A Mata Atlântica (nunca é demais falar dela)

domingo, 18 de março de 2012
"Admitir o instinto em vacas não prova que os seres humanos são também governados pelo instinto, é claro. Mas derruba o pressuposto de que, porque o comportamento é complexo ou sutil, não pode ser instintivo. Tal ilusão reconfortante ainda é frequente nas ciências sociais [...]  -  Matt Ridley  - O que nos faz humanos

Originalmente a floresta atlântica cobria todo o litoral do Brasil do Rio Grande do Norte a norte do Rio Grande do Sul. Sua área estendia por cerca de 1,5 milhões de quilômetros quadrados. Hoje, ocupa menos de 8% da área original, concentrando-se principalmente nos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Entre este dois últimos se concentra a maior área de mata, representada pela reserva ecológica Juréia-Itatins, que se estende por uma área de aproximadamente 12.000 hectares. Esta reserva reúne os ecossistemas típicos de parte da costa brasileira original, reunindo a vegetação de restinga, o mangue e a mata atlântica. As partes altas da Serra do Mar ainda são ocupadas por uma vegetação mais rala, formados por arbustos e cactáceas, resquícios do último período glacial, há cerca de 10.000 anos, quando a temperatura da Terra era mais baixa.
A floresta atlântica foi o primeiro ecossistema encontrado pelos descobridores portugueses e onde se estabeleceram as primeiras cidades – pela própria proximidade do litoral. Atualmente, a maior parte das grandes capitais – Natal, Recife, João Pessoa, Aracaju, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Florianópolis – localizam-se em áreas de influência da Mata Atlântica. Isto sem contar as centenas de cidades menores do Nordeste ao Sul do Brasil, que também se localizam nesta área.
A Mata Atlântica se estendia da Serra do Mar até o interior dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. No entanto, depois das devastações promovidas pela cultura canavieira no Nordeste (século XVI ao XVII), pela do café e outras culturas em São Paulo, Minas Gerais e Paraná (séculos XIX e XX), a floresta atlântica acabou sendo relacionada apenas com o litoral. Assim permaneceu relativamente intocada em seus contrafortes litorâneos até meados do século XX, quando a indústria automobilística se estabeleceu no Brasil (em São Bernardo, a poucos quilômetros da mata, ironicamente).
Teve início então a construção de estradas, ligando os grandes centros urbanos com o litoral e as praias, alcançando lugarejos até então remotos. Nestas localidades, a partir dos anos 1970 começou a ocorrer um “boom imobiliário”, promovendo a criação de loteamentos e suas péssimas conseqüências ambientais: derrubada de mata primária, secundária e da vegetação de restinga; aterro de mangues e descaracterização de barras de rios.
A abertura de estradas mais amplas, facilitando o acesso ao litoral (a região ocupada pela floresta atlântica) e a construção de casas de veraneio aumentou drasticamente o afluxo de turistas ao litoral. As cidades, antes pequenas vilas sem qualquer estrutura sanitária, transformaram-se em poucos anos em cidades com dezenas de milhares de habitantes (ou até centenas, como no caso do município de Praia Grande). Em um artigo publicado em 2009, escrevi:
Descarga de esgotos domésticos em córregos antes cheios de peixes e falta de aterros sanitários para o resíduo doméstico, continuam a ser deficiências de muitas cidades litorâneas brasileiras. A derrubada de áreas remanescentes de mata atlântica, o aterro de mangues e a destruição da vegetação de restinga são características desta desordenada ocupação do litoral brasileiro. Por um lado, a abertura indiscriminada de loteamentos sem qualquer infraestrutura, de outro a interdição e privatização de praias, beneficiando proprietários de grandes mansões. O pretenso progresso expulsou a população caiçara de muitas praias, para dar lugar a condomínios de alto luxo.
Este é com pequenas variações o quadro da ocupação do litoral brasileiro nos últimos anos. Destruição e descaracterização da natureza, promovida pelo ganho rápido e fácil, submisso aos interesses dos mais ricos e contando com a conivência da maior parte do poder político da região. As seguidas crises econômicas só vieram trazer mais problemas, diminuindo os recursos das prefeituras e deixando parte crescente da população litorânea sem perspectivas de encontrar um trabalho, aumentando os índices de criminalidade.
O turismo tem se tornado um peso ao meio ambiente de toda a região litorânea. A cada verão ou feriado, milhões de visitantes acorrem às cidades, aumentando a população e sobrecarregando o sistema de abastecimento de água e de coleta de lixo. O serviço de tratamento de esgotos não existe ou, na melhor das hipóteses, é insuficiente para atender ao volume da demanda. Com isso, são descarregadas toneladas de lixo em terrenos baldios e o mar recebe, através de córregos, milhões de litros de água poluída por efluentes domésticos. O problema já é tão grande que as areias das praias de muitas cidades estão contaminadas por microorganismos que atacam o intestino e provocam doenças de pele, olhos e ouvidos.” (Rose, 2009).  
É neste ambiente socioeconômico que ainda sobrevivem os remanescentes da Mata Atlântica, atravessada por grandes autovias, estradas turísticas e vicinais. A capacidade de controle dos órgãos ambientais, principalmente a Polícia Florestal Estadual e os poucos departamentos de meio ambiente de algumas prefeituras mais “progressistas” é limitada. A preservação deste importantíssimo ecossistema depende também da conscientização da população, dos empresários locais e da pressão exercida pela imprensa. 
A floresta tropical úmida possui basicamente três andares, de acordo com o grau de complexidade ecológica e biológica com que queiramos analisar o ecossistema. O primeiro representa o nível do solo, relativamente livre de vegetação, onde estão as folhas e galhos mortos, que servem de alimentos para insetos (formigas, besouros e suas larvas), fungos e bactérias de todos os tipos. O segundo estágio, aquele no qual plantas de tamanho médio (até 5 metros, de troncos finos e compridos e copa pequena) disputam espaço físico e, principalmente, a luz solar.
Nesta vegetação relativamente baixa para os padrões da floresta, se encontra teias de aranhas e diversos tipos de insetos (os borrachudos, por exemplo), cujo habitat é esta zona intermediária. Crescendo no meio desta vegetação mais baixa, estão os troncos das grandes árvores da floresta, como o jequitibá, a guapuruva, as figueiras, o pau-brasil, o jacarandá, a peroba, o jequitibá-rosa, o cedro e as palmeiras. Nos troncos, grandes quantidades de liquens, bromélias e orquídeas; formigas descendo e subindo os troncos, buscando e trazendo alimento aos formigueiros localizados no solo.
No andar superior, onde estão as copas das grandes árvores, vive uma grande quantidade de insetos (alguns nunca descem ao solo), pererecas (nas águas das bromélias ou dos antulhos) e pássaros, como o tié-sangue, o sete cores, a saíra, papagaios, quero-quero,
sanhaço, tucanos, gaviões e muitos outros.   
A Mata Atlântica é o ecossistema que está profundamente ligado à história do País. A maior parte de nossas lendas de origem indígena, como o Boitatá, o Curupira e outras, provieram de tribos indígenas (tupinambás, tupiniquins, caetés e tamoios) que habitavam a região da floresta. As lendas de origem caiçara ou caipira (Saci, Mula-sem-cabeça, etc.) também têm origem na região. Os bandeirantes começavam suas viagens atravessando a Mata Atlântica, utilizando-se de rios que cortavam a floresta (como o Anhembi, mais tarde batizado de Tietê). Os ciclos econômicos da cana-de-açúcar (Nordeste), dos metais (Minas Gerais) e do café (São Paulo) ocorreram em regiões dominadas pela Mata Atlântica. A industrialização também, em grande parte, teve início nesta região. 
Ainda será necessário escrever uma história econômica, social e ambiental da influência deste importantíssimo ecossistema sobre a história do Brasil. Isto sem falar de nossa pré-história, já que os habitantes do período sambaquí (7.000 A.C até 500 A.C.) viviam no litoral, em plena região de Mata Atlântica.
Bibliografia:
Os domínios morfoclimáticos brasileiros. Disponível em:
Encosta dos morros e Mata Atlântica. Disponível em:
Acesso em 21/04/10
Mata Atlântica. Disponível em:
Aves da mata atlântica. Disponível em:
Que índio dominavam o Brasil na época do Descobrimento. Disponível em:
Rose, Ricardo. Litoral brasileiro: problemas sociais e ambientais. Jornal GIRO ABC, número 413, São Caetano do Sul.   

(Imagens: fotomontagens de Jerry Uelsmann)

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