Leituras diárias

quarta-feira, 23 de abril de 2025


 

“Canguilhem conclui sua demonstração com uma declaração bastante profética, mesmo porque, na época em que a enunciou, o laboratório ainda não dominava o saber clínico. Ele assinala que nunca experiência alguma de laboratório (nenhuma fisiologia) possuirá valor diagnóstico se tiver como objetivo suplantar a observação clínica. Como deveríamos, hoje, nos lembrar dessa declaração magistral! Pois apenas a revalorização da arte da clínica, fundada na escuta e observação do doente, é capaz de assegurar um verdadeiro status ao profissional da medicina moderna, evitando que ele se torne lacaio do laboratório e da farmacologia. Sabemos, com efeito, que é da arte do diagnóstico que dependem tanto a leitura verdadeira do exame laboratorial quanto a capacidade de prescrever uma terapêutica correta – e portanto eficaz.” (Roudinesco, pág. 29). 

Espectros de Marx é provavelmente um dos mais belos livros de Derrida, e são compreensíveis as razões de seu sucesso mundial. Em vez de se voltar para o passado ou evocar com nostalgia uma época morta, ele convoca uma nova luta contra as potências triunfantes das tecnociências, que pretendem se apoiar no ato de morte do período marxista para impor uma ordem globalizada em que o homem não passaria de uma mercadoria fadada a uma servidão mais viva porque dissimulada sob os traços do ideal democrático: pois é preciso gritar, no momento em que alguns ousam neo-evangelizar em nome de uma democracia liberal enfim reatada consigo mesma como ideal da história humana: em vez de cantar o advento do ideal da democracia liberal e do mercado capitalista na euforia do fim da história, em vez de celebrar ‘o  fim das ideologias’ e o fim dos grandes discursos emancipatórios, nunca desprezemos essa evidência macroscópica, feita de incontáveis sofrimentos singulares: nenhum progresso permite ignorar que, em números absolutos, nunca tantos homens, mulheres e crianças foram escravizados, condenados à fome ou exterminados sobre a Terra.” (Roudinesco, pág. 166).

 

Elisabeth Roudinesco (1944-), historiadora e psicanalista francesa em Filósofos na tormenta: Canguilhem, Sartre, Foucault, Althusser, Deleuze, Derrida

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