Agora e depois

sábado, 23 de julho de 2022

 


"La única arma contra la mediocridad es el sufrimiento. A través de ella se cambian temperamentos, ideas, actitudes y visiones; se cambia el sentido de la vida, pues todo sufrimiento grande y duradero afecta al fondo íntimo del ser."   -   E. M. Cioran   -   El libro de las quimeras       


Em 2018 o Brasil fez uma opção política, que em muitos aspectos acabou sendo prejudicial ao desenvolvimento do país. Em muitas áreas o país caminhou para trás: educação, cultura, meio ambiente, saúde pública, relações internacionais; só para mencionar algumas, sem entrar nos detalhes fartamente disponíveis na imprensa. Poucas vezes em toda a história do país, um governo escolheu tão mal seus ministros; exatamente aqueles que deveriam dar um direcionamento às pastas que foram convocados a gerir. Em raras ocasiões, se é que as houve, o Estado foi tão mal administrado, tendo seus cargos mais importantes loteados para militares, partidos políticos de apoio ao governo e grupos religiosos.

As condições econômicas internas e externas, sem dúvida, foram adversas. O país já vinha enfrentando uma crise econômica que se arrastava desde 2014, ainda no governo Dilma Rousseff. Some-se a isso o impacto provocado pela sindemia da Covid-19 a partir de março de 2020 e, ultimamente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Agravando ainda mais toda esta situação o governo eleito – exatamente para isso – imprimiu uma orientação neoliberal à economia reduzindo e cortando investimentos em programas sociais e de ajuda aos mais necessitados. Além disso, o governo estabeleceu prioridades completamente estapafúrdias, direcionando, por exemplo, mais verbas para a Defesa, do que para a Educação ou Saúde – apesar da crise médica e social provocada pela sindemia.

O próprio auxilio emergencial, necessário para ajudar minimamente grande parte da população que ficou sem recursos com a suspensão da atividade econômica provocada pela Covid, foi inicialmente recusado pelo governo. Somente com a pressão do Congresso e de diversos setores da sociedade, foi que o ministério da Economia concordou em liberar a ajuda.

Mesmo assim, a situação econômica não justifica os aumentos nos alimentos, combustíveis, eletricidade e gás, além dos demais itens que acabaram acompanhando a alta da inflação – escolas, vestuário, eletrodomésticos, aluguéis e vários outros. De nada adiantam as constantes propagandas de que somos um dos maiores – ou o maior, em muitos casos – exportador de produtos agropecuários, se internamente o preço dos grãos, dos óleos, das carnes, do leite e seus derivados, etc., estão cada vez mais caros. Hoje os preços de muitos alimentos são mais reduzidos na Europa, que importa a maior parte, do que no Brasil. Este tipo de ordenação econômica beneficia apenas aos produtores e exportadores desses produtos.   

Era e continua sendo crença dos neoliberais de que o “mercado”, ou seja, a própria dinâmica da economia, com sua “mão invisível” é capaz de colocar a economia em funcionamento de novo, sem que o governo interfira com medidas de fomento. Supondo que isso seja possível, quanto tempo isso demoraria e qual seria o custo? Quantas empresas a mais ainda iriam à falência, quantas pessoas mais perderiam o emprego ou passariam fome até que o "mercado" se estruture (magicamente) por conta própria? Sem interferência do Estado a economia de um país demandará muito mais tempo para se recuperar – ou talvez nem se recupere. Basta imaginar o que seria da economia americana e mundial, se durante a crise dos subprimes em 2008, o governo americano e os europeus não tivessem interferido nos bancos, evitando uma falência generalizada do sistema bancário mundial. É necessário que o Estado interfira na economia, de modo a contribuir no planejamento e na execução das atividades econômicas, mais ainda em países com economias amplas e diversificadas como a brasileira.

A situação atual do país é das mais preocupantes. Inflação, juros altos, atividade econômica reduzida, enquanto que há mais de 10 milhões de desempregados, milhões de trabalhadores subempregados e salários comprimidos. A fome afeta 33 milhões de pessoas e outras 126 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar.

Em 13 de julho o governo e seus aliados conseguiram aprovar a PEC 15/2022, chamada de “PEC dos Auxílios”, que cria o Estado de Emergência, através do qual o governo poderá contar com flexibilidade fiscal, para reduzir o preço dos combustíveis, aumentar o valor de programas sociais como o Auxílio Brasil e o Vale Gás, bem como para criar um auxílio de R$ 1 mil para caminhoneiros. Esta iniciativa deverá durar até novembro de 2022, mês em que poderá ocorrer o segundo turno nas eleições. A PEC tem sido muito criticada, principalmente pela oposição, que a considera uma medida eleitoreira. A medida tem dois aspectos: por um lado deverá ajudar temporariamente milhões de pessoas, seja através de programas sociais ou subsidiando o preço dos combustíveis. Por outro aumentará o déficit público e a inflação, dificultando mais ainda a situação da economia para o próximo governo que assumir a partir de 2023.

Em retrospectiva constata-se que o atual governo reduziu bastante todos os programas sociais, os diversos benefícios e os incentivos à cultura, à educação e à pesquisa. Os gastos em obras de infraestrutura foram mínimos. No entanto, ao final do mandato e às vésperas das eleições o governo se propõe a distribuir benefícios, “benesses” para parte das camadas pobres da população. Muitos oposicionistas chamam tal procedimento de “estelionato eleitoral”.

Mesmo assim, ainda é cedo para se fazer um balanço detalhado do atual governo. De uma forma geral a situação econômica e social do Brasil se tornou pior em todos os aspectos. Ainda não é possível saber com certeza quem assumirá a presidência do país, depois das eleições de final de ano. O que se sabe, no entanto, é que receberá uma nação em uma situação bem pior do que o atual presidente a recebeu em 2019. Para colocar o Brasil novamente em rota de crescimento, é preciso uma atuação mais forte e planejada do Estado, contando com um grupo de ministros preparados, colocando em prática um plano de governo coerente e efetivo. Se isto não ocorrer, a situação econômica e social do país ficará pior, trazendo mais dificuldades ainda para a maior parte da população. 


(Imagens: representações do "Samsara", a "roda da vida", na tradição budista)

1 comments:

Mari Polachini - MoCAN disse...

Mesmo com a eleição de um presidente que traga um plano de governo a tiracolo, não será rápida a recuperação econômica, social, emocional e mental do nosso país. Nossa população foi lançada a um estado de descrédito e prostração jamais vistos, diante do descalabro que tem sido esse governo. No entanto, urge acreditar que há uma esperança, e que sairemos dessas trevas medievais às quais fomos lançados e nos reconstruiremos a partir das cinzas a que fomos reduzidos. Sem essa crença, qualquer precipício se torna mais atrativo do que permanecer sob o jugo da ignorância e da violência.

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