Nietzsche e Heidegger: convergências e divergências

segunda-feira, 4 de julho de 2011

"Cabe dizer que Pascal, como tantos outros, talvez não acreditasse que Deus existe, mas que insiste, que o procurava no coração, que não teve necessidade d`Ele para sua experiência sobre o vazio nem para seus trabalhos científicos, mas que precisava d`Ele para não se sentir, por falta d`Ele, aniquilado."   -   Miguel de Unamuno   -   A agonia do cristianismo

Toda a filosofia moderna foi influenciada pelo pensamento de Nietzsche. Seu pensamento foi o coroamento de um processo de constante crítica à metafísica moderna, a qual tendo origem em Descartes, passa por Hume e Kant. A crítica de Nietzsche, todavia, foi mais longe que as outras. Em seu pensamento criticava qualquer verdade metafísica, até os conceitos defendidos pela ciência de seu tempo. Escreve Viviane Mosé “Ao fazer uma avaliação da filosofia, da mora, da religião, da arte, da política, enfim, da cultura, o que a genealogia de Nietzsche faz é uma crítica da racionalidade, do conhecimento, colocando em questão a crença em todo e qualquer fundamento originário: verdade, ser essência, identidade, unidade, princípio, causa.” (Mosé, 2005, p. 31). Martin Heidegger, evidentemente, não poderia escapar à influência de seu conterrâneo e afirma dele: "Nietzsche é o primeiro pensador que, perante a história universal pela primeira vez aflorada em seu conjunto, coloca a pergunta decisiva e a reflete internamente em toda a sua extensão metafísica. Essa pergunta reza: como homem, em sua essência até aqui, está o homem preparado para assumir o domínio da terra?" (Heidegger apud Giacóia Junior, 2000).
Ambos se ocupavam primordialmente com a metafísica. Toda a crítica de Nietzsche, em última instância, é a crítica da metafísica de seu tempo. Heidegger, da mesma forma, tem na metafísica o tema focal de sua filosofia. Paradoxalmente, ambos os pensadores afirmavam que a metafísica estava morta; Heidegger queria fundar uma nova, em outras bases. Tanto Heidegger quanto Nietzsche foram bastante influenciados pelos filósofos pré-socráticos, principalmente Heráclito de Éfeso. Para Nietzsche, a filosofia se tornou racionalista e dualista (no sentido de contrapor um mundo ideal platônico-cristão a outro do dia-a-dia) a partir de Sócrates e Platão. Heidegger, por sua vez, pensa que o discurso racional da metafísica provocou o “esquecimento do ser”.
Os dois pensadores tinham uma posição bastante crítica em relação à tecnologia, como solução para todos os problemas humanos. Nietzsche de certo modo a desprezava e Heidegger temia sua ação na história futura do homem. Nietzsche valorizava a vida, o princípio dionisíaco; tinha uma aversão contra a morbidez da doutrina cristã em sua negação da vida e dos princípios vitais. Heidegger por outro lado afirmava que é através do enfrentamento do pensamento da morte, da finitude, que o homem poderia alcançar uma nova mentalidade. A angústia, produto deste processo de pensamento, levaria o homem a sair de sua mentalidade do dia-a-dia, a mentalidade comum.
Outro aspecto é que Heidegger, talvez por suas origens humildes valorizasse sobremodo a cultura e a tradição alemã, a ponto de contrapô-la no pós-guerra à influência da União Soviética e dos Estados Unidos. Nietzsche, no entanto, não era entusiasta das tradições alemãs. Desdenhava certos aspectos da sociedade germânica da segunda metade do século XIX com seus costumes pequeno-burgueses (aos quais Nietzsche chamava de filisteus). Admirava, a exemplo de seu mestre Schopenhauer, a cultura italiana e os costumes mediterrâneos.
Bibliografia
CRAGNOLINI, Mônica. Nietzsche por Heidegger: contrafiguras para uma perda. Cadernos Nietzsche, 10 p.11-25, 2001, disponível em < http://www.fflch.usp.br/df/gen/pdf/cn_010_02.pdf > Acesso em 30/6/2011
JUNIOR GIACÓIA, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo. Publifolha: 2000, 96 p.
MOSÉ, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira: 2005, 237 p.
(imagens: Jacques-Louis David)

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