Economia à moda antiga

sábado, 27 de maio de 2023


 "Uma das grandes questões colocadas por Freud, e que tem desafiado quase todos os filósofos da ética e da política, é a seguinte: A conciliação de interesses individuais e coletivos é possível por alguma via civilizatória específica ou esse é um conflito insolúvel?"   -   Nina Saroldi   -   O mal-estar na civilização   -   As obrigações do desejo na era da globalização     

 

O funcionamento da economia mundial reflete a ignorância, ou pelo menos uma desconsideração, com alguns princípios da natureza que a ciência identificou ao longo dos últimos cem anos. A pesquisa descobriu que não existem ações isoladas e que toda atividade humana exerce influência no ambiente local e global. Sabemos que os recursos naturais não são inesgotáveis e que a espécie humana tem um grande impacto sobre o planeta Terra. Somos hoje mais de oito bilhões de pessoas que, bem ou mal, se alimentam, geram resíduos, utilizam água e exercem diversas atividades, que modificam o ambiente natural da região onde atuam e de toda a Terra.

Tomemos como exemplo a atividade agrícola. Sabemos que a agricultura é o setor da economia mundial que mais consome água; cerca de 60% das reservas disponíveis. As constantes cargas de defensivos agrícolas (agrotóxicos) jogados sobre cada colheita acabam penetrando no solo e matando grande parte dos microrganismos que mantêm a terra saudável e produtiva, como era originalmente. O arado, revirando o solo, expõe a terra às intempéries, fazendo com que as substâncias nutritivas contidas na terra sejam arrastadas pela chuva e pelo vento. O passo seguinte então é tentar devolver à terra sua fertilidade, através da aplicação de fertilizantes – produtos químicos derivados do petróleo – à base de nitrogênio, fósforo e potássio. Todavia, parte dos produtos aplicados não penetra no solo, que perdeu sua permeabilidade, sendo arrastados pelas fortes chuvas para os rios, poluindo-os. Desta maneira, trata-se apenas de uma questão de tempo, para que os solos se tornem cada vez mais pobres e – círculo vicioso – necessitando aplicações crescentes de defensivos agrícolas e de fertilizantes. Como termina este processo?

Outras atividades econômicas funcionam da mesma maneira, sem considerar suas consequências sobre o restante da natureza. Preocupamo-nos apenas com o benefício que queremos obter, sem atentar para a maneira como influímos sobre o todo circundante. Exemplo extremo desta situação é a atuação da indústria pesqueira em todo o mundo. Depois de um aumento da frota de barcos e da utilização de métodos eletrônicos cada vez mais sofisticados para localizar os cardumes, a produtividade da pesca aumentou tanto que diversas espécies de peixes já não conseguiam mais se reproduzir na velocidade e quantidade em que vinham sendo pescados. O resultado é que nos últimos dez anos a produtividade deste setor vem caindo, causando desemprego e crise econômica em regiões de pesca, além de quase extinguir certas espécies de peixes. Como será no futuro?

A maneira como vimos explorando a floresta amazônica é outro exemplo desta forma míope de exercer uma atividade econômica predatória. Extensas áreas de floresta, incluindo plantas e animais desconhecidos da ciência, são derrubadas e transformadas em carvão e cinza, para dar lugar à cultura de soja ou à criação de gado. Estas atividades acabarão por desgastar completamente o solo, que é fértil por causa da camada orgânica, gerada pela cobertura florestal de que dispunha. Guardadas as proporções, é o mesmo que dinamitar o morro do Pão de Açúcar, para calçar as ruas do Rio de Janeiro com paralelepípedos.

Nossa economia ainda atua como se os recursos naturais fossem inexauríveis e como se a sistemática destruição do meio ambiente, que vimos empreendendo para manter o sistema em funcionamento, não tivesse qualquer consequência no futuro. O nosso modo de exploração dos recursos naturais, baseado em uma estrutura econômica que privatiza os benefícios e socializa os prejuízos, pode nos levar ao caos econômico e social.


(Imagens: fotografias de Carl Mydans)


(Versão alterada de texto publicado originalmente no livro "Como está a questão ambiental"?, de Ricardo E. Rose)

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