Mais consumo é progresso?

domingo, 10 de julho de 2011
"A própria cidade converteu-se num meio e num instrumento de trabalho, num utensílio como a enxada na aurora dos tempos sociais. Instrumento de trabalho sui generis, pois sua matéria é dada pelo próprio trabalhador. Quanto mais o processo produtivo é complexo, mais as forças materiais e intelectuais necessárias ao trabalho são desenvolvidas, e maiores são as cidades."  - 
Milton Santos  -  Pensando o espaço do homem

Nossa civilização existe há pouco mais de 1.500 anos, nascida das instituições que restaram depois do desaparecimento do império romano, no século V. No plano das idéias, desde o final do século XVIII com os filósofos iluministas e o advento do capitalismo industrial, firmava-se o conceito de que nossa civilização (ou a sociedade européia da época) estava em evolução. Associamos as mudanças que ocorrem – o avanço científico e tecnológico, as mudanças sociais e econômicas – necessariamente a uma melhoria, ao progresso. Esta ideologia foi largamente divulgada pela cultura européia do século XIX, tendo também forte repercussão no Brasil através da filosofia do positivismo – o lema “ordem e progresso” em nossa bandeira reflete esta influência.
No século XX, depois da 2ª. Guerra Mundial, o capitalismo avançou sobre todas as regiões do mundo. A linha de produção em massa, que permitia aumentar a oferta e baratear bens e produtos, difundiu-se por todo o globo. Regiões que historicamente não pertenciam à civilização ocidental passaram a ser incorporadas a esta comunidade, através das forças econômicas do capitalismo. A possibilidade de consumir uma grande diversidade de produtos industrializados passou a ser sinônimo de progresso. Ainda nessa linha de raciocínio, o nível de industrialização e de negócios realizados no país – o Produto Interno Bruto (PIB) – era a medida da evolução do país. 
Este tipo de raciocínio avançou tanto ao longo dos últimos quarenta anos, que as instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a medir a evolução (ou o crescimento) da economia mundial e dos países através do aumento do PIB. Assumia-se tendenciosamente que o aumento da atividade econômica de uma nação significa necessariamente progresso, evolução. Neste raciocínio estava embutido o falso conceito de que assim como a economia de um país crescia, melhoravam as condições de vida de sua população. Utilizava-se o mesmo padrão para comparar duas situações diferentes. De um lado, os países desenvolvidos, que em grande parte já tinham resolvido seus problemas de infraestrutura, educação, saúde, entre outros. De outro, os países pobres e em desenvolvimento, que em sua maioria ainda precisavam encaminhar soluções para todas estas carências.
No Brasil atual temos a mesma situação. Progresso, para grande parte da população é associado ao aumento do consumo de bens. Esta ideologia é divulgada e defendida – explicita ou implicitamente em suas mensagens – por empresas e governo. Quando se fala em educação, por exemplo, é sempre para capacitar cidadão a exercer uma função produtiva (engenheiro, técnico de enfermagem ou padeiro) dentro do sistema econômico, a fim de que possa produzir e consumir mais. Da mesma forma é tratada a cultura, geralmente como lazer do cidadão, quando este não está voltado para a produção ou o consumo.
A mudança desta situação só acontecerá quando a educação, a cultura, a saúde e outros benefícios que uma sociedade deve oferecer aos seus membros, existirem para o benefício do cidadão, e não como “itens adicionais de um pacote de vantagens para o produtor/consumidor”. Progresso, se esta palavra tiver realmente algum significado, é muito mais do que aumento da produção e do consumo.
(imagens: fotografias de Robert Capa)

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