaica. Os americanos também foram os primeiros a organizarem movimentos ambientalistas, que através de sua pressão sobre o congresso daquele país conseguiram aprovar as primeiras leis sobre poluição atmosférica. Todavia, por sua posição crítica em relações aos organismos internacionais – ONU (Organização das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial de Saúde), entre outros –, ciosos de sua autonomia no plano internacional, o governo e o congresso americanos sempre foram reticentes em aderirem ao Acordo Climático. Tanto, que seu último presidente, Donald Trump, saiu do acordo firmado na COP 21 em Paris. O atual dirigente americano, Joe Biden, voltou a incluir seu país no acordo. 


No que se refere às ações efetivas que ocorrem no plano das reduções de emissões, temos aproximadamente o seguinte quadro. Por um lado, publicam-se constantemente novos e mais acurados relatórios de cientistas e instituições internacionais alertando sobre os já perceptíveis efeitos das mudanças climáticas, como aumento da frequência e do volume de chuvas e nevascas, a maior incidências de estiagens, tornados e furacões. Por outro, persiste a imobilidade da maioria dos governos dos países não europeus, em dar início a programas de redução de emissões. Na maioria dos casos, especialmente nos países em desenvolvimento, trata-se, sobretudo, de falta de recursos financeiros e de conhecimento técnico para implantação de iniciativas concretas. Todavia, as elites de tais países, os latifundiários, os industriais e os políticos, também exercem considerável pressão, no sentido de barrar a aprovação de marcos legais que visem reduzir emissões, por representarem custo adicional nas atividades econômicas deste grupos.

Ao mesmo tempo, aumentaram consideravelmente nos últimos dez anos os projetos para o uso de energias renováveis em todo o planeta. A economia de escala e a pesquisa tecnológica, permitiram que o custo dos equipamentos para geração de energia solar fotovoltaica, tivessem uma redução em seu custo de quase 90% entre 2010 e 2020. No setor da energia eólica, o desenvolvimento da tecnologia, da engenharia financeira dos projetos e a escala de produção, também possibilitaram uma importante redução dos custos de implantação de projetos nos últimos dez anos. No Brasil, o setor de energia eólica já é responsável por cerca de 10% da energia da matriz energética, devendo chegar a 16% em 2026.

As maiores setores geradores de gases de efeito estufa são o de geração de energia, atividades agrícolas e a indústria. O setor de energia, que também inclui os transportes e a geração de calor, é responsável por cerca de 73% das emissões mundiais. Nos países do hemisfério Norte, a maior parte da eletricidade é produzida por usinas acionadas a carvão mineral, óleo combustível e gás natural; todos combustíveis geradores de gases de efeito estufa, principalmente o carvão. Além disso, em todo planeta rodam mais de 1,215 bilhão de veículos, entre automóveis, comerciais leves e veículos pesados. Além desses, há centenas de milhões de motocicletas e dezenas de milhares de aviões e navios de diversos portes.

A agropecuária é responsável por cerca de 12% das emissões de gases, principalmente por causa da fermentação entérica; o processo digestivo que ocorre em animais ruminantes, como gado, ovelhas e cabras. Além disso, o estrume deixado pelos animais no campo também é gerador do óxido nitroso, um gás de efeito estufa maior que o gás carbônico. O uso de fertilizantes e o cultivo de arroz, também contribuem para a formação de gases poluidores, da mesma forma como a derrubada e a queima de florestas, para início das atividades agrícolas.

O quadro geral do planeta em relação às mudanças climática, segundo os cientistas, é preocupante. No entanto, parece que o que diz a ciência e o que mostram os eventos climáticos – enchentes, secas, nevascas, aumento do nível dos mares, derretimento de geleiras – não está preocupando em demasia os principais agentes envolvidos com o problema: governos e empresas. Se os países desenvolvidos e industrializados procuram, de diversas formas, diminuir as emissões de suas atividades econômicas, nos países em desenvolvimento estas iniciativas são quase inexistentes. Exemplo disso, é a atuação na área ambiental do atual governo brasileiro. Desmantelou o órgão ambiental federal, flexibilizou leis e diminuiu a fiscalização ambiental em todas as áreas.


Mas o problema ambiental do planeta não se resume às emissões atmosféricas. A maior dificuldade a ser enfrentada pela civilização planetária nas próximas décadas, tem a ver com os rumos a serem dados ao nosso modo de produção, o capitalismo. Este sobrevive através da expansão; criação ou conquista de novos mercados, tendo como base a produção de mercadorias. No entanto, é conceito cada vez mais corrente nos estudos econômicos, que toda a atividade econômica humana ocorre dentro de um sistema mais abrangente, a natureza. Os recursos utilizados para manter a expansão do capitalismo, a energia e as matérias primas mais variadas, são limitados; alguns mais e outros menos. Sabemos também que diversos recursos naturais estão começando a rarear e que não podem ser substituídos por outros. Por outro lado, nenhuma matéria prima ou produto é reciclado em cem por cento, havendo sempre uma perda a cada ciclo de reciclagem. Assim, a tendência é que aos poucos comecem a faltar certas matérias primas básicas, insubstituíveis. Estaremos com isso correndo o risco de paralisarmos definitivamente este sistema econômico, por falta de insumos? Será este o fim do capitalismo como o conhecemos?


(Imagens: pinturas de Susan Weiss Rose)

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