Leituras diárias

terça-feira, 8 de abril de 2025


 

“Uma famosa história Zen (budista) sobre os estágios da iluminação afirma: ‘Antes que a iluminação ocorra, montanhas são montanhas; no momento da iluminação, montanhas deixam de ser montanhas; mas então montanhas se tornam montanhas novamente.’ A semelhança com o pensamento de Heidegger parece clara: para Heidegger, antes de viver autenticamente, ‘existe-se’ de acordo com as práticas cotidianas. Quando permitimos que a ansiedade revele que somos ‘Ser em direção à morte – enraizados no ‘Nada’ – as práticas cotidianas deslizam para a falta de sentido; depois, retomamos as práticas cotidianas mais uma vez, mas desta vez guiados por uma consciência de nossas próprias possibilidades em vez das expectativas do ‘eles’ (ou ‘todo mundo’).

Como a iluminação Zen, o estado de autenticidade de Heidegger não requer fé em, ou experiência de, Deus. Além disso, ele afirma que a mente é mais receptiva ao ‘mistério surpreendente do Ser’ enquanto está completamente absorvida na única questão: ‘Qual é o significado do Ser?’ Isso lembra a abordagem koan para a iluminação usada na seita Rinzai do Zen (budismo), onde o aluno medita sobre uma questão que não tem resposta lógica, como ‘Qual é o som de uma mão batendo palmas?’

A abordagem autêntica de Heidegger para a vida compartilha muitas qualidades com o modo de vida Zen iluminado. Ambos surgem espontaneamente após uma percepção da natureza não dualista da existência que libera o indivíduo da ilusão de que ele é um ego independente separado, vivendo em um mundo desconectado de todas as outras entidades, aparentemente independentes. Da mesma forma, Heidegger e Zen estão ambos de acordo que este fim de uma percepção dualista da existência nos permite ver imediatamente a natureza interconectada e mutuamente dependente de todos os seres nesta existência unificada. Esta percepção é evidente na realização de ‘tudo é um’ do Zen e nas expressões de Ser e Tempo (livro) de Heidegger, que descrevem o Dasein como ‘ser-no-mundo’ e ‘ser-com-os-outros’. Além disso, o estado Zen iluminado reconhece que a aparente ‘solidão’ das coisas que encontramos no mundo é ilusória, pois todas as coisas na realidade são ‘vazias’ e impermanentes. Heidegger obviamente concorda com este ponto ao elogiar Sócrates por ‘permanecer continuamente no poderoso rascunho da experiência direta que constantemente evapora e mina a presumida solidão do mundo cotidiano familiar’. O Zen está ciente do sofrimento criado como resultado de nossas tentativas fúteis de transformar o Nada, ou o vazio, que somos em algo duradouro. Heidegger vê esta condição como ‘viver inautêntico’ e aponta que a libertação disto só é possível se o Dasein finalmente perceber que é intrinsecamente um Ser – em direção – à morte.” (Watts, págs. 66 e 67)

 

Michael Watts (1951-), professor universitário e escritor inglês em Heidegger: Um guia para iniciantes (original: Heidegger: A beginners guide)

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