“Uma
famosa história Zen (budista) sobre os estágios da iluminação afirma: ‘Antes
que a iluminação ocorra, montanhas são montanhas; no momento da iluminação,
montanhas deixam de ser montanhas; mas então montanhas se tornam montanhas
novamente.’ A semelhança com o pensamento de Heidegger parece clara: para
Heidegger, antes de viver autenticamente, ‘existe-se’ de acordo com as práticas
cotidianas. Quando permitimos que a ansiedade revele que somos ‘Ser em direção
à morte – enraizados no ‘Nada’ – as práticas cotidianas deslizam para a falta de
sentido; depois, retomamos as práticas cotidianas mais uma vez, mas desta vez
guiados por uma consciência de nossas próprias possibilidades em vez das
expectativas do ‘eles’ (ou ‘todo mundo’).
Como
a iluminação Zen, o estado de autenticidade de Heidegger não requer fé em, ou
experiência de, Deus. Além disso, ele afirma que a mente é mais receptiva ao ‘mistério
surpreendente do Ser’ enquanto está completamente absorvida na única questão: ‘Qual
é o significado do Ser?’ Isso lembra a abordagem koan para a iluminação usada na seita Rinzai do Zen (budismo), onde o aluno medita sobre uma questão que
não tem resposta lógica, como ‘Qual é o som de uma mão batendo palmas?’
A
abordagem autêntica de Heidegger para a vida compartilha muitas qualidades com
o modo de vida Zen iluminado. Ambos surgem espontaneamente após uma percepção
da natureza não dualista da existência que libera o indivíduo da ilusão de que
ele é um ego independente separado, vivendo em um mundo desconectado de todas
as outras entidades, aparentemente independentes. Da mesma forma, Heidegger e
Zen estão ambos de acordo que este fim de uma percepção dualista da existência
nos permite ver imediatamente a natureza interconectada e mutuamente dependente
de todos os seres nesta existência unificada. Esta percepção é evidente na
realização de ‘tudo é um’ do Zen e nas expressões de Ser e Tempo (livro) de Heidegger, que descrevem o Dasein como ‘ser-no-mundo’ e
‘ser-com-os-outros’. Além disso, o estado Zen iluminado reconhece que a
aparente ‘solidão’ das coisas que encontramos no mundo é ilusória, pois todas
as coisas na realidade são ‘vazias’ e impermanentes. Heidegger obviamente
concorda com este ponto ao elogiar Sócrates por ‘permanecer continuamente no
poderoso rascunho da experiência direta que constantemente evapora e mina a
presumida solidão do mundo cotidiano familiar’. O Zen está ciente do sofrimento
criado como resultado de nossas tentativas fúteis de transformar o Nada, ou o
vazio, que somos em algo duradouro. Heidegger vê esta condição como ‘viver
inautêntico’ e aponta que a libertação disto só é possível se o Dasein finalmente perceber que é
intrinsecamente um Ser – em direção – à morte.” (Watts, págs. 66 e 67)
Michael Watts (1951-), professor universitário e escritor inglês em Heidegger: Um guia para iniciantes (original: Heidegger: A beginners guide)
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